Disputa interna entre diretor técnico e presidente da Fepam vem à tona em período conturbado para o Rio dos Sinos
De um lado, o diretor presidente da Fepam. De outro, o diretor técnico do órgão. Desde o fim da tarde de quinta-feira, a sociedade gaúcha assiste a uma troca de acusações que resulta em uma certeza: o Rio dos Sinos, tão castigado ao longo dos anos, ficou em segundo plano.
Na versão de Jackson Müller, biólogo hamburguense, ex-secretário de Meio Ambiente de Novo Hamburgo, ele teria saído de férias do cargo de diretor técnico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) após desentendimento com o presidente do órgão, Renato Breunig.
Na versão de Breunig, vice-presidente do PSDB de Novo Hamburgo, Müller foi demitido após a descoberta de um dossiê com e-mails que o biólogo trocaria com Luiz Ruppenthal, presidente da Utresa, principal responsável pela mortandade de peixes no Rio dos Sinos, em outubro passado, e foragido da polícia.
Breunig teria uma reunião com a governadora Yeda Crusius nesta quarta-feira para tratar sobre o caso. Enquanto isto, Müller não compareceu ao trabalho após o feriado de carnaval, pois alega que está em férias.
Na tarde desta quarta-feira, ele conversou com a reportagem do portal novohamburgo.org, quando relatou sua relação com Ruppenthal e falou sobre o episódio com Breunig. Acompanhe a seguir:
A suposta demissão
Jackson Müller alega que foi chamado por Breunig na quinta-feira, quando o presidente da Fepam teria dito para ele se demitir ou o dossiê seria divulgado à imprensa. Funcionário público concursado pelo município de Novo Hamburgo há 17 anos, cedido ao órgão ambiental do Estado, Müller teria alegado que tinha o direito de conhecer as acusações para se defender delas.
No entanto, o encontro entre os dois encerrou sem uma definição clara. À imprensa, Breunig declarou que Müller estaria muito atarefado e que, por isto, pediu demissão do cargo. Já Müller afirmou que nunca pediu demissão e que saíra de férias, permanecendo como diretor técnico do órgão.
Contatos com Ruppenthal
O suposto dossiê que traz detalhes dos e-mails trocados entre Müller e Ruppenthal ainda não foi revelado. Porém, o biólogo diz que coloca a disposição todos os e-mails para análise do Ministério Público.
Müller mostrou ao portal novohamburgo.org os e-mails (foto ao lado) que recebia e que enviava para Ruppenthal. Diz que, na condição de gestor estadual, não havia motivos para não se comunicar com o presidente da Utresa.
O biólogo afirma que já recebia e-mails quando ainda trabalhava como secretário em Novo Hamburgo, até 22 de março de 2005. No entanto, reforça que foi a partir de sua entrada na Fepam que os contatos se tornaram mais rotineiros. Hoje, Müller não desconsidera a hipótese de Ruppenthal ter tentado uma aproximação maior com ele para supostamente encobrir alguma irregularidade na área ambiental, caso ela fosse descoberta.
Somente em 2006, por exemplo, Müller diz ter recebido 161 e-mails de Ruppenthal. Na maioria dos casos, tratava-se de mensagens de conteúdo desinteressante (como vídeos, mensagens animadas ou mesmo piadas), o que ele alega que elegantemente não poderia evitar.
Revela, entretanto, que parte dos e-mails trazia projetos e notícias ambientais, assunto de interesse comum entre o empreendedor e o gestor ambiental. Em alguns destes e-mails, teriam tratado sobre a feira Entsorga-Enteco, realizada na Alemanha e direcionada ao setor de tratamento de resíduos sólidos, no qual a Utresa atua.
Ruppenthal então teria convidado Müller para ir à feira, inclusive pago suas passagens e um valor para cobrir custos de hospedagem. Foi na Entsorga-Enteco de 1997 que o biólogo conheceu parte da tecnologia que implantou na Central de Reciclagem de Novo Hamburgo. Entretanto, para o evento de 2006, Müller teria recusado o convite, em e-mail enviado a Ruppenthal no dia 13 de outubro (seis dias após a mortandade e antes de a Utresa ser autuada pelo crime).
A intervenção na Utresa
Jackson Müller foi nomeado pela Justiça como interventor na Utresa, atuando na empresa desde que ela foi considerada como a principal responsável pela morte de 90 toneladas de peixes no Rio dos Sinos. Ele inclusive foi o autor do relatório que incrimina a Utresa e que resulta no pedido de prisão preventiva de Ruppenthal.
Os contatos por e-mail entre Müller e Ruppenthal continuaram até 1° de novembro de 2006, quando o biólogo teria respondido a uma última mensagem do empresário. Após este período, Müller ainda teria recebido dois novos e-mails de Ruppenthal, desta vez após o pedido de prisão ter sido decretado.
Estas duas mensagens teriam sido encaminhadas para o Ministério Público e tratavam da atuação do MP contra a Utresa e de uma avaliação geofísica da área da empresa, localizada em Estância Velha, onde estaria registrada uma grande contaminação.
Como interventor da Utresa, Müller recebeu uma denúncia anônima de que sofreria uma emboscada a caminho da empresa (fato registrado na Delegacia de Polícia) e ainda que a segunda mortandade no rio, registrada em 16 de dezembro (foto ao lado), teria sido criminosa, ou seja, o Sinos teria sido “envenenado” para colocar em dúvida a atuação de Müller e do MP no caso.
Sobre isto, o biólogo diz que havia sim uma concentração fora do normal de metais pesados nos peixes mortos, mas que a baixa vazão do rio, o pequeno nível de oxigênio e a alta temperatura da água (cerca de 34 graus) poderiam ter contribuído para isso.
No entanto, diz que o fato mais incomum é que os peixes morreram no canal do Arroio Portão, como em um movimento de fuga do rio. “Por isso é que o que matou os peixes na primeira mortandade não foi o que matou na segunda”, afirma Müller.
A relação com Breunig
Jackson Müller conta que a sua relação com Breunig iniciou complicada, pois foi divulgado na imprensa que o novo presidente da Fepam era advogado da Utresa. Breunig, por sua vez, atribuiu a Müller a denúncia veiculada nos meios de comunicação.
Breunig alegou que trabalhou como advogado para a empresa apenas em uma ação tributária em 2001, mas seu nome constou até 5 de fevereiro deste ano no site do Supremo Tribunal Federal (STF) como advogado do processo que envolve a empresa.
Agora, entretanto, ocorre a inversão da acusação, com Breunig insinuando que Müller é que mantinha relações estranhas com Ruppenthal, mesmo tendo elaborado o relatório que o incrimina.
Além disto, Müller confirma que foi cotado para assumir o cargo de presidente da Fepam, no qual diz que não se encaixava, pois seu perfil é mais técnico e não político, como a presidência do órgão exigiria. Já Breunig declarou à imprensa que não havia o temor de perder espaço para Müller.
A cedência ao Estado
No dia 12 de fevereiro, segunda-feira da semana passada, a governadora Yeda Crusius teria encaminhado à Prefeitura de Novo Hamburgo o pedido de manutenção da cedência de Jackson Müller para a Fepam. A sua permanência no cargo também teria sido confirmada pela nova secretária estadual de Meio Ambiente, Vera Callegaro.