Filha e neta do artista plástico Flávio Scholles relembram trajetória, desafios e missão de manter viva a memória de um dos maiores nomes da arte regional.
O programa Conversa de Peso, da Vale TV, recebeu Rudaia Scholles e Marina Scholles Carvalho, filha e neta do artista plástico Flávio Scholles, para uma entrevista emocionante que celebrou não apenas o legado artístico de um dos maiores expoentes da cultura do Vale do Sinos, mas também a continuidade desse trabalho por meio de suas descendentes.
Flávio Scholles, nascido em Morro Reuter e consagrado em Dois Irmãos e Novo Hamburgo, é autor de mais de 10 mil obras espalhadas pelo mundo. Sua arte, marcada por críticas sociais, linguagem acessível e profundidade simbólica, conquistou espaços na Alemanha, nos Estados Unidos e em diversas cidades brasileiras. Mais do que um artista, era um pensador e um operário da arte, como ele mesmo se autodefinia, que acreditava no poder transformador da cultura.
Herança artística que atravessa gerações

Scholles dedicou mais de cinco décadas à pintura, que retrata a vida no Vale do Sinos — da colônia à indústria — numa verdadeira narrativa visual inspirada na literatura de cordel. Sua formação inclui licenciatura em Desenho Plástico pela PUC?Campinas (1973) e estudos na UFRGS, em Porto Alegre.
A entrevista revelou o lado humano por trás do mito. Rudaia, filha única criada pelo pai após a separação dos pais, compartilhou como a convivência no ateliê foi também sua escola de vida. “As pessoas perguntavam como meu pai cuidava de mim, mas ele dizia que era eu quem cuidava dele. Era por mim que ele tinha motivação para continuar”, contou, emocionada.
Marina, neta do artista, cresceu entre tintas e telas, acompanhando a rotina do avô e sendo inspiração de inúmeras obras. Apesar de não seguir o mesmo caminho como pintora, dedica-se ao trabalho na galeria da família, ao lado da mãe, e ajuda a manter viva a memória e a obra de Flávio Scholles. “Sou muito artística, adoro dançar, me comunicar. Sigo expressando essa herança de outras formas”, disse.
A arte como testemunho da cultura local
A trajetória de Flávio foi marcada por lutas e polêmicas. Um dos episódios mais lembrados por Rudaia foi a rejeição de uma de suas esculturas em Novo Hamburgo, na época em que o artista foi acusado de promover discursos anticapitalistas. “O objetivo era fazer pensar, provocar uma reflexão sobre o modelo econômico da época. Anos depois, muitos voltaram atrás e reconheceram sua visão profética”, afirmou.
Destacou-se o episódio do “Monumento ao Sapateiro”, erguido em 1979 em Novo Hamburgo como marco do movimento Arte Casa Velha, fundado por Scholles em 1977 para afirmar a identidade artística local.
O impacto da obra de Scholles ultrapassa fronteiras. Ele manteve um ateliê na Alemanha, onde parte de seu acervo ainda permanece preservado, e defendeu durante toda a vida o retorno ao fazer artesanal, à valorização dos povos originários e à crítica social embutida na estética. “Ele dizia que se cada um dos seus quadros fosse uma luzinha, o mundo estaria iluminado. E de fato está”, comentou Marina.
Outro ponto tocante da conversa foi a revelação sobre os diários de Flávio, que escreveu diariamente desde