Ando relembrando histórias muito antigas. Acho que isto é coisa da idade misturada com o hábito de escrever. Recentemente lembrei de certa vez quando um paciente me confidenciou, até meio envergonhado, que não suportava ver a maneira como a mulher dele mastigava. Perguntei então o que mais o incomodava. Respondeu que o incomodava a maneira como ela dormia, como ela se vestia, os assuntos que ela trazia, o perfume que ela usava, a família que ela tinha, os programas que ele precisava fazer com ela, os programas de TV que ela assistia. Foi então ele parou de falar e a ficha caiu. Tudo nela o incomodava.
Esta mulher não tinha mesmo o que fazer ou deixar de fazer. Foi então que contei a ele a história de uma outra paciente que tinha me procurado muito triste. Ela havia percebido que tudo que ela fazia parecia incomodar o marido. Ela estava realmente disposta a fazer coisas diferentes para agradá-lo e queria vê-lo satisfeito com ela. Começamos então a trabalhar para que ela pudesse fazer o melhor por ele e pelo seu casamento. Certa noite o tal marido chega em casa, vai até a dispensa e berra para ela: “o que é isso?” Ela corre e o vê com vários pães na mão. Isso o que, pergunta ela, mas já respondendo: “são pães. Um pão de leite como você gosta, um pão integral, já que estou de regime e um pacote de pão bisnaguinha, que é o que as crianças comem”.
E então ele começou um discurso muito alterado do quanto ele gastava com essa família , agora sabendo aonde ia o seu dinheiro e assim por diante. Em outra noite ela, toda disposta, resolveu fazer um jantar para ele. Percebeu que tinha pouco pão, até porque estava se policiando para conter mais os gastos e o pão que ainda tinha daria tranquilamente para o dia seguinte. Quando o marido chegou em casa perguntou se iria ter janta. Ela, toda orgulhosa, falou que sim, era só esperar um pouquinho. Foi aí que começou o problema.
Ele pediu um sanduíche para esperar o jantar. Ela fez para ele. Deve ter feito uma maravilha de sanduíche porque ele pediu outro. Ela, então,delicadamente, explicou que já estava terminando o jantar e que também sobraria pouco pão para o dia seguinte. Uma tragédia se instalou. Ele começou a berrar, falando que ela o estava provocando, que não tinha comprado pão de propósito e saiu esbravejando. Aí a famosa ficha também caiu para ela. Se ela fizesse pão, comprasse pão, vendesse pão, de nada adiantaria. O problema não era o pão e também não era ela. Nada do que ela fizesse mudaria as atitudes dele. Não demorou muito para que ela descobrisse que há seis meses o marido tinha um apartamento com outra mulher.
Quando alguém se satura da própria vida, está com outros interesses ou não quer mais uma relação, é fácil atribuir, explicar e justificar a insatisfação pessoal responsabilizando o outro por isso. O outro simplesmente não tem nada a fazer. Poder reconhecer a própria insatisfação, responsabilizando-se por ela, é fundamental para que haja mudanças e para que exista o respeito com a parceira ou parceiro.
Ficar atribuindo um mar de queixas ao outro, principalmente sabendo que independentemente do que o outro faça nada irá mudar no quesito satisfação, é cruel para o outro e também para si mesmo. Neste caso, reconheça e trabalhe a sua responsabilidade ou, em casos mais extremos, pegue a sua mala e siga viagem. Vá ser feliz e permita que o outro também possa ser feliz.