Ele chegou ao consultório vestindo um terno escuro, bem passado, bem alinhado. Cumprimentou-me respeitosamente e com um certo constrangimento. Um homem fino, culto, que logo me fez perceber se tratar de um homem sério e distinto. Então como “quebra gelo”, falou-me um pouco dos negócios, um pouco sobre a violência na cidade e o quanto tudo estava sem limites. Perguntei então se ele estava particularmente sofrendo com esta questão de limites. Foi então que ele me contou essa história.
Precisava da minha ajuda para se separar. Estava totalmente apaixonado por uma moça. Perdidamente de amor foi o termo usado por ele. Falou que a paixão havia lhe trazido novamente a alegria e o prazer na vida. Sentia-se remoçado, motivado, com uma disposição que há muito tempo não sentia. Perguntei a ele quantos anos de casamento tinha… eu percebia que apesar da aparência remoçada não era nenhum menino.
“Tenho 22 anos de casamento. Mas veja bem, não quero te confundir. Quero tua ajuda para me separar, mas não da minha esposa ou do meu casamento. Quero tua ajuda para me separar deste amor, desta mulher que entrou em minha vida”. Foi então que ele chorou muito. Depois, recomposto, me disse não suportar este tipo de atitude que ele vinha tendo e que amava muito sua família. Que era um homem bom, dedicado e que não admitia o que ele próprio estava fazendo.
Vocês podem estar pensando “e você fez o que ele pediu?”. Ele não deveria jogar tudo para o alto, ir viver este amor, ser feliz, ”ser mais ele” e ponto final? Respeitei algo que ele me deixou bem claro, desde o nosso primeiro contato: princípios.
A questão básica eram os princípios. Ele não conseguia aceitar em si próprio a atitude que estava tendo. Estava sofrendo por isso. Podemos querer mudar tudo na vida, mas há certos princípios pessoais de cada um que, mesmo custando caro emocionalmente, não podem ser mudados, pois fazem parte da identidade da pessoa. Ele de família tradicional, de origem alemã, com um senso de responsabilidade para com seus pais, com três filhos, com uma rigidez de censura pessoal, não teria como ser feliz jogando tudo para o alto.
Respeitei o pedido dele e ele, passado pelo luto custoso durante um ano, estava de novo renovado, leve tranqüilo e de novo cheio de paixões: um novo projeto profissional lhe dando muito orgulho, a retomada de um antigo hobby, e uma nova mulher na sua vida lhe fazendo de gato e sapato.
Que mulher era esta? Uma neta que veio para derreter mais uma vez este “velho coração apaixonado“, como ele se auto-define. Ela ganhou o nome do avô na forma feminina, seguindo a tradição da família. E sobre a esposa dele? Bem, ela nunca soube desta história e se soube, respeitou silenciosamente aquele momento. Quanto a outra mulher ? Acabou com o tempo afastando-se de vez sem nem imaginar, nem em sonho, o quanto era amada e o quanto um homem sofreu de amor por ela.
Existe a mania entre as pessoas de fazer colocações do tipo: “se ele realmente me amasse, teria feito isso ou aquilo”, “se realmente me amasse, teria tido esta ou aquela atitude”. Engano! Algumas vezes na vida, há muitos valores pesando os quais não vou dizer que são mais importantes, mas que são tão importantes como um grande amor.
Portanto, antes de se sentirem usados ou usadas, antes de se sentirem um lixo descartável, que é o sentimento mais comum quando se é a outra ou o outro na vida de alguém, como na história anterior, saibam que existem muitas coisas em jogo quando as pessoas tomam atitudes diferentes da que era esperada. “Mas se ele me amasse de verdade, teria largado da mulher”. Errado, como vocês acabaram de ver. Talvez a maturidade explique melhor estas tomadas de decisões.