Desde os primeiros passos na história do Vale do Sinos, os colonizadores alemães deixaram uma marca indelével na cultura, na economia e, não menos importante, na educação. Em 1824, quando as primeiras levas desses imigrantes desembarcaram em terras brasileiras, eles não apenas trouxeram consigo suas tradições e costumes, mas também um fervoroso compromisso com o ensino e o conhecimento. Nesta edição do Jornal O Vale e nas próximas que ainda vão sair do forno, para destacarmos um ano tão importante como esse do Bicentenário da Imigração Alemã, enfatizamos o legado educacional desses imigrantes para a nossa região.
Segundo a professora do curso de História da Universidade Feevale, Roswithia Weber, pesquisadores apontam que a educação tinha um papel fundamental nas regiões de onde vieram esses imigrantes. O tema era uma preocupação para esses colonizadores, pois ler, escrever e fazer contas era considerado fundamental. Conforme o historiador Martin Dreher, crianças a partir dos 6 anos frequentavam escolas. Já ao desembarcarem no Brasil, eles encontraram um quadro de precariedade no ensino.
“Inicialmente, esses imigrantes tiveram que fazer uma prática que era comum por parte das classes mais abastadas aqui no país: contratava-se pessoas alfabetizadas que assumiam o papel de professores, muitas vezes utilizando os próprios espaços das casas, na ausência de prédios que abrigassem escolas”, conta a professora.
Atualmente, ao olharmos para as instituições de ensino na região que outrora foi lar desses pioneiros, é possível vislumbrar a continuidade desse legado educacional. As influências germânicas ecoam nas salas de aulas e nos corredores das escolas, e universidades locais serviram de inspiração para todo o país, como explica a professora. “Pode-se ressaltar a força da atuação das comunidades que formataram, mais para o final do século XIX, escolas que contribuíram para consolidar o ensino, então precário. Nas décadas de 1920 e 1930, a implementação das escolas comunitárias vinculadas à confissão religiosa ou de associações não confessionais contribuíram com altos índices de alfabetização, o que era um diferencial considerando o sistema educacional deficitário que se tinha no país.”
A essência da abordagem educacional dos primeiros colonizadores alemães era centrada na valorização do conhecimento prático, da disciplina e da formação integral do indivíduo. Esses princípios foram incorporados à criação de escolas comunitárias, onde o ensino não se limitava apenas às matérias tradicionais, mas também englobava aspectos culturais, artísticos e sociais.
Esse modelo de educação evoluiu atualmente, adaptando-se às demandas da sociedade contemporânea, porém mantendo os valores fundamentais estabelecidos pelos pioneiros. As instituições de ensino na região preservam a mentalidade de excelência acadêmica e a busca incessante pelo conhecimento.
Entretanto, é importante reconhecer que, assim como qualquer sistema educacional, existem desafios a serem enfrentados. A inclusão de novas tecnologias, a promoção da diversidade e a garantia de acesso igualitário à educação são questões que continuam a demandar atenção da sociedade em geral. O acesso à educação também é algo que era pensado antigamente e que, hoje, continua sendo pauta, de acordo com a pesquisadora.
“Creio que atualmente se tem preocupações que também eram questões presentes para a realidade dos imigrantes naquele contexto. Em algumas áreas rurais os longos trajetos para chegar na escola e a adesão dos alunos permanecendo na escola estavam presentes. Também hoje se tem o desafio de construir um conhecimento vinculado com a realidade”, diz.
Em suma, a relação entre os primeiros colonizadores alemães e o modelo de educação e instituições de ensino no Vale do Sinos é uma história de continuidade e evolução. O legado deixado por esses pioneiros permanece vivo e vibrante, inspirando gerações presentes e futuras a trilharem o caminho do conhecimento e da aprendizagem constante.
O ofício de ensinar exige dedicação
Ser professor é mais do que uma profissão, é uma missão que exige dedicação, paixão e resiliência. No entanto, nos dias atuais, essa nobre vocação é marcada por uma série de desafios que podem minar o entusiasmo e a motivação dos novos educadores. Uma pesquisa recente do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo, alerta sobre a possível escassez de 235 mil professores de educação básica até 2040 no Brasil, devido ao crescente desinteresse, especialmente entre os jovens, em seguir a carreira docente.
Baseada em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a pesquisa também revela uma diminuição no número de novos alunos em cursos de licenciatura com até 29 anos, caindo de 62,8% em 2010 para 53% em 2023, indicando um envelhecimento da categoria. Entre 2009 e 2022, o número de professores iniciantes, com até 24 anos, diminuiu 42,4%, enquanto o percentual de docentes do ensino básico com 50 anos ou mais aumentou em 109%.
