Estudiosos da área de educação acreditam que os legisladores têm boas intenções, mas desconhecem a realidade do dia-a-dia na sala de aula.
Da Redação [email protected] (Siga no Twitter)
Além de português, matemática, história, geografia e ciências, nos últimos três anos os alunos do ensino básico de todo o Brasil também devem estudar filosofia, sociologia, artes e música.
Outros conteúdos não tão tradicionais, como cultura afro-brasileira e indígena, direitos das crianças e adolescentes, educação para o trânsito, direitos do idoso e meio ambiente também devem ser abordados.
De 2007 até o mês passado, emendas incluíram seis novos conteúdos na Lei de Diretrizes e Bases – LDB da educação. Há ainda leis específicas, que datam a partir de 1997, que complementam a LDB. Outras dezenas de projetos com novas inclusões tramitam no Congresso.
Esses acréscimos representam um desafio a todos os gestores, mas em especial aos da rede pública. Na rede estadual de São Paulo, por exemplo, a Secretaria da Educação teve de cortar aulas de história no ensino médio em 2008 para cumprir a lei e aumentar as de filosofia e incluir sociologia na grade. Na época, os estudantes do período diurno tiveram uma redução de cerca de 80 aulas de história, na soma dos três anos letivos do ensino médio.
“O currículo não é matéria legislativa”
Para a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed, Yvelise Arco-Verde, os legisladores podem ter boas intenções, mas muitos desconhecem a realidade da sala de aula.”Sobra para os gestores fazer concurso, contratar novos professores, criar material didático, organizar a grade”, diz. Não há um levantamento exato, mas em vários Estados ainda faltam professores de sociologia e a disciplina acaba sendo dada por docentes de outras áreas.
Yvelise, que é secretária da Educação do Paraná, discorda da idéia de que se possa resolver problemas sociais com a inclusão de temas na grade escolar. “A escola tem de dar os fundamentos para que o aluno faça sua leitura de mundo. Não é o fato de ter uma disciplina sobre drogas que vai garantir que o jovem se afaste do vício”.
Paula Louzano, pesquisadora da Fundação Lemann, defende a discussão do currículo do ensino básico de forma integral como forma de combater os remendos na LDB, muitas vezes com tendências corporativistas. “Cada vez mais a gente está entulhando coisas via emenda. Até respeito a intenção, mas como ninguém tem interesse em matemática, quem vai fazer o lobby por ela?”, questiona. “Não sou contra as aulas de música, mas quero discutir o todo, não que cada grupo vá individualmente e faça pressão.”
Membro do Conselho Nacional de Educação – CNE, César Callegari concorda que o currículo escolar não pode ser definido por processos legislativos individuais. “O currículo não é matéria legislativa. A criação de muitas disciplinas gera uma desorganização e pode piorar a educação brasileira”, diz. Callegari.
Porém, afirma que algumas das leis, como a que instituiu a filosofia, são importantes. “Não há nenhum mal em expandir o currículo, mas tem de ser de forma organizada e sustentável, respeitando a autonomia das escolas e das redes.”
Durante pesquisa para seu doutorado, a professora Rosimar de Fátima Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, constatou que entre 1995 e 2003 foram apresentadas por deputados federais 545 propostas de lei para a educação. “Os parlamentares concebem o currículo como uma soma de disciplinas”, explica. “Eles enxergam nesse procedimento um meio de intervir na dinâmica escolar, pretensamente alterando a realidade social via escolarização de determinados temas sociais considerados relevantes.”
Informações de Estadão
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