Morador do bairro Campina há 40 anos, Ary Vanazzi teve a casa invadida pela água do Rio dos Sinos na maior enchente da história de São Leopoldo. Registros pessoais, livros e móveis foram destruídos pela lama. “Virou lixo, mas não é lixo. A nossa vida antes do dia 3 de maio não existe mais, é uma página branca”, frisou o prefeito, em entrevista exclusiva ao Jornal O Vale no seu gabinete, no 7º andar da Prefeitura.
Sentado na cadeira que ocupa pela quarta vez, entre um chimarrão e outro, Vanazzi fez críticas às medidas do governo do Estado na catástrofe climática e afirmou que um sistema de proteção contra cheias precisa de mais ações além de diques.
“Até hoje, por exemplo, o Estado não criou um grupo de estudo para poder resolver o problema das cheias dos rios que atingiram as cidades. Por isso que eu afirmo: pelo que nós já fizemos de projeto, já contratamos e já estamos aprovando, vamos sair dessa tragédia muito mais forte do que entramos”, projetou.
Nesta entrevista de quase 1 hora, Vanazzi ainda revelou que os planos da Prefeitura de São Leopoldo para o Bicentenário da Imigração Alemã foram prejudicados após a enchente. Sobre o futuro depois de deixar o cargo, em janeiro de 2025, disse que ainda não sabe o que vai fazer.
“Talvez seja a melhor coisa que eu posso fazer nos meus 64 anos, devolver à cidade toda a autoestima e o processo de crescimento, segurança, credibilidade e alegria desse povo. Esse meu grande objetivo”. Leia a entrevista.
Jornal O Vale – Voltando um pouco no tempo, o que o prefeito destaca como conquistas de seu governo até aqui?
Ary Vanazzi – Eu estou concluindo meu segundo mandato seguido, o quarto mandato. Eu assumi a cidade em 2005. Um desafio enorme. A nossa cidade é um dormitório, com pouca perspectiva de desenvolvimento e crescimento, e quando nós saímos, em 2012, em função também do governo federal, que tinha muitas iniciativas, de PAC na educação, de saúde, de infraestrutura, a gente deixou muitos projetos importantes estratégicos para a cidade. Em 2012, 2013 a 2017, a cidade parou, viu uma crise profunda economicamente, salários atrasados e sem recursos, dívidas monstruosas, como o Semae, que não se pagava a luz há 4 anos de energia elétrica, da própria empresa. Eram R$ 10 milhões só de energia elétrica para pagar quando cheguei em 2017 e sem nenhum projeto contratado. Aqueles que eu tinha deixado contratado eles acabaram se perdendo no meio do caminho. Então, nós assumimos em 2017 com três folhas de pagamento atrasadas, sem obra e sem projeto. Era um desespero. Felizmente, montamos uma grande equipe de governo, uma grande aliança política na cidade, com PDT e com os partidos mais comprometidos com a questão social, e conseguimos em 2017 e 2018 recuperar financeiramente a Prefeitura. Pagamos contas, botamos em dia o salário e recuperamos uma série de projetos de 2010 e 2011, que eram os famosos PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Então, no final de 2018 a gente começou a dar uma volta no ponto de vista econômico. Em 2017, para tu ter uma ideia, o orçamento da cidade era de R$ 700 milhões. Quando eu saí da Prefeitura o orçamento era de R$ 600 milhões. Então, em quatro anos subiu R$ 1 milhão e, agora, o nosso orçamento é R$ 1,6 bilhão. Então nós evoluímos enormemente do ponto de vista econômico. Isso tem a ver com a nossa capacidade de fazer gestão da cidade, buscar investimento público, ter planejamento, credibilidade, e se abriu um novo campo de relações com os empresários, com os trabalhadores, que foi o avanço extraordinário. Saímos da 12ª economia para a 7ª economia e nosso planejamento, mesmo com a catástrofe, é chegar em 2027 sendo a 4ª economia do Estado pelo que temos de perspectiva e investimento contratado. Então, nós iniciamos numa situação muito difícil, mas pela nossa capacidade, pelo que montamos e pelas relações que estabelecemos a nível nacional e internacional, a gente elevou a cidade em quatro anos. Em 2020, quando a gente reassumiu a prefeitura [reeleito], montamos uma estratégia de universalização da educação infantil, que era ter todas as nossas crianças na rede pública em uma escola de qualidade, com profundo conhecimento, investimento em tecnologia em robótica e modernização das escolas. Esse patamar nós alcançamos em 2023. Infelizmente, a tragédia levou muito dessas conquistas, mas nós alcançamos o objetivo traçado. Na área da saúde nós também tratamos em 2020 de sair dos 35% do atendimento básico para 100%. Hoje nós chegamos a 80% com a unidade de atendimento em saúde. Claro, agora muitos dos postos que estavam