Estamos a poucos dias da maior festa da cultura popular do Brasil. Mas será que todos que moram no Vale do Sinos — a região que se orgulha em ser
o berço da imigração alemã— sabem que a região carrega consigo a tradição carnavalesca oriunda do protagonismo negro em suas histórias?
O Vale do Sinos, bem como em outras regiões do Brasil, também produz carnaval e é parte importante na história da folia e na memória da comunidade negra no Rio Grande do Sul. Historicamente, o carnaval no Brasil teve seu início com a elite branca e, na região, não foi diferente. Entretanto, existe uma diferença importante no contexto histórico social no que se refere ao surgimento dos principais blocos carnavalescos “Os Cobras” e “Os Dragões”, de São Leopoldo, e “Os Leões” e “Aí Vem Os Marujos”, de Novo Hamburgo, até a criação das primeiras escolas de samba da região. Sendo os leopoldenses oriundos dos clubes de elite e, os hamburguenses, organizados pela comunidade negra e periférica da cidade.
É com o entrudo que a folia se inicia no Vale do Sinos, seguindo a trajetória de outras cidades brasileiras, sendo influenciada pelas práticas trazidas pelos portugueses ao País.
É também neste período que se inauguram, em São Leopoldo, os primeiros clubes da cidade frequentados pela elite. Estes clubes ou associações de alemães que aqui se instalaram tinham a característica marcante de preservar os seus costumes, sua identidade e o germanismo. Em sua maioria, não permitiam a filiação de pessoas de diferentes etnias, só admitindo teuto-brasileiros em seus quadros sociais.
Em meados de 1858, já existia a Sociedade Orpheu e, anos depois, surge a Sociedade Ginástica São Leopoldo. São nestes locais que as grandes festas da elite desenvolveram-se com o objetivo de minimizar e, até mesmo, acabar com as práticas grotescas do entrudo português.
Mesmo com as intensas atividades que movimentavam os grandes clubes e seus maravilhosos bailes da região, o carnaval também ganhava as ruas, para a elite abastada da época era o momento de mostrar suas posses ao restante da sociedade.
O carnaval ao longo de sua história sofreu diversas transformações, e na região do Vale do Sinos não foi diferente. A partir da organização negra, de sua força e mobilização em difundir suas matizes culturais, e ter no samba e no carnaval seu momento de destaque na comunidade, possibilitou o surgimento das Escolas de Samba.
Entre a década de 1970 e 1980, verifica-se uma adesão forte da comunidade leopoldense a este carnaval, que se desloca para as ruas e toma um status mais popular em Novo Hamburgo. O movimento carnavalesco hamburguense teve sua construção baseada em um carnaval de rua, mais popular, e com uma forte contribuição da presença negra na sua construção do que na vizinha São Leopoldo. Porém, como em Novo Hamburgo e em outras cidades da região, o carnaval nos clubes de elite branca também era um ponto forte da festa.
Através do samba a população negra também pode se mostrar para o restante da comunidade, externado seus valores culturais e artísticos saindo da invisibilidade imposta pela sociedade. E foram destas vertentes oriundas destes antigos blocos — “Os Leões” e “Aí Vem os Marujos” — impulsionadas pelos movimentos populares e do associativismo negro em cultivar a cultura carnavalesca, que possibilitaram o surgimento das Escolas de Samba em Novo Hamburgo.
Dessa forma, o protagonismo da presença negra em se organizar, devido a uma condição social excludente imposta pela sociedade elitista da época, fez com que brechas sociais fossem abertas para que conquistassem seus espaços, o que se traduziu em clubes sociais, times de futebol, blocos carnavalescos, entre outros, e fossem os pioneiros na organização das escolas de samba na região do Vale do Sinos. E nos levam a crer na importância e na contribuição da presença negra no carnaval da região, afirmando seu papel como sujeitos precursores de um espaço social e cultural fundamental para os popu-
lares e, principalmente, dos sujeitos negros, em uma localidade marcada pela forte presença germânica.
Mas a questão que fica é: até quando a comunidade negra será invisibilizada na história do desenvolvimento sociocultural e econômico das duas maiores cidades do Vale?
Boas energias!