O cenário de desalento pode ser um ponto de virada na situação dos profissionais de educação, como destaca o diretor da Faculdade Instituto Ivoti e coordenador do Curso de Letras Português e Alemão, Jorge Feldens: “Quando há escassez de profissionais em determinada área, é comum que ocorra uma valorização salarial como uma forma de atrair e reter talentos nesse setor. Isso se deve à lei básica da oferta e demanda: quando a demanda por profissionais supera a oferta disponível, empresas e instituições precisam oferecer incentivos competitivos, como salários mais altos e melhores condições de trabalho, para atrair candidatos qualificados”, ressalta.
A crescente diversidade cultural e socioeconômica das salas de aula apresenta desafios adicionais. Os professores enfrentam a tarefa complexa de atender às necessidades individuais de cada aluno, adaptando seus métodos de ensino e buscando estratégias para promover a inclusão e a equidade educacional. Por isso é necessário que a formação dos professores esteja alinhada com as necessidades atuais do mercado e dos alunos, como destaca a coordenadora do curso de Letras da Universidade Feevale, Lovani Volmer. “A maior preocupação que nós temos na formação dos professores é efetivamente construirmos conhecimentos e abordagens de ensino pensando na formação de professores para o século XXI. Assim eles poderão trabalhar a partir do desenvolvimento de habilidades e competências. Considerando que hoje, em 2024, nós temos uma educação que é para todos”, frisa a coordenadora.
No entanto, apesar de todos esses desafios, os professores continuam a desempenhar um papel crucial na sociedade, moldando mentes jovens e inspirando futuras gerações. É essencial que a sociedade como um todo reconheça e valorize o trabalho árduo e dedicado dos educadores, oferecendo-lhes o apoio e os recursos necessários para que possam realizar seu trabalho da melhor maneira possível.
“Uma orientação crucial para aqueles que aspiram à carreira de educação é compreender que o ensino não é um sacerdócio, mas sim um verdadeiro trabalho. Não se trata de um chamado divino reservado para os ‘iluminados’, dotados de um suposto ‘dom’, mas sim de uma profissão que demanda esforço e dedicação como qualquer outra. Os professores são trabalhadores que precisam aprender e aprimorar constantemente seu ofício, adquirindo experiência e desenvolvendo suas habilidades profissionais ao longo do tempo. Assim como em qualquer outra área, eles necessitam dominar seu ‘métier’ e buscar o aprimoramento contínuo para se tornarem profissionais cada vez mais competentes e eficazes”, salienta Feldens.
IENH: pioneirismo e currículo bilíngue
Alguns dos imigrantes alemães que vieram para o Vale do Sinos, as terras que procuravam para assentarem suas vidas. Foi em Hamburgo Velho que parte deles fixou residência e construíram escolas, igrejas e desenvolveram o comércio no local. Nesse contexto, em 1832, criaram a primeira escola que fundamentou a base da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo, a IENH.
O perfil inovador dos imigrantes que fundaram a instituição pode ser percebido até hoje, como relata o diretor geral da IENH Seno Leonhardt: “A gente percebe essa influência através da oferta de currículos inovadores com a inclusão de propostas diferenciadas como música, teatro, dança, esportes, línguas adicionais, por exemplo. A liderança e o empreendedorismo desenvolvidos no ambiente escolar refletem diretamente no comando dos empreendimentos da região desde o início do funcionamento da IENH”, destaca.
E por falar em línguas adicionais, a IENH é pioneira na região na implementação do currículo bilíngue. Desde os 2 anos, o currículo da instituição é elaborado com propostas interativas e enriquecedoras, com foco no ensino bilíngue durante a Educação Infantil. No Ensino Fundamental, além das experiências colaborativas bilíngues, são introduzidos componentes avançados ministrados tanto em inglês quanto em português, proporcionando uma abordagem pedagógica inovadora e academicamente distinta.
Ao longo dos anos, o programa passou por revisões para garantir uma formação de excelência aos alunos. A prática foi tão inovadora que não foi recebida com um pouco de resistência, como destaca Leonhardt: “A proposta surge em 2004 a partir de uma tradição e uma oferta diferenciada de línguas adicionais – alemão, inglês e espanhol – e uma visão empreendedora de profissionais da instituição que souberam fazer a leitura do futuro da educação. No início tivemos alguns pontos de resistência pela ousadia da mudança, mas logo os pais perceberam o passo gigante dado pela Instituição, vislumbrando um futuro promissor. Hoje a IENH está consolidada com uma educação bilíngue de excelência”.
Atualmente, a IENH possui três unidades na cidade de Novo Hamburgo: as Unidades Pindorama e Fundação Evangélica, que ficam em Hamburgo Velho e a Unidade Oswaldo Cruz, no centro da cidade.
