A história da evangelizadora canelense que idealizou o Caminho das Graças mudou a rotina dos moradores de uma comunidade rural de Canela. O trajeto entre o parque do Caracol ao da Ferradura conta com mais de 100 capelas ‘capitel’.
*Daniela Machado [email protected]
(Especial)
A manhã de 13 de novembro foi diferente dos demais sábados do ano para a arquiteta Margarida Zanatta Weber, 57 anos. A descendente de italianos estacionou o carro defronte sua loja, localizada na zona rural de Canela, atravessou a rua e se dirigiu à Capela Santa Cecília para verificar os preparativos da tradicional festa da comunidade do Banhado Grande. Solicitada a todo o momento por moradores, tirou dúvidas sobre quantidade de sobremesas e decoração do espaço sagrado.
Mas até se tornar integrante da associação de moradores do bairro, percorreu um longo caminho. De cabelos loiros e olhos castanhos, Margarida nasceu e cresceu no centro de Canela. Deixou a cidade aos 18 anos para transformar o hobby por desenho e pintura em profissão. Passou a residir em Porto Alegre e iniciou o curso de Arquitetura na Unisinos. Após a formatura, em 1980, casou e voltou para Serra, agora como moradora de Gramado. Foi através da criação da Oficina de Arte Carochinha, onde oferecia aulas de artes plásticas, canto e teatro para crianças de 2 a 5 anos, que se apaixonou por organizar atividades culturais.
Os sete anos de casamento marcaram o fim do relacionamento e também o fechamento da oficina, obrigando Margarida a voltar a Capital. Enquanto exercia a profissão no escritório montado na própria casa, foi convidada por José Vellinho Pinto, prefeito de Canela na época, para ser Secretária da Cultura entre 1990 e 1992. Depois disso, a vida política nunca a deixou, virou por mais duas vezes secretária de Turismo da cidade.
A mudança definitiva para Canela aconteceu em 2007, mas dois anos antes também comprara um terreno na zona rural do município. Junto com os irmãos Jorge Luiz, 56 anos, e Maria Elisabete, 61, abriu a loja Alecrim e passou a vender artesanatos e santos. A convivência na comunidade revelou algumas precariedades e, em uma missa na Igreja Matriz da cidade, Nossa Senhora de Lourdes a inspirou a ter uma ideia. A religiosidade, herdada da mãe Amélia Luiza, a fez sempre participar de grupos de orações e guardar os domingos para ir à missa.
Era início de primavera do ano de 2006. Na cerimônia religiosa mensal celebrada na capela do bairro Banhado Grande, Margarida apresentou o projeto e nove pessoas se comprometeram a executá-lo. “Disse que daria o santo de devoção de cada família, desde que fizessem um capitel defronte a sua residência. Em uma semana, 45 moradores entraram em contato comigo pedindo um santo. Tive que ir atrás de patrocínio, pois o projeto tomou proporções muito maiores do que esperava”, emociona-se.
No dia 1º de novembro, Dia de Todos os Santos, as imagens foram abençoadas e colocadas em cada casa pelo Pe. Edson de Mello, junto com uma placa contendo a data de sua festa e uma oração. Nascia assim, o Caminho das Graças.
Denésio Pilatti, 64 anos, considerado seu “fiel escudeiro”, ajuda a manter o local. O jardineiro acredita que a ideia de Margarida fez os moradores assumirem um compromisso e se unirem. “Todos moradores orgulham-se do projeto criado pela Margarida”, explica.
Hoje são mais de 100 capelas existentes no trajeto de 7km que liga o parque do Caracol ao da Ferradura, pontos turísticos da região. Os moradores contribuem para a sua preservação e até oferecem frutas e chás para romeiros de todo país que visitam o local.
Contudo, Margarida não quer apenas envolver os moradores no cuidado com o caminho, mas também evangelizá-los “Todo o mês um santo é homenageado e trazemos para a missa algo diferente, como corais e teatros. No início eram 10 pessoas que compareciam, hoje são 80”, declara. A capela é mantida com o dinheiro arrecadado na festa anual do Banhado Grande, organizada pela comunidade.
Entre o trabalho feito na loja, a participação na associação de moradores e as aulas de catequese, continua atuando como arquiteta no centro de Canela. “Inseri-me aos poucos na comunidade e, apesar das dificuldades, a fé sempre me moveu. Todos são chamados para a santidade e o nosso principal papel na vida é fazer a diferença na vida de alguém. Por isso, sei que o Caminho das Graças é de minha responsabilidade até meus últimos dias”.
* Daniela Machado é colunista do portal novohamburgo.org
FOTOS: Daniela Machado