Sociólogo e professor Norberto Kuhn Junior analisa os caminhos que Novo Hamburgo pode adotar nos seus próximos 80 anos
Para comemorar os 80 anos de Novo Hamburgo, festejados no próximo dia 5 de abril, o portal novohamburgo.org convidou o sociólogo Norberto Kuhn Junior, professor de Sociologia do Centro Universitário Feevale, a avaliar os caminhos da cidade para os próximos 80 anos. Confira a seguir:
Novo Hamburgo – os próximos 80 anos
Por Norberto Kuhn Junior
A cidade de Novo Hamburgo tem ligada a sua história recente a vivência de um intenso processo de urbanização onde a indústria do calçado ocupa lugar central. Sob esta matriz, a cidade se lança, desde muito cedo, a internacionalização dos seus negócios, antecipando, no Rio Grande do Sul, a chamada inserção no mercado global. Desta inserção, colhe grandes benefícios sócio-econômicos, mas, igualmente, colhe os riscos próprios das oscilações destes mesmos mercados.
Nesta lógica de competição global, o mesmo produto se revitaliza (e se valoriza) devido às aplicações tecnológicas e simbólicas que sobre ele recai (conhecimento aplicado ao desenvolvimento de materiais, design e mídia). Nestes termos, em torno de um mesmo bem material, podemos perceber a já existência de grande diversificação de serviços, que deve seguir crescendo, ajustadas obviamente às lógicas fortemente competitivas (onde operam fluxos e refluxos) do mercado global.
Mas, talvez, para o futuro, possamos avançar também em direção a novos produtos, de outra natureza. Cito, como exemplo, o caso de produtos ligados a atividade do turismo. Estes ainda precisam ser criados e construídos e para isso precisariam receber, como historicamente vem recebendo a indústria do calçado, uma convergência de energias: capital, tecnologias e o que chamo de “consenso de viabilidade” – este consenso é de ordem política e é neste campo que ele se produz.
Paradoxalmente, a ânsia de modernização, que transformou a nossa cidade em um centro urbano economicamente desenvolvido, gerou e gera uma cultura de descarte de tudo aquilo que achamos que não nos pertence mais, porque é coisa do passado; daí que um dos nossos grandes capitais, que é nossa memória – materialmente manifesta, por exemplo, na arquitetura – fora praticamente dizimada.

Talvez possamos, com o pouco que restou e o que ainda temos por redescobrir de outras culturas que são historicamente constitutivas da nossa identidade (como as culturas das comunidades negras aqui presente com seu intenso patrimônio imaterial) avançar em direção à produção de bens culturais, onde o turismo – pela sua natureza multi-profissional – possa ser o grande articulador (cabe lembrar que já nos deu prova de eficiência, operando em torno do ícone “cidade do calçado”!)
Mas para isso necessitamos desenvolver um longo aprendizado estético. Aprender a gostar mais de livros, de arte e de coisas ditas “velhas”, tanto quanto gostamos de carros, concreto e prédios “modernos”; nos repensar também com relação ao meio ambiente, porque o progresso nos ensinou a ignorá-lo: obrigou-nos a esconder nossos riachos sob o concreto e a “ter nojo” quando ele se revela, trazendo à tona o lixo que nós mesmos produzimos.
Para esta “agenda futura” há uma série de condições objetivas que, desde já, a tiram do plano da mera utopia: dispomos de importantes centros de formação e pesquisa, tanto em áreas tecnológicas como em ciências humanas e sociais aplicadas (universidade, institutos, faculdades de ensino superior, centros de formação técnica).
Daí temos as condições para dispormos, além de profissionais técnicos e tecnologia, de sujeitos capacitados à vida da polis. Aos poucos – enquanto sociedade civil – estamos aprendendo a compor o entendimento de responsabilidade pública, aprimorando mecanismos de decisão e controle da vida social, rompendo o hiato que separa sociedade do Estado.

Bom, diriam alguns, mas talvez nos falta a capacidade de investimento (paradoxal, numa sociedade tão rica)… Sim, o senso prático sempre nos lembra: investir é um risco! Sobre isso eu diria – e aqui revelo uma dose desejada de utopia, pois ela que nos move em direção àquilo que ainda não somos: herdamos, de múltiplas fontes culturais, um senso prático para o trabalho e para a sobrevivência em meios às adversidades e riscos – historicamente já “empreendemos”!
O lugar onde hoje trabalho, o Centro Universitário Feevale, e tantos outros empreendimentos de nossa cidade, nasceram da capacidade humana de sonhar e de uma necessária pergunta prática: de onde tiramos o dinheiro? Então, o que vale é a decisão de fazer.
Sob esta matriz, fazendo convergir as condições objetivas apontadas acima (conhecimento, capacidade de gestão e consenso de viabilidade), creio que reaprenderemos a gostar de parques, ou de chocolate, ou de cinema, ou de teatro, como nossos vizinhos da Serra gostam, fazem, e hoje ganham dinheiro com isso!
Norberto Kuhn Junior, tem 37 anos e é sociólogo e professor de Sociologia no Centro Universitário Feevale. Filho de gaúchos; nasceu em Cascavel, no Paraná. Viveu sua adolescência em Dourados, no Mato Grosso do Sul. Vive há 20 no Rio Grande do Sul e, destes, 9 anos em Novo Hamburgo.