A data pode gerar polêmica, mas a homenagem à nona arte é justa e ajuda a manter viva essa manifestação secular
Ontem se comemorou o Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos (HQs). O dia é nacional, mas deveria ser mundial. Hoje tão comuns e indispensáveis em jornais e revistas, as histórias em quadrinhos, como as conhecemos hoje (ilustração-texto-seqüência – tripé fundamental de definição de um quadrinho tradicional) têm seu início em um passado longínquo. O ano era 1869. O dia, 30 de janeiro. O periódico do Rio de Janeiro, chamado Vida Fluminense publicou, neste dia, a primeira história em quadrinhos do mundo: As aventuras do Nhô Quim ou Impressões de uma viagem à Corte, escrita e desenhada por Ângelo Agostini. O personagem desta primeira HQ era um caipira, que, hoje, é um dos símbolos da cidade de Piracicaba.
Conhecido como o pai brasileiro das HQs, Agostini é muito importante para a história do quadrinho nacional, hoje em dia tão desgastada. Ele, por exemplo, é um dos fundadores da mais importante revista de HQ do Brasil na primeira metade do século passado, O Tico-Tico. Ângelo também é peça fundamental para a evolução da caricatura como instrumento político na imprensa nacional.
Por tudo o que Ângelo Agostini representou e representa até hoje para o mundo das HQs, não apenas a data do Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos foi criada em sua homenagem, mas também um dos maiores prêmios da HQ brasileira leva o seu nome e, neste ano, já está na sua 23ª edição.
Em um mundo cultural e economicamente globalizado, o nacionalismo exacerbado muitas vezes é visto com maus olhos. Porém, por conta disto, não podemos compactuar com injustiças. Portanto, se alguma vez você ouvir falar que o primeiro quadrinho do mundo foi a série estadunidense chamada “Yellow Kid” (O Garoto Amarelo), duvide. Nem sempre a voz mais alta é a que tem razão. Afinal, “eles” até hoje juram de pés juntos, e gritam aos quatro cantos do mundo, que os irmãos Wright inventaram o avião. Mas nós sabemos que a aviação tem apenas um pai, e é brasileiro…
Uma visão daqui
Conversamos com Gabriel Renner, desenhista que tem muitas de suas obras publicadas pelo Grupo Editorial Sinos, além ser o idealizador do Estúdio Pinel, espaço virtual onde se pode prestigiar muito mais de seu trabalho. Gabriel, um dos principais nomes das HQs na região – já teve uma de suas histórias (“Perecível”, que pode ser conferida na revista em quadrinhos “Letal Mágico”) premiada com o 2º lugar na categoria “História em Quadrinhos” do XVI Salão de Humor Carioca 2005 – nos conta um pouco do seu início na profissão, suas experiências e dificuldades:
novohamburgo.org – Como te interessaste pelos quadrinhos?
Gabriel Renner – Como qualquer criança, desenhava muito. Sempre tive muito apoio dos meus pais para isso. “Pode desenhar nas paredes, mas só as do teu quarto”, dizia a coroa. O pai exclamava: “este vai ser arquiteto!”. Meus amigos João e Éder foram grandes infuências. Vivíamos fazendo nossos desenhos e historinhas, cada um com seu estilo, mas sempre o cômico em comum. Eu era o cara “que nunca terminava uma história”, pois sempre as fazia com muitas páginas, e quando enchia o saco, terminava com uma explosão nuclear.
novohamburgo.org – Qual a tua formação? Possui alguma graduação específica para histórias em quadrinhos?
Gabriel – Acho que a partir do que te descrevi, de como comecei, posso dizer que tenho formação de vida. Ao menos é a minha desculpa preferida quando enfio o pé na jaca ou apanho de um bando de “playboys”.
novohamburgo.org – Com a redenção da computação gráfica e da internet, qual o papel das histórias em quadrinhos?
Gabriel – A internet é um dos canais que permite a publicação e a difusão do material e dos autores, e os programas facilitam o processo de criação, descartando borrachas, errorex e redesenhar uma mesma página vinte vezes. O preço do xerox permite a confecção de fanzines e assim vai. Ainda mais hoje em dia que o desenho mais “tosco” e infantil está na moda, qualquer um pode se tornar um autor de quadrinhos. E é mais barato que ser cineasta, basta uma idéia na cabeça e um lápis na mão.
novohamburgo.org – Ontem foi o Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos. O país dedica um dia às Histórias em Quadrinhos, mas como o público brasileiro tem recebido as obras atuais?
Gabriel – O “mercado” de hoje está muito fraco, as editoras e os meios de comunicação ainda vêem este trabalho como “nós te damos a honra de publicar de graça para nós”. É muito triste não haver reconhecimento dos autores. Mas acredito que a revolução está próxima. A galera anda produzindo e distribuindo seu próprio material. Eu mesmo fiz uma revista. Estou endividado até hoje. Para fazer a “Letal Mágico 2” estou tendo que vender meu opala coxo para pagar a gráfica. Mas o lance é o romance e, mais uma vez, jogo a desculpa de “escola da vida”.
Conheça o trabalho de Gabriel Renner em seu site www.estudiopinel.com. Além de muitas histórias que são publicadas lá com exclusividade, está disponível para os interessados, para venda online, a revista Letal Mágico.
As imagens desta reportagem são, de cima para baixo: 1- foto de Ângelo Agostini (divulgação); 2- trecho da HQ “As aventuras do Nhô Quim”; 3- foto de Gabriel Renner (divulgação); 4- HQ de Gabriel Renner.