funcionando vão demorar mais 60 dias para voltar, e os outros postos novos vamos entregar agora. Então, nós vamos chegar a 85% na universalização da saúde, de um atendimento na prevenção à doença. Isso é uma revolução na cidade. Além disso, tínhamos como proposta, também em 2020, zerar as ruas que não tinham calçamento – e nós zeramos isso. Estamos fazendo agora os últimos trechos que faltam calçar. Foram mais de 600 vias calçadas na nossa cidade nos últimos 8 anos. Isso significa quase R$ 100 milhões investidos em infraestrutura urbana. Agora, outra questão é o desenvolvimento econômico. Nós criamos uma câmara temática em 2020 e hoje nós temos uma grande discussão com o setor produtivo e também o setor, vamos dizer assim, de serviços na cidade. O resultado disso é que nós trouxemos o IFSul para São Leopoldo, que ganhamos o governo federal. Doamos o centro de eventos para que seja construída uma universidade de Escola Técnica ao longo dos próximos três, quatro anos. Isso vai ajudar em muito nossas empresas, nossos trabalhadores e nossa juventude. Então veja: tudo que nós planejamos em 2020, mesmo com a tragédia, nós alcançamos. Agora estamos repondo porque a tragédia também levou parte dessas conquistas.
Hoje a cidade virou uma referência internacional, uma referência nacional tanto do ponto de vista de gestão quanto do ponto de vista de soluções rápidas dos problemas que aparecem. E os exemplos foram aqui na maior tragédia hídrica do Estado, que nós conseguimos resolver os problemas rapidamente em função dessa capacidade de gestão e das tecnologias desenvolvidas aqui.

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O Vale – Qual o real impacto para São Leopoldo de toda essa tragédia com a enchente?
Vanazzi – Eu diria que a tragédia traz impacto muito grande para o RS. Nós vamos ter muitos problemas se o Estado não conseguir apresentar um projeto de recuperação e de inserção de forma diferente no mundo ambiental, no mundo da produção, no mundo do planejamento, nós vamos ter um impacto enorme. Porque nenhum estado brasileiro, talvez nós sejamos os primeiros, a ficar praticamente seis meses sem o aeroporto. Não é o problema de passear, né? O aeroporto é o centro econômico, de negócios, de relações nacionais e internacionais, do conjunto da sociedade. Portanto, isso é o maior exemplo de uma tragédia econômica que nós podemos viver. Veja que o nosso grande problema é estadual. Quatrocentos municípios foram arrasados pela tragédia. E isso não é um planejamento só da cidade, tem que ser um planejamento do Estado. Até hoje, por exemplo, o Estado não criou um grupo de estudo para poder resolver o problema da questão das cheias dos rios que atingiram as cidades. Qual é o desenvolvimento dessas regiões hoje? Qual é o impacto do momento dessas regiões na economia Estadual. O Estado não conseguiu construir uma articulação política com os empresários, com a sociedade, com as universidades, com a inteligência nesse Estado, para que isso pudesse reverberar numa produção, num projeto de estratégia econômica e social, que pudesse levar o Estado a outro patamar, como eu fiz com a minha cidade. Na pandemia, pra tu ter uma ideia, todo mundo dizia que nós íamos quebrar a cidade porque nós fechávamos. E veja: nós saímos da 12ª para a 7ª economia depois da pandemia, porque hoje as empresas desta cidade fizeram contrato por 10 anos, porque nós nunca fechamos uma empresa na pandemia. A gente fechou o serviço, mas não as empresas, porque se tem emprego ou serviço se recupera imediatamente. Foi isso que fizemos. Nós brigamos muito para o setor de serviço, comércio, essas coisas que concentravam mais gente, e a indústria não. Como eram poucos municípios no país que tinham a indústria funcionando, as indústrias aproveitaram e fizeram contratos enormes, exportaram, enfim, né? E isso hoje nós temos prejuízo por causa da tragédia climática. Agora, por isso que eu afirmo, pelo que nós já fizemos de projeto, pelo que nós já contratamos, pelo que nós já estamos aprovando, nós vamos sair dessa tragédia muito mais forte do que nós entramos. Mas é preciso que o Estado também acompanhe esse processo. Por isso que eu afirmo: nós vamos chegar a ser a 4ª economia em 2027, porque o que nós temos de investimento hoje, de cadastramento, chega a quase R$ 2 bilhões em todas as áreas. Novo Distrito Industrial com mais de 100 lotes para indústria se instalar aqui, novas tecnologias de investimento na área tecnológica, na busca de novos empreendimentos, investimento pesado em abastecimento de água e em drenagem urbana.