Instituto Rio Branco: o mais antigo colégio da região
Em 1826, surge o Instituto Rio Branco, um símbolo da comunidade luterana e da educação em São Leopoldo. Fundado pelo pastor Johann Georg Elhers, a escola teve suas origens na Gemeindeschule, onde os primeiros cultos e aulas foram realizados na Feitoria, hoje conhecida como Casa do Imigrante. A história da instituição é motivo de orgulho para todos que fazem parte do IRB, como destaca o coordenador administrativo-financeiro, Ricardo Dall’ommo: “Essa origem é motivo de muito orgulho entre todos os membros da comunidade escolar, faz parte da identidade da escola. Para homenagear os antepassados e construir ‘lugares de memória’, há locais e atividades na escola que divulgam essa origem, esse legado. Como exemplo, citamos o painel que conta a história da escola, disponível para todos que visitam a biblioteca da escola. Trata-se de uma materialidade que presentifica e mantém ‘viva’ a história do IRB, o vínculo com os imigrantes e a comunidade luterana. Ainda, a escola mantém no currículo o ensino da língua alemã, outro aspecto representativo da identidade da comunidade”.
Desde sua fundação, há quase 200 anos, o Instituto Rio Branco cresceu, mudou-se para sua localização atual ao lado da Igreja de Cristo, no centro da cidade, e permaneceu fiel aos ideais luteranos de educação e espiritualidade. “O desafio é manter a qualidade do ensino, se adequando aos novos tempos, sem abdicar da identidade da escola, da tradição, do legado que recebemos. A história do IRB se entrelaça à história de São Leopoldo, muitas famílias passaram pela escola, diferentes gerações: avós, pais e filhos frequentaram e frequentam o IRB. Logo é uma responsabilidade dar continuidade a uma instituição tão importante na cidade, que é referência na educação. Além disso, trata-se de uma escola que desde sua origem, obteve êxito no papel que se propôs a cumprir: a instrução das crianças, que seriam o futuro da comunidade”, frisa.
Feevale: modelo educacional inovador
Por trás das paredes cor-de-rosa e da arquitetura tradicional do prédio que foi a primeira sede da Universidade Feevale, encontra-se um dos modelos educacionais mais inovadores da região. Instituída como Escola de Aplicação Feevale em 1989, há 20 anos a escola trabalha com um modelo de educação ciclada. De acordo com a diretora da escola, Janine Vieira, os ciclos trabalhados são de aprendizagem e, entre os benefícios, está o respeito ao desenvolvimento de cada aluno.
“Através dos ciclos, conseguimos dar mais tempo para que os alunos consigam desenvolver as habilidades. Inclusive, a escola trabalha por habilidades e não temos notas, mas sim menções. A gente possibilita que ao longo do ciclo, que na maioria das vezes, são de dois anos, o aluno experimente várias formas para desenvolver essas habilidades. Uma parte desse processo se dá pelo compartilhamento de experiências. O aprendizado entre pares no ciclo é muito rico. O aluno consegue conviver com colegas de diferentes idades e alcançar o desenvolvimento das habilidades de inúmeras formas”.
O fato de ser uma escola de aplicação, possibilita que o aluno entre na instituição na educação infantil e possa concluir toda a sua formação, incluindo graduação e pós-graduação, na mesma instituição. A Feevale também incentiva a formação continuada de seus educadores, garantindo sempre práticas atualizadas em sala de aula. De acordo com a diretora, é normal que as famílias, ao conhecer a metodologia da escola, se questionem sobre os resultados. “Alguns pais perguntam: ‘mas eles passam o vestibular?’ Eles passam em vestibular, concurso e mais do que isso, saem com habilidades para o mercado de trabalho.”
Durante o ensino médio, os alunos têm a formação básica no mesmo horário da universidade e a escola oferece 14 itinerários formativos, dos quais o aluno escolhe seis. Nesses itinerários o aluno recebe uma formação voltada para o mercado de trabalho e pode conhecer várias áreas do conhecimento.
Referência em inclusão
A Feevale é procurada por muitas famílias que buscam um ambiente inclusivo para o desenvolvimento de crianças e jovens com algum tipo de deficiência. Famílias de diversas cidades da região buscam na escola o apoio pedagógico para o desenvolvimento pleno das habilidades dessas crianças e também por ser um ambiente livre de preconceito. “Por ter uma metodologia diferenciada e ser referência em inclusão, temos alunos de várias cidades, umas bem longe, inclusive”, destaca Janine.
Atualmente, a escola tem mais de 50 alunos que fazem parte da educação especial. “O que a gente faz é cumprir a lei e ter um olhar muito centrado no ser humano e nas suas necessidades. A gente olha para as habilidades de cada um e ajuda nas dificuldades também. E isso não é só com a educação especial. É com todos os alunos. A gente busca equidade e os nossos alunos refletem essa maneira de pensar.”