No Estação Hamburgo, painel com Simone Saueressig, Fábio Winter, Fábio Lima e Tiago Agostini reflete sobre carnaval, literatura, teatro, fotografia, inteligência artificial e o futuro da arte no cenário local.
Uma noite de ideias, provocações e muita paixão pela cultura marcou a edição do Estação Hamburgo, exibido no dia 3 de julho de 2025, pela Vale TV. Com mediação de Rodrigo Steffen, o programa reuniu nomes consagrados e atuantes do cenário cultural da região: a escritora Simone Saueressig, o fotógrafo e artista visual Fábio Winter, o produtor cultural e carnavalesco Fábio Lima e o ator e comediante Tiago Agostini.
Em pauta, os caminhos da cultura local, os desafios enfrentados por projetos sociais e culturais, os impactos da tecnologia no fazer artístico e as estratégias de sobrevivência — e reinvenção — da arte em tempos de transformação digital e crise institucional.
Marujos, resistência cultural e a luta por território
Um dos temas mais urgentes da noite foi apresentado por Fábio Lima, carnavalesco e ativista cultural. Ele relatou a situação crítica enfrentada pela escola de samba Marujos, de Novo Hamburgo, que após 42 anos sediada no Parque do Trabalhador, recebeu uma notificação de despejo da prefeitura.
“É uma escola com mais de meio século de história, uma das mais antigas da região. Não estamos ocupando um espaço irregular. Temos contrato até dezembro”, destacou Lima. Segundo ele, existem cerca de 400 imóveis públicos cedidos pela gestão municipal, e 150 foram escolhidos para desocupação, sendo a Marujos um dos alvos de remoção. “Estamos tentando o diálogo, depois de pressão da mídia e apoio popular. A escola é um símbolo de resistência da comunidade negra.”
A lente do tempo: Fábio Winter entre o analógico e a IA
Com mais de três décadas de atuação, o fotógrafo Fábio Winter revisitou sua trajetória — desde as fotos 3×4 em preto e branco até os desafios da inteligência artificial no mercado fotográfico. Para ele, apesar dos avanços, a tecnologia ainda não substitui o olhar humano.
“Tem gente usando IA para fazer retratos corporativos. É rápido, é bonito, mas é falso. Ainda é um traço artificial. A arte da fotografia está no encontro, no instante. Mas sim, tem seus bônus. Hoje, edito muito mais rápido, e a IA já aprendeu como eu gosto das minhas fotos”, explicou.
Winter também lembrou o impacto das redes sociais e das ferramentas digitais na comunicação direta com o público: “Recebo mensagens de pessoas do outro lado do país. Isso aproxima muito. É bonito, é potente.”
Simone Saueressig e o “Ouro das Missões”: literatura e memória histórica
A escritora Simone Saueressig, com mais de 20 obras publicadas, compartilhou novidades de sua produção literária. Em julho, ela lança um projeto inédito — ainda mantido em segredo — em Hamburgo Velho. Ela também celebrou a nova edição de seu romance “O Ouro das Missões”, inspirado na lenda da Casa de Mbororé e nas riquezas ocultas da região missioneira.
“É uma mistura de história e aventura. Gosto de dizer que é nosso Indiana Jones gaúcho”, brincou Simone. O livro resgata uma lenda sobre um cofre escondido por padres jesuítas e antecipa as comemorações pelos 400 anos das Missões Jesuíticas, que serão celebrados em 2026.
Simone também destacou o sucesso do projeto “Protagonistas do Vale”, HQs que retratam dez mulheres históricas da região. “É um trabalho lindo. Mulheres incríveis e muitas desconhecidas, como a primeira professora de surdos do RS, em Esteio. É história viva.”
Humor com identidade: Tiago Agostini e o riso como linguagem social
Ator, dramaturgo e comediante, Tiago Agostini trouxe à conversa o humor como ferramenta de crítica, aproximação e pertencimento. No palco, ele mistura stand-up comedy e personagens cômicos, como o místico Kikito Quiroga, numa sátira inspirada em Walter Mercado. No dia 6 de julho, ele se apresenta com Diego Capela no São Léo Comedy Bar, em São Leopoldo.
“O humor é uma lente de aumento da realidade. Mesmo no stand-up, existe uma persona, um olhar artístico sobre o cotidiano. Isso conecta com o público”, explicou. Agostini também comentou o avanço das tecnologias de criação: “Logo veremos longas-metragens inteiros feitos por inteligência artificial. O desafio será manter a alma, a humanidade no que se cria.”
IA no carnaval: entre a tradição e a inovação
A tecnologia também está transformando o universo do carnaval, como mostrou Fábio Lima. Ele explicou como o carnaval virtual, criado por artistas jovens sem espaço nas escolas tradicionais, permite o desenvolvimento de enredos, fantasias e desfiles 100% digitais.
“É como um videogame criativo. Hoje, muitos que começaram nesse ambiente trabalham em grandes escolas reais, como Mangueira e Salgueiro”, relatou.
Apesar das oportunidades, Lima fez um alerta: “Temos que cuidar. Samba-enredo não pode ser escrito por IA. Tem que ser humano. Tem que ter história, verdade, sentimento.”
Cultura local, impacto global
O debate do Estação Hamburgo revelou a potência da cultura regional como força social, política e econômica. Entre o riso, a memória e a crítica, os artistas reafirmaram o papel da arte na construção de um Vale do Sinos melhor.
“A cultura é o coração de uma comunidade. É nela que se formam identidades, se contam histórias e se criam futuros possíveis”, concluiu Rodrigo Steffen, resumindo o espírito da conversa.
Debate realizado no dia 03/07/25 no programa Estação Hamburgo, apresentado por Rodrigo Steffen.
LEIA TAMBÉM: Festival Aquilombados 2025 celebra a cultura negra