Não tinha um passeio com o meu velho pai ao município de Triunfo, na junção dos rios Taquari e Jacuí, que ele não me mandava estacionar o carro na Rua General Flores da Cunha, esquina com a XV de Novembro (assim, em números romanos). Ali, num misto de orgulho por ter vivido, e sobrevivido àquela tragédia, mostrava a placa que indicava onde chegou a água do Jacuí no distante maio de 1941. Até então, a maior enchente que este Estado tinha visto e vivido.
Triunfo é uma cidade histórica, fundada no dia 11 de março de 1754. Nela nasceu Bento Gonçalves da Silva, um dos líderes da Revolução Farroupilha, movimento armado que tentou a independência do Rio Grande do Sul. Possui casas bicentenárias, com a da família de Bento e a atual sede da prefeitura, com seus 200 anos e a marca histórica da enchente. Ali que eu preciso erguer a cabeça para ver onde a água chegou há 83 anos.
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Lógico que não vivi naquela época. Meu pai, o Seu Honório, tinha dez anos. Mas contava com tanta riqueza de detalhes o que havia presenciado que, se eu fechar os olhos, consigo ver as águas tomando conta da cidade e dos campos.
A família Ávila residia no distrito de Barreto, distante oito quilômetros da sede, pela atual rodovia BR-470. Na margem esquerda do Rio Taquari, a área urbana ficou ilhada, assim como algumas localidades do interior. Mas por dias ninguém entrava, ninguém saía, pela quantidade de água das partes mais baixas. O pai não lembrava o tempo, era criança, mas dizia que ficaram ‘semanas’ sem poder sair dali.
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Assim como contava o que tinha vivido com riqueza de detalhes, o Seu Honório emendava com uma frase mais ou menos assim: “Vocês nunca vão ver algo parecido”. Hoje eu entendo o que queria dizer. Era uma torcida para que o Rio Grande do Sul não voltasse a viver aquela tragédia. O pai falava pouco do que tinha ocorrido em Porto Alegre.
Sabia o que tinha ocorrido por registros lidos e vistos ao longo das décadas. Mas sentiu na pele e sabia que, qualquer volume de água nas mesmas proporções, provocariam ainda mais estragos. O pai não viveu para testemunhar a segunda enchente catastrófica do mês de maio. E eu tenho certeza: não só vivemos algo parecido como em 1941, como desta vez foi muito pior.
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Gestores públicos descuidaram das cidades
Que o texto de abertura desta coluna sirva de inspiração para os gestores públicos, afinal, a chuva que castiga o Rio Grande do Sul desde o final de abril revela uma enxurrada de falta de cuidados com as cidades.
A começar pela permissão para que centenas de milhares de gaúchos ocupem áreas de risco. Ou alguém acredita que esta é a primeira vez que água atinge regiões como Santo Afonso, Campina, Vicentina, Matias Velho?
Certamente nossa geração não tinha visto nada parecido com o que apareceu. Mas quem conhece a região sabe que são áreas que historicamente eram “refúgio” de cheias.
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Reconstrução será longa e demorada
Não esperem que nos próximos meses esteja tudo normal, com as pessoas em suas casas, em seus trabalhos. Milhares de casas sucumbiram às cheias. Nem mesmo os telhados ficaram à mostra. Famílias perderam tudo, empresas tiveram prejuízos incalculáveis.
É preciso erguer a cabeça, coisa que o cidadão, o empreendedor, sabem fazer. Só não podemos esquecer que o poder público também precisa fazer a sua parte.
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Tem município olhado pra frente
Qual o empresário atingido pelas cheias que vai se arriscar a permanecer onde está? Mesmo que tenha seguro que cubra as despesas, são semanas sem produção. Recuperar isso de que jeito? Não será surpresa se houver uma migração e já tem prefeito projetando esse futuro. Os municípios que não foram atingidos, ou pouco foram, têm margem para atrair investimentos.