Conhecer a Europa cidade a cidade, em cada uma de suas mais variadas paisagens, sempre foi um sonho. A melhor forma? Um motorhome. Mas por que um motorhome? Por um único motivo: levaria muito tempo, para estes membros do piquete Filhos do Pampa, de Lomba Grande, fazê-lo a cavalo.
Por Luciano Braun
Com 25 dias disponíveis para a viagem, nossos preparativos começaram meses antes. O momento ideal estava definido por um motivo muito especial: neste momento é primavera no hemisfério norte. Com a primavera fenômenos tão distintos quanto campos coloridos de flores e o degelo das neves nas montanhas são espetáculos à parte. E assim, de mochilas nas costas, eu e Daniela Salvador, Claus e Inês Kuhn cruzamos o Atlântico.
Nossa viagem de milhares de quilômetro foi também uma viagem no tempo. Começamos pela antiguidade. A Grécia e suas ilhas, de um mar verde sem igual e suas casas sem telhados. Na arquitetura grega prevalece a alvenaria até o telhado, construídas nas rochas. Encravadas na pedra. Nestes hotéis, cada quarto é uma casa, de instalações simples mas muito aconchegantes e de extremo bom gosto. Destacam-se os grandes cataventos dos engenhos. De maneira geral todas as ilhas um pouco maiores tem aeroporto.
Atravessamos de barco, várias ilhas. Passamos por cinco dentre as mais de cem ilhas gregas. Em cada ilha locávamos um carro por 25 Euros, sem revisão na saída e nem na entrega, que poderia ser no porto ou em qualquer esquina com a chave colocada sobre o pneu. Inimaginável isso para os padrões latinos. Em Atenas a Acrópoles. Estávamos ali no chamado “berço da civilização”. Imponentes, todas as construções antigas são em mármore, desde suas fundações. Além das construções, nos surpreendemos com a qualidade das frutas, todas importadas, mas muito frescas e vistosas. O trânsito é muito confuso, devido as ruas muito estreitas. Minha impressão era de que na Europa todos tinham cachorros. Muitos animais pela rua.
A especialidade gastronômica da Grécia são os peixes e frutos do mar, muito temperados. O “giros pita” é um caso à parte: lascas de pernil suíno ou carneiro aglomeradas e espetadas na vertical girando e assando a carne. Pedaços cortados recheiam uma massa de pizza em formato de cone, com muita batata frita. De Athenas para Igoumenitsa foram 700km de táxi em preço bastante acessível. Outra coisa difícil de imaginarmos por aqui. No Mar Egeu foram 30 horas de navio em um transatlântico de 8 andares até Veneza.
Em Veneza uma amiga nos esperava com um motorhome, com apenas 12 kilômetros, locado para o início de nossa aventura por terra. Na cidade, táxis, ambulâncias e ônibus são todos lanchas e barcos. Visitamos uma fábrica de cristais em Murano, toda com processos artesanais, e também as peças do renomado escultor em madeira Livio de Marchi, a Praça de São Marcos e, é claro, a Ponte dos Suspiros, parcialmente em obras de restauração: de um lado o palácio da justiça, e do outro o presídio. Curiosa a obra de restauração, com imensos painéis encobrindo parte da ponte, propagandeando Swarovsky, financiador da obra.
De Veneza para Peschiera del Garda, à beira do lago de Garda, maior lago da Itália, que recebe o gelo derretido das montanhas. A cidade cercada de muros, com um enorme fosso com água verde pelo fundo de mármore. A pequena cidade recebe intenso movimento tanto no inverno, pela neve, quanto no verão pelo lago.
Em Folgaria, rodeada de castelos medievais – seguindo a linha do tempo da História -, as estações de ski naturais no inverno e artificiais no verão. Na cidade, de economia ligada essencialmente ao turismo e às propriedades rurais, sentamos no “maior banco do mundo”, segundo o Livro Guiness dos Recordes. Quando chegamos era véspera de páscoa e estavam todos nas igrejas. Pernoitamos na casa de uma amigo, pequeno fazendeiro, que com carinho e mesa farta nos recebeu. Na propriedade as ovelhas nascem e morrem sem conhecer o pasto, confinados no estábulo climatizado pela calefação. A casa com base de lages de 50 cm, para sustentar a neve sobre o telhado, e paredes de alvenaria de 50cm, revestidas de madeira, em muito nos aconchegaram.
Seguindo na estrada encontramos vinhedos por todos os lados e túneis com mais de 8 km. Passamos pela Áustria até a Alemanha, onde conhecemos o Schloss Neuschwanstein ou Castelo Neuschwanstein (“novo cisne de pedra”) construído pelo Rei da Baviera, Ludovico II, entusiasta da arquitetura e da música e pouco interessado pelas questões políticas. O castelo do século XIX, inspirado na obra do seu protegido, o grande compositor Richard Wagner, possui um estilo fantástico, inspiração para o castelo da Cinderela, símbolo da Disney. É um dos edifícios mais visitados e fotografados da Alemanha, um dos mais populares destinos turísticos europeus e considerado “cartão postal” do país.
Entre as noites de sono no motorhome, nossos dias seguintes foram de travessia da Suíça, onde passamos por Zurique, Luzern, Lausanne e Morges até a França. Pouco depois de passarmos o Tunnel du Mont-Blanc com mais de 5km de extensão – o monte é o ponto mais alto da Itália, com 4.810m, divisa entre a França e Itália – a temperatura oscilou, em pouco tempo, de 4 para -2ºC. Eram altas horas da noite e quando parecia que não veríamos neve, começou uma garoa que transformou-se em gordos flocos de neve, que logo deixou branca a paisagem escura. Assim que possível paramos o motorhome, na beira da estrada, onde, exaustos, caímos no sono. Ao acordar a maior surpresa da viagem: a estrada ficava à beira do rio, em Roquebrune, uma paisagem lindíssima em um belo dia de sol.
Voltamos para França a caminho de Mônaco, uma cidade em que, não bastasse a sua beleza natural, seus prédios e ruas históricas se completam com a exuberância do luxo, em automóveis, iates, jóias e roupas. Ferraris “tunnadas”, Porsches, Bugattis e Lamborghinis passavam a todo instante.
Novamente na Itália, conhecemos Serravale, Rappalo, Portofino, Carrara, a cidade com montanhas de mármore, Pisa, Siena até nossa chegada a Roma, onde o óbvio precisava ser feito: o Vaticano! Conhecemos o Museu do Vaticano, o suntuoso corredor dos tapetes e, é claro, a Capela Sistina. Dali a pequenina San Leo, um morro com uma cidadela no topo. Em San Leo comemos no Osteria Belvedere o bustrengo, um bolo de milho abatumado de erva-doce. Não comam.
Passamos por San Marino, Imola e seu autódromo, com a Tribuna em Homenagem a Airton Senna, Modena, e Maranello. Em Maranello a fábrica da Ferrari, sua pista de testes e museu. Nosso destino estava traçado. O próximo passo ir a Milão, onde conferimos o que há de melhor e mais moderno na indústria moveleira, no Salão Internacional do Móvel de Milão.
Nosso últimos destino, antes do Brasil, novamente Peschiera, onde aproveitamos o dia de Bacco, uma festa com distribuição de vinho pelas ruas dentro do castelo.
Nosso motorhome? Ficou na Itália. Agora mais “experiente”, com 3.773km. Voltamos de lá com a certeza de que nos reencontraremos em novas rotas.