Estudiosos defendem o uso das armas em último caso; solução para violência no Rio de Janeiro seria investir na formação dos policiais.
Da Redação [email protected] (Siga no Twitter)
A ação de policiais militares em São Conrado, na zona sul do Rio de Janeiro, que trocaram tiros com um comboio de criminosos armados da favela da Rocinha, no último sábado, dia 21, terminou com uma mulher morta – supostamente envolvida com os bandidos –, quatro policiais feridos e 35 reféns dentro de um hotel de luxo do bairro, o Intercontinental.
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Como os reféns saíram ilesos após a rendição de dez criminosos, a ação foi elogiada por autoridades do governo do Estado. Entretanto, especialistas alertam para o risco de tiroteios como esse em ruas com pedestres, carros em movimento, ônibus e casas. A recomendação é atirar só em último caso, dizem os estudiosos.
A versão oficial da Polícia Militar é de que os PMs se depararam com o chamado bonde dos traficantes, que voltava de uma festa de outra favela. Eles estavam armados com fuzis, pistolas e granadas. Em meio ao fogo cruzado, trabalhadores, passageiros em ônibus e carros e moradores.
A situação é corriqueira em diversos bairros e favelas do Rio, mas é tratado de forma desigual quando acontece em uma área considerada nobre, segundo o antropólogo Roberto Kant de Lima, do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos, órgão financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
“Isso demonstra que a imprensa e a sociedade tem um termômetro de tratamento de desigualdade. [Um tiroteio em área nobre] É interpretado como uma catarse, como se fosse excepcional, mas não é. Naquela rua não tem de ter respeito [para atirar], mas no Intercontinental tem. (…) A polícia vira o fator do conflito, ao invés de ser mediadora, promotora da Justiça, prendendo pessoas. Mas não, ela vira um fator de conflito, ela armou um conflito onde, aparentemente, não havia conflito”, pontua o antropólogo.
Reação
O major Rodrigo Wilson Melo de Souza, ex-comandante do batalhão de Choque da Polícia Militar do Estado do Ceará, que criou um método de tiro e enfrentamento, defende que, em situações de confrontos com criminosos, onde há inocentes, a polícia deve deixar as armas e fugir.
No entanto, na prática, Souza – que está afastado prestando trabalho de consultoria – diz que o policial só consegue tomar essa atitude se tiver equilíbrio, conquistado com bom treinamento. “A linha entre o sucesso e o fracasso em operações como essa é muito tênue. Se alguém [inocente] tivesse morrido, como algum hóspede do hotel, por exemplo, talvez o governo não tivesse elogiado. O treinamento tem de ser uma rotina do policial. Não pode acontecer hoje e depois somente daqui a dois anos”.
O antropólogo, ex-secretário de Segurança Nacional e especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares também pode falar como um dos personagens do episódio do último sábado: ele mora nas proximidades de onde ocorreu o tiroteio. Soares ouviu os tiros e viu a ação dos bandidos.
De acordo com Soares, o é preciso analisar se os policiais se depararam com o comboio ou se planejaram a ação. Ele ressalta que a orientação correta para as polícias é não usar armas a não ser para salvar sua vida ou a dos outros.
“Se foi casual, os policiais não teriam alternativa, senão defenderem-se, já que os traficantes atiraram ou atirariam. Os tiros disparados pelos policiais teriam, nesse caso, a função de protegê-los, pois, apesar dos riscos para inocentes, não haveria saída para os policiais”, defende o ex-secretário. “No entanto, se houve planejamento e, se a operação foi uma emboscada para capturar traficantes, o erro foi absurdo, porque jamais se poderia provocar um tiroteio em uma rua, com inocentes circulando. Isso se aplica tanto ao asfalto quanto à favela”, finaliza.
PACIFICAÇÃO – Ainda no sábado, 21, o secretário de Estado da Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, disse que o governo não mudaria os planos para a capital por conta do episódio em São Conrado. Ele não disse se ou quando o governo instalaria uma Unidade de Polícia Pacificadora – UPP na Rocinha.
“Não vamos mudar nossos planos diante de crise, que é um erro que foi cometido em gestões anteriores”, disse o secretário. “Nosso planejamento prevê 40 UPPs em 160 comunidades. Infelizmente, o que aconteceu hoje é um risco que o Rio corre”.
Copa e Olimpíada
O episódio teve repercussão na imprensa internacional. Kant Lima diz, contudo, que não é possível esconder a violência em vista da Copa, em 2014, e da Olimpíada, em 2016.
O major Rodrigo Wilson Melo de Souza frisa que não há melhor caminho para o sucesso da Copa ou da Olimpíada no Rio do que investir no aspecto humano das polícias. “Além de treinamento eficiente, deve ser investido em acompanhamento da situação do policial, em questões como o salário, o emocional, a família. Tem de saber se o policial tem problemas com álcool, drogas. Não adianta investir só no material, como helicópteros e caveirões, porque quem dirige essas máquinas é o mais importante”.
Já para Soares, o foco da política de segurança tem de, além de mudar o policial, combater as armas ilegais: “Não é possível que homens armados com fuzis circulem por favelas ou outras áreas quaisquer das cidades, se impondo pelo medo e pela força”.
Informações de portal R7
FOTO: reprodução / AE