Certa vez, recebi uma paciente que veio com o objetivo de se separar. Parecia estar muito bem. Forte, bonita, cheia de si, poderosa, como nós mulheres costumamos brincar. Tentei argumentar sobre o quanto ela estava certa do que queria e que uma decisão como esta deveria ser tomada a dois. Ela demonstrou estar muito decidida, somente um pouco preocupada com seu marido, uma vez que este não aceitava a separação.
Sugeri que viessem juntos para conversarmos sobre sua decisão, já que eles tinham vivido muitas coisas boas juntos. Ela se negou, alegando que não tinham mais nada em comum. Ela não o admirava mais. Comentou que queria que o cuidasse. Pedi que ela aguardasse um pouco para encaminhar os documentos de sua separação, pois tudo estava sendo muito rápido para ele. Ela concordou e foi em busca de “spots” de luz e chuveiro elétrico, já era ela quem sairia de casa.
Ele concordou em vir à terapia. Ele era um homem muito bonito, mas estava com uma fisionomia de dar dó. Logo pensei que uma pessoa assim, que provoca pena, dificilmente provocaria tesão em alguém. Abatido, enfraquecido, cheio de dor, enfim, “acabado”. Assim ficava difícil tentar conquistar ou reconquistar alguém, muito menos provocar admiração.
Não demorou muito para que durante o nosso trabalho ele se desse conta que era um homem de grande valor, independente da avaliação feita pela ex-esposa. Ela era certamente muito importante na vida dele, mas não era “a vida dele”.
Não demorou para surgir muitos convites, mas ele sempre muito cauteloso. Estava mais voltado a si mesmo. Percebeu que havia abandonado a si mesmo e a esposa (agora ex) há muito tempo. Ela, por outro lado, estava muito contente com sua nova vida de solteira. Ao contrário do que muitos pensavam, ela não tinha outra pessoa.
Certa noite, ela e algumas amigas foram a um bar que se chamava Parole (não poderia haver um nome mais sugestivo, pois significa palavras). Conversavam em ritmo alegre até que alguém lhe chamou a atenção no balcão. Era um homem moreno, muito bem vestido, com uma postura muito fina, apesar dela não enxergar seu rosto.
Ele também conversava animadamente com uma jovem muito bonita. Ela não soube explicar, mas não conseguia tirar os olhos dele e do blusão bordô, tom vermelho de paixão, que ele vestia. Sentiu uma vontade imensa de se aproximar, mas não sabia como. Estava, de acordo com suas amigas, “destreinada”.
Incentivada pelas amigas, resolver pedir um refrigerante no balcão. Para sua surpresa, viu que o homem “todo – bom” era seu ex-marido. Cumprimentaram-se cordialmente e, após pegar seu refrigerante, foi novamente sentar-se.
A partir daquele momento, um turbilhão de sentimentos tomou conta dela. Ele era o homem que ela havia conhecido há muitos anos atrás. Estava mais envelhecido, mas o tom grisalho dos cabelos somente o haviam tornado mais charmoso e atraente. E aquele blusão bordo então…
Ela deixou todas as suas armas de lado, o orgulho, o medo, as antigas profecias, a vergonha e resolveu pedir-lhe uma carona. Ele, por outro lado, também resolveu deixar suas mágoas de lado (junto com o desejo de “dar-lhe o troco”). Resolveram viver, nem que fosse somente por uma noite, aquele momento. Loucos ou não, estavam vivendo, sentido, querendo. As “paroles”… deixaram para lá.
Ele continuou com sua terapia durante um certo tempo, mas sabia que dali em diante a presença dela era fundamental. Resolveram começar de novo, em todos os sentidos. A última notícia que tive deles foi que estavam tendo um grande problema: dar um rumo aos “spots” que ela havia comprado. Aproveitaram para fazer uma pequena gozação comigo, perguntando se eu não estava disposta a quebrar mais este galho. Alguém aí quer alguns spots?