E agora depois da tragédia um grande projeto que nós vamos começar em agosto, primeiro fazendo o levantamento dos diques em 50cm, que é aquilo que tem aqui no Centro, que não entrou água, e vamos relevar todo dando uma segurança maior para os nossos bairros, que isso pode nos trazer uma segurança um pouco maior se a chuva for igual a de 2024. Enquanto isso, definimos também que o governo federal vai contratar um estudo para elaboração do projeto e fazer uma remodelação geral de todo sistema de prevenção das enchentes aqui em Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapucaia, Esteio, Porto Alegre, Guaíba e Eldorado. Enquanto esse projeto não sai, nós vamos fazer a nossa parte.
O Vale – A elevação dos diques é a única solução contra enchentes, para que a cidade não volte a ser inundada pela cheia do Rio dos Sinos, como aconteceu em maio?
Vanazzi – Primeiro que isso ninguém pode garantir que a cidade não poderá passar por uma nova tragédia dessa. Há uma mudança climática assustadora, que muitas vezes a gente não consegue dimensionar a rapidez, desmanche das geleiras, fogo, queimadas, calor, por exemplo. Nós vamos ter uma seca no verão que provavelmente vamos ter que discutir o abastecimento de água. Essa é a previsão e por isso que fizemos obras aqui na Caxias do Sul, obras de abastecimento, de acumulação. Mas veja o tema dos diques: não é apenas levantar muros de terra, isso é a obra, vamos dizer assim, a obra em si para dar proteção à cidade. Mas o sistema de proteção das cidades aqui envolve muito mais coisas. Vamos dar um exemplo: se nós fizermos diques em São Leopoldo, Canoas, Esteio e Porto Alegre, e não fizer bacia de acumulação de água nessas áreas altas, Santo Antônio da Patrulha, São Francisco do Sul, Campo Bom, Sapiranga, aproveitar essas áreas de terra onde se planta arroz hoje e transformar em áreas de acumulação de águas, de segurar a água nas grandes chuvas que nós temos. Aqui em São Leopoldo nós fizemos a nossa parte. Nós temos 22% no nosso território que é área de preservação ambiental. O Parque Imperatriz é o último pulmão do rio. Se nós não tivéssemos o Parque Imperatriz e tivesse sido feito aqui no parque o que queriam fazer em 1999, 2000, 2002 e 2003, grandes loteamentos, na beira do rio, hoje a tragédia seria incalculável. Fomos nós em 2005 que proibimos, tiramos as famílias e deixamos ali 700 hectares, que é um dos maiores parques urbanos do país, que nós temos hoje como preservação do rio e amortecimento da água. Mas isso tem que ser feito em toda a extensão do rio. Quando fizeram a BR-448, está escrito no projeto que não se podia fazer a rodovia lá, tinha que ser mais perto da cidade, para manter aquelas bacias como acumulação e amortecimento da água. Não fizeram. Por que? Por causa da especulação econômica, queria vender terreno e fazer loteamento. Vou dar um outro exemplo: o Arroio Cruz. Eu tirei 1 mil famílias do arroio de 2006 a 2012, e reassentei todas elas. Eu tenho que fazer três bacias de acumulação de água no Arroio Cruz, preciso reter a água da chuva naquela região, porque senão, daqui cinco, seis anos, quando chover 40mm, que não é muita coisa, a João Correia aqui no Centro vai ter 2 metros de água. O João Correia, nosso arroio, vai crescer muito a partir do crescimento da cidade para aquela região. Então nós temos que fazer três grandes bacias. Nós já temos um projeto, que está em análise no governo federal, que são em torno de R$ 100 milhões