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Durante os casamentos, com príncipes e princesas de carne e osso, enfim normais, é normal que ocorram períodos mais quentes e mais frios, mais difíceis. Mas quando há o silêncio a dois, a indiferença, a repressão dos sentimentos, a mentira e a negação das dificuldades pessoais ou da relação, ou ainda a infidelidade, ocorre o que Pauline Boss descreve como “perda ambígua”, na qual a pessoa está física mas não emocionalmente presente.
Marido e mulher vão se tornando parentes, mãe e filho, amigos, “irmãos de leito”. Buscando evitar brigas, desentendimentos e todo o elenco de valores negativos, deixam de ser um casal dentro de casa e passam a viver como estranhos no lar. Não se falam, não se tocam, mas também não brigam. O que os mantém juntos são os laços de obrigações. O amor então desapareceu? Não necessariamente. Na maioria das vezes, está somente escondido pelas mágoas, raivas e rancores que cada um tem na sua caderneta pessoal. E quando chegam as cobranças a memória é fantástica.
No livro Sexualidade Feminina, a autora diz que para o homem tudo está bem desde que a mesa esteja posta, os filhos dormindo e a casa arrumada. Porém, não é isto que vejo em meu consultório. Eles fazem de conta que está tudo bem.
Alguns casais me dizem: as crianças nunca nos vêem brigar, vivemos bem. Então gosto de perguntar se as crianças os vêem se amar? Homens e mulheres se tornam vizinhos nos compromissos sociais, cordiais na presença dos filhos e ao se depararem um com o outro a sós, retiram a roupa social e cada um fica em sua concha protetora, com seus sonhos pessoais. Vivem infelizes, mas bem.
E os sonhos, os desejos, os planos em comum e a felicidade? Muitos casais são eternamente competentes no desempenho de seus papéis sociais, na vida prática e na educação dos filhos. Porém, quando o assunto é afeto, evitam crises a qualquer custo, vivendo na aparência.
Vida a dois implica em crises freqüentes, implica em mudanças. O medo da crise faz com que as pessoas vivam juntas e não convivam juntas no sentido de estar com o outro. É a vida, dizem os mais indiferentes e acomodados. Normalmente, essa situação de estranheza de cônjuges-saturados, cônjuges irmãos ou vizinhos, não leva à separação, porque não existe um fato grave que a justifique.
É preciso muitas vezes sacudir o casal, suportando o medo de enfrentamentos. Recuperar o diálogo com o coração, não no plano do intelecto (neste a maioria das pessoas são muito eficazes), mas no plano emocional. Buscar prazeres em interesses comuns, prazer de estar juntos. Para toda a vida é muito importante a ternura. A perda da ternura e do prazer traz desilusão ao casamento e assim o fracasso também em outras direções.
Não basta saber e compreender isso. Precisa de ação, ter iniciativa e sair da acomodação. Quando o casal vai “esfriando” pode chegar ao nível de congelamento. Cubos de gelo, cubos de gente, icebergs. O congelamento é a pior atitude que um a pessoa pode tomar. A frieza é o beijo da morte para a criatividade, para os relacionamentos e para a vida. O que está em movimento não congela. O fracasso pode ser um bom mestre.
Ouça, aprenda, insista e recomece. Não tenha medo de brigar, tenha medo do nada. O fogo da paixão requer cuidado. Se voltarmos às costas para ele, este pode apagar ou incendiar, machucando-nos. É o que acontece quando existe a traição e as pessoas popularmente dizem: “a coisa pegou fogo”.
Jung observou que é preciso impor limites aos apetites humanos, pois caso contrário iremos parar a cada osso que apareça no caminho (como os cães), a cada torta esfriando na janela, sofrendo de uma amnésia em relação a tudo aquilo prometido a si mesmo e ao outro.
Quem jamais lamentou uma perda talvez nunca entenda isto. É preciso suportar o não-belo. Quando suportamos isso somos recompensados. A paixão morre e volta inúmeras vezes. Amar significa abraçar e suportar inúmeros finais e inúmeros recomeços, todos no mesmo relacionamento (do livro: Mulheres que correm com os Lobos ).
Buscando evitar estas mortes, muitos casais entram no congelamento. Na luta para deixarmos tudo bem, corrermos o risco de mumificarmos. Existe uma oração que pede a deus que nos magoe. Ela diz: dilacere meu coração para que se crie um novo espaço para o amor infinito. Que se parta em mil pedaços, mas que se abra.