O personagem da vez é Van Morrison, uma figura ímpar na história da música contemporânea. Com uma capacidade muito natural de transitar entre rock e o jazz, com a sua voz fanha e aguda, às vezes até estridente (como a de Bob Dylan), mas também com um poder de improviso maravilhoso, Van Morrison esbanjava talento desde suas primeiras gravações.
Este irlandês tem uma discografia respeitável e poderosa! Dois discos incríveis já apareceram lá no início de sua carreira, e cunharam um capítulo à parte na discografia dos anos 70, influenciando muitos que viriam depois: “Astral weeks” (1969) e “Moondance” (1971).
“Astral weeks” é uma fórmula simples e direta: um punhado de músicos de primeira linha, com instrumentos acústicos, tocando “ao vivo” canções folk, com influências também do blues. Mas o que mais surpreende é a verdade do que se ouve. A captação é direta, e sugere uma gravação sem cortes nem edições ou mixagens (que deveriam ser mesmo raras naqueles tempos). Percebe-se a grandeza dos músicos pelos improvisos generosos que permeiam todas as faixas.
Às, vezes a gente até meio que se perde, porque não tem bem certeza se presta atenção nos improvisos de Morrison sobre as frases sugeridas na canção ou se viaja nas cortinas suaves que aquelas flautas vão tecendo em paralelo; enquanto num determinado momento até o contra baixo acústico se faz ouvir numa intervenção de free-jazz. Puro deleite… Uma fórmula que todos os músicos dos anos 80 perseguiram naquela onda dos free-jazz festivals.
“Moondance” já é mais rocker, apesar de ter uma sonoridade refinada, sem guitarras elétricas, e mais baseada em metais e vocais elaborados. Uma fórmula pouco típica para uma banda de rock. Alguns críticos até o classificam como “Irish rock” para descrever este tipo de rock tão diferenciado e tão peculiar de Morrison.
Mas tudo faz sentido: Morrison bebe nas mesmas fontes do folk irlandês e nas correntes celtas que também jorravam no quintal do Jethro Tull, outra poderosa banda das ilhas (Escócia). O resultado é como um bom whisky escocês que se vai bebendo aos pouquinhos enquanto os maltes amadeirados vão lentamente inebriando os sentidos.
Mas só esses dois discos de estúdio não são suficientes para ilustrar uma outra faceta que é impressionante em Van Morrison: sua marcante presença de palco. Encontrei um dia desses no filme “The last waltz”, de Martin Scorsese uma dessas suas aparições incríveis! O filme é um clássico do rock, um “bootleg” do último show do “The band”, quando estava encerrando sua carreira em 1978, num show cheio de músicos de peso convidados, como Neil Young e Bob Dylan. Morrison chega ao palco numa roupinha colante, com um casaquinho brilhoso bordô (um típico figurino dos anos 70) e rouba a cena.
É no palco que aquela figurinha de cara esquisita cresce com sua impressionante capacidade de improviso. A canção é “Caravan” (do já citado disco Moondance). A música vai se desenrolando e Morrison vai cantando com naturalidade e ensaiando uns passinhos de uma dança meio enfadonha que diverte a todos no palco, e ao final vai saindo de fininho, deixando a banda tocando sozinha… A sensação é de um clímax que fica suspenso no ar: O mito Van Morrison passou por aqui…
Site oficial do Van Morrison: www.vanmorrison.co.uk
The Last Waltz – The Band: http://theband.hiof.no/videos/last_waltz.html
Pick of the week: Aqualung – Jethro Tull
Já que o clima da coluna desta edição é de rock das ilhas, pincei esta música do Jethro Tull que é um dos maiores clássicos do rock de todos os tempos. O Jethro Tull é uma banda da escócia, e merecerá ainda muito espaço nesta coluna.
Ainda lembro claramente do dia em que eu vasculhava o baú de vinis do meu cunhado (nos idos 80´s) e topei com este disco que tinha uma curiosa capa, com uma bela pintura de um mendigo, e na parte interna do encarte uma cena de taberna, com plebeus cantando e bebendo vinho em taças de metal.
Foi apenas ouvir os primeiros acordes de “Aqualung”, a música título do disco, e a fissura foi imediata. Aquela mistura inconfundível de guitarras pesadas e canções acústicas parece uma fórmula perfeita para mim, até hoje.
Discografia comentada do Jethro Tull (em inglês): www.cupofwonder.com/aqua2.html