para fazer essas três grandes bacias. Atrás da Stihl, queria fazer esse ano se não tivesse essa tragédia, que já era para reter a água para evitar problema maior na Santo André. E aqui na zona norte nós temos três grandes bacias de acumulação de água também projetadas. Isso é planejamento estratégico de uma cidade para evitar que seja São Paulo no futuro, para evitar que seja Rio de Janeiro no futuro, ou para evitar que seja Porto Alegre. Tu tem que fazer agora acumulação de água nas bacias e nos arroz para manter a água e ela ir vindo de acordo com a necessidade é a capacidade do rio e dos próprios arroios.
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O Vale – Como o senhor tem recebido as críticas da oposição e até mesmo de algumas pessoas fora da política na cidade sobre o seu governo, principalmente em relação à enchente?
Vanazzi – Tenho recebido de uma forma muito normal e muito tranquila, faz parte da nossa vida política. Cada um tem um jeito de olhar o mundo. Uma crítica faz parte da democracia, faz parte da convivência na política. O que eu abomino são as mentiras, as inverdades, a pregação de ódio, essas coisas todas. E também o tema de que tudo é fácil resolver, que tem sempre o culpado. Não existem culpados numa tragédia dessas. Tem algumas pessoas que fazem uma crítica, por exemplo, “se a casa de bombas tivesse funcionando não teria tragédia”. Ué, mas a água passou por cima dos diques, as casas de bombas ficaram dentro da água porque [água] passou por cima dos diques. “Ah, mas se tivesse feito os diques maiores”. Mas quando fizeram [os diques] em 1941 [após a enchente daquele ano] era o limite máximo da história da cidade. Além de ser planejado com a mesma altura da água, eles botaram 60 cm a mais e, portanto, nós tivemos uma chuva, uns dizem 1 mil mm na Serra e 700 mm aqui na bacia do Rio dos Sinos. Não haveria proteção nenhuma frente a essa catástrofe. E também, para mim, as críticas têm que ser sempre do ponto de vista construtivo, de colaboração da oposição para situação. E também do ponto de vista de um olhar sério sobre os problemas que nós temos. Por exemplo, hoje tem gente [dizendo] assim: “vamos dar desconto de IPTU para todo mundo que ficou alagado”. E eu vou receber dinheiro da onde para fazer as coisas que as pessoas pedem, para fazer a casa, limpar a rua e tal. Então, essas coisas tem que ter um pouco de responsabilidade. Muitas vezes, eu convivi muito na política, a oposição não tem responsabilidade com os atos, com as coisas que fazem e ações que toma. E isso não ajuda, cria fantasias. Os cartões produzidos pelo governo do Estado, por exemplo, nessa ajuda do Pix e Volta por cima. Quem me disse que precisava fazer o cadastro único das famílias?
Porque o cadastro único existe, mas se inventou uma história para pagar pouca gente, criar dificuldades e jogar as pessoas contra alguém. Então, esse tipo de ação eu não tenho concordância na política. Tem que ser muito honesto, muito responsável, principalmente quando a gente lida com a vida das pessoas. E isso me preocupa muito nesses tempos modernos de internet, essas coisas todas, acho que a gente precisa amadurecer muito e trabalhar com seriedade.
O Vale – O senhor também foi afetado pela cheia do Rio dos Sinos. Em vídeo compartilhado nas redes sociais, deu pra ver sua casa destruída, com móveis e outros objetos cobertos por lama deixada pela enchente. O que o senhor sentiu ao ver sua casa daquele jeito?
Vanazzi – Isso é um tema difícil de falar. Mas eu vou te falar o seguinte: o meu dilema e o dilema de 35 mil famílias é igual. Se tu for olhar nos meus vídeos, sempre evitei chamar aqueles resíduos que as pessoas jogaram fora de lixo. Aquilo nunca foi lixo. Aquele resíduo é a vida, a história econômica, cultural e social das famílias. Isso é a parte mais difícil e mais dolorosa. Então nunca chamei de lixo. Virou lixo, mas não é lixo. Isso é uma marca profunda que não tem volta. Não tem como reconstruir o passado. A enchente levou. A nossa vida antes do dia 3 de maio não existe mais, é uma página branca. Do ponto de vista material, ela não existe mais, tu não enxerga mais. Eu não consegui voltar para casa ainda. Estou tentando pintar a casa, a minha família também não quer voltar, minha filha estava vivendo um momento muito difícil, meu menino mais novo com seis anos um momento difícil. Tenho 60% dos funcionários [servidores da Prefeitura] que perderam tudo. Essa semana eu fui lá pra falar com o pedreiro. Eu estive na casa quando a água baixou, mas não voltei mais, a minha mulher foi [na casa] e uma rapaz que eu pedi para limpar. Enquanto não limparam a rua eu não voltei, não passei na rua, porque não queria ver minhas coisas. E essa semana voltei e, quando entrei, não existe mais casa, só a parede. Eu moro ali há 40 anos. É um impacto dramático. Isso é o maior desafio da população no próximo período. Hoje eu ando na Campina [bairro], onde eu moro, tem muitas casas vazias, janelas abertas, é a dúvida que as pessoas têm se vão voltar, não voltar. Aquela dor no peito de voltar pra casa e tu não enxergar mais a casa. É um recomeço e é por isso que, falar a verdade, ser honesto, dar um abraço, fazer um carinho, ouvir as pessoas, é a grande ação que devem fazer agora, porque é um problema gravíssimo, psicológico, estrutural das famílias. E as crianças, os jovens? Então, a minha questão pessoal se reflete como de todo mundo e acho que precisamos superar, buscar energia e criar forças. Enfim, fazer a nossa parte. Acredito que se você dá o melhor, a gente consegue avançar e dar um passo mais certo.
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O Vale – Em uma palestra antes da enchente, o senhor falou muito da região central da cidade, da revitalização da Rua Independência. Qual a situação dessa obra após a tragédia?
Vanazzi – Uma das coisas boas que eu queria deixar registrado para comunidade é que a cidade vai sair muito mais forte do que ela entrou na tragédia. Eu tenho convicção, certeza disso, até porque o governo Lula está nos apoiando enormemente. Todas as obras que nós planejamos, nós vamos fazer. Por exemplo, eu lancei (dia 4 de julho) uma obra para fazer uma creche, que já estava planejada, vamos fazer infraestrutura para 400 casas na Tancredo Neves, que estava planejada, para tirar as famílias do dique da Campina, da Fênix, e as famílias que agora também perderam as suas casas e que estão morando em área de risco. Lançamos duas obras de R$ 20 milhões. A [revitalização] Rua Independência vamos concluir neste ano, como estava no planejamento. As obras de infraestrutura, recapeamento asfáltico, vamos tocar. Agora, temos um outro desafio que também vamos investir bastante. Temos um programa que já investimos R$ 4 milhões, entre Prefeitura e Sebrae, que ajudava os pequenos e microempreendedores. Tem 4.000 inscritos, temos quase 8.000 pequenos empreendedores que perderam tudo. Devemos anunciar mais recursos para que todos aqueles que se inscreveram recebam um valor x para recuperar o seu negócio. Isso vai dar um “up” muito interessante na economia. Então, tudo que planejamos vai atrasar na execução, não vamos concluir neste ano como estava planejado, mas tudo vamos iniciar e, talvez o [próximo] governo pode, lá pelo mês de maio, junho, final do ano que vem, ter todas as obras [prontas]. Eu consegui, agora na tragédia, R$ 250 milhões pra 280 casas no [bairro] Steigleder e fazer um loteamento de 500 lotes onde é a parte mais simples e mais humilde da nossa cidade. Escrevi, e vou ganhar, o dique pra proteger a São Geraldo. É onde é possível fazer [dique] para proteger, já temos escrito e nós temos um valor para isso. Vou fazer um pequeno dique na Rua das Camélias pra proteger a grande maioria daquelas famílias. Já está sendo construído o projeto. Vamos fazer a estação de tratamento de esgoto no Pratinho de R$ 80 milhões. Já licitada para fazer as redes, que estamos fazendo, e a obra da estação vamos fazer a partir do ano que vem. Mas está contratada para se fazer. Era uma obra que foi perdida no governo anterior. Eu cheguei em 2017, mesmo que o governo não era o da Dilma [Rousseff], que tinha sofrido golpe, nós recuperamos junto com os técnicos do ministério, mantivemos lá até o final do governo anterior, e quando o Lula voltou fui lá e recebemos R$ 80 milhões para fazer a estação de tratamento do Pradinho. E o projeto mais importante é o sistema de produção das cheias.
O nosso sistema significa R$ 300 milhões aproximadamente em investimentos: R$ 200 milhões pra levantar o dique em um metro e meio, e mais R$ 100 milhões pra fazer todas as casas de bombas novas. Todos os projetos que construímos, aprovamos e buscamos, com uma questão ainda mais importante: a tragédia abriu portas pra buscarmos mais recursos. Temos encaminhando muitos projetos para todas as áreas.
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O Vale – Antes da tragédia com a enchente, havia uma enorme programação alusiva ao Bicentenário da Imigração Alemã e aniversário de São Leopoldo. A Prefeitura ainda planeja fazer alguma festa ou está tudo suspenso?
Vanazzi – Essa talvez seja a parte mais dolorida pra mim na política, além da tragédia pessoal. Eu abri mão de fazer várias disputas, “voos” na política, porque queria estar aqui na cidade nos 200 anos. Eu queria fazer uma grande festa bem verdade, criar uma integração cultural histórica, inovadora, onde todo mundo se sentisse parte da cidade, cidadão leopoldense. A grande maioria da população aqui é migrante, continua chegando muito imigrantes. A cidade para crescer, se desenvolver e avançar mais rápido precisa ter uma unidade cultural. Eu trabalhei muito nisso nos aspectos de valorização imensa dos imigrantes alemães que vieram, fizemos pesquisa, produzimos livros históricos de meses e meses de pesquisas com grandes historiadores. Vamos lançar esses livros que são um retrato de onde vieram os alemães, o que sofreram, como era a realidade dos alemães na Alemanha naquele período, qual o objetivo que vieram pra cá, qual é o papel deles na economia do Estado, na agricultura. Então, são negócios fabulosos que nós buscamos para essa fase dos 200 anos. Pensamos em muitas obras que estamos fazendo e vamos continuar fazendo. Tudo isso a gente vai acabar não podendo apresentar do jeito que tinha sido planejado. Mas nada vai parar e não desistimos. Vamos demorar mais tempo pra comemorar de fato aqueles 200 anos que nós tínhamos imaginado na nossa cabeça. Eu cheguei aqui em 1984. Eu tomei 20 enchentes na Campina, onde eu moro até hoje. Nunca tomei uma enchente desse porte. Eu lutei muito para fazer os diques, fui um dos grandes organizadores do movimento social pra fazer toda essa base de contenção das cheias, que vem da Vila Brás. Os diques só protegiam o centro da cidade na época que eu vim para São Leopoldo, não protegiam a Vicentina e a Campina. Fui um dos grandes expoentes da luta da organização social da época, que era bem menor, pra construir os diques. A minha vida política em São Leopoldo começou na luta pelos diques. Eu sempre pensava o seguinte, só quero uma coisa na vida, que não tenha nenhum problema com o sistema de contenção de cheias nos meus mandatos de prefeito. E, infelizmente, eu que ajudei a construir, tive que ver os diques serem superados pela água, e, agora, vou ter que reconstruir de novo. Agora vou ter que fazer o movimento para deixar pronto para reconstruir os diques. Essa história toda do bicentenário vou trabalhar com as seguintes questões: vamos anunciar um calendário dos 200 anos e vamos assinar o convênio para recuperar a Casa do Imigrante. Queremos ver se concluímos a Praça do Imigrante para entregar. Vamos ter a Rua Independência, uma quadra pelo menos concluída. Nós queremos fazer uma grande celebração ecumênica que envolva todas as igrejas do município, como um grande ato de solidariedade e de homenagem às pessoas voluntárias que trabalharam, as entidades que trabalharam [na enchente]. Acho que é importante a cidade fazer essa homenagem. Vamos inaugurar o monumento histórico de 200 anos que está sendo construído na frente da prefeitura antiga, na Secretaria de Cultura. Vai ter a cantata no Padre Reus, a cavalgada dos gaúchos, mas todas coisas que não envolvem custo, porque não tem clima de celebração. Não tem festa. Vamos fazer tudo aquilo que é possível para as pessoas se sentirem fortes, se encontrarem, poderem enxergar que tem possibilidade de reconstrução, de recomeçar e avançar. Então o momento é de integração, de solidariedade, de conforto para todas essas quase 100 mil pessoas que perderam tudo na vida. Nós queremos criar esse momento de fraternidade, de responsabilidade, de carinho e amor entre as pessoas para que a cidade avance com mais segurança. Nós temos um barco escola, que a gente tem ele pronto e deve chegar até dia 15. Ele vai entrar no rio, provavelmente, no Pesqueiro, e estamos pensando de trazer uma viagem de todas essas representações da sociedade, de Porto Alegre a São Leopoldo, caracterizando a chegada dos imigrantes.
Também pegar a energia que os imigrantes trouxeram em 1824, que levaram dois dias e meio para chegar de Porto Alegre a São Leopoldo, a gente poder fazer essa viagem e dizer: “hoje, no dia 25 de julho de 2024, a gente comemora 200 anos, todos nós juntos vamos recomeçar de novo a partir do espírito do calor e da energia dos alemães reconstruir a nossa cidade”. Talvez essa viagem também seja bastante simbólica pra nós botarmos o barco em serviço da sociedade.
O Vale – O senhor está saindo no final deste ano da Prefeitura. Qual o futuro de Ary Vanazzi a partir de janeiro de 2025?
Vanazzi – Eu não sei nada que eu vou fazer ainda. Eu não vou pensar nisso, vou me focar agora, que talvez seja a melhor coisa que eu posso fazer no meu 64 anos, devolver a cidade toda a autoestima e o processo de crescimento, segurança, credibilidade e alegria desse povo. Esse meu grande objetivo. Acho que depois os caminhos a gente também vai construindo coletivamente com todas as pessoas que eu tenho me dedicado historicamente, a nível estadual, nacional e por aqui. Mas eu tenho um apego, um sentimento muito profundo com essa querida Terra que me recebeu, me acolheu e me deu as condições que eu tenho hoje. Eu não posso abrir mão e pensar no futuro sem ter um presente que dê essa visão e essa garantia para nossa população.
O Vale – O senhor já foi prefeito por oito anos, saiu, voltou a ser prefeito por dois mandatos. Podemos esperar o Vanazzi na disputa pela Prefeitura daqui a quatro anos?
Vanazzi – Não. Eu já fiz a minha parte e acho que tem que deixar para a juventude, renovar. Acho que tenho muitas contribuições para dar no ponto de vista humanitário, da democracia, que esse sempre foi meu perfil. Eu tenho muitas tarefas para cumprir em várias pontas. Vou me dedicar um pouco à minha família, porque eu trabalho há 50 anos e sempre deixei tudo de lado para cuidar dos outros, cuidar da cidade e das pessoas pelo mundo afora.
O meu primeiro trabalho como um cara que tinha compromisso com as pessoas foi com os povos indígenas, no auge da crise da matança dos povos em 1970 e 1980, no forte da ditadura. Eu carrego comigo até hoje. Então, quero continuar fazendo isso mesmo em outros tempos. Então, na questão política, não penso absolutamente nada.
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