Achei muito lindo o conceito que li certa vez em um livro sobre a definição do que seria uma família: “família é um grupo de pessoas que decidem que são uma família”.
Belíssima definição, pois quando temos uma idéia pré-formada daquilo que seria uma família “ideal”, todas as outras formas acabam falindo, só conseguimos ver aquilo que nos parece ideal. Porém, as funções de um membro de uma família não são relacionadas com genes e podem ser realizadas por qualquer pessoa que tenha AMOR. Uma pessoa pode muito bem cumprir o papel de duas ou três pessoas ao mesmo tempo.
Partindo destes pressupostos podemos pensar no que venha a ser um processo de adoção. A adoção vai muito além do fato legal e é muito mais relacionada a um “assumir amoroso”, ao compromisso de favorecer a proteção e aqueles cuidados necessários para o crescimento de uma pessoa.
Muitas pessoas que já passaram pelo processo de adoção ou que gostariam de adotar uma criança ainda sofrem com medo de precisar dizer, em algum momento da vida, para seu filho: “eu não sou tua mãe (ou pai) verdadeira”.
Isto realmente é uma notícia catastrófica e terrível para qualquer pessoa. Porém, se a mãe adotou mesmo a criança, a notícia será bem diferente: “eu não te dei a luz, mas sou tua mãe verdadeira”. E assim a notícia acaba por tornar-se tranqüilizadora e não mais assustadora. A partir deste momento o filho poderá ter certeza de que não é adotivo, mas que foi verdadeiramente adotado.
Ganhar uma nova identidade não significa trair a primeira, mas sim enriquecer ainda mais a pessoa. Temos a tendência a ver tudo o que aconteceu com a criança antes da adoção como negativo, ruim, achando que ela deve esquecer de tudo. No entanto, o que houve antes deste processo não pode ser esquecido, pois a criança não nasce no momento da adoção, ela nasce antes. Precisamos reconhecer a história pessoal de cada criança antes do processo de adoção.
Outro aspecto importante a ser levado em consideração nos casos onde a criança foi abandonada pelos pais biológicos é o cuidado que devemos ter para que não se idealize a família para uma criança que sofreu um abandono. Poderá ser impossível para esses pais serem “perfeitos” para ela e estes acabarão correndo o risco de passar toda uma vida tentando “reparar” ou “consertar” algo para o filho.
Os pais que querem adotar um filho precisam acolher a diversidade desta pessoa, olhando para o mundo dela, o mundo desta criança que perdeu seu lugar de filho e espera, assim, um retorno.
Muitas vezes também esquecemos de perguntar a estas crianças o que pensam e o que esperam ao serem adotadas. Quando entramos em instituições onde as pessoas “vestem e arrumam” quem será adotado para que sejam vistos por seus novos pais em potencial, com instruções para que sejam “bonzinhos”, as crianças podem pensar que devam agir sempre de modo especial, agradando a todos, não sendo verdadeiros: “só existo e sou importante quando agrado alguém”.
Os pais adotantes têm o dever de encorajar a pessoa que será adotada a ser ela mesma. Devem ter vontade de conhecê-la, o que significa entender as suas expectativas, seus medos… “Será que me aceitarão mesmo que eu não tenha nascido deles? Serei aceito mesmo não sendo um recém-nascido?” Estas são questões importantes a serem pensadas.
Felizmente hoje vemos muitas pessoas pensando na adoção com o objetivo de formar uma família maior, diferente, mais “doce”, pois, segundo um grande amigo, “adoção vem de adoçar”, adoçar a vida das pessoas. Estamos “criando” novos conceitos de famílias, sem nos preocuparmos tanto com qual deles é o melhor.
Um lembrete muito importante é o seguinte: uma criança se torna filho com a cotidianidade, não no momento que chega a uma família. A semelhança mais importante com o filho deve ser comportamental e afetiva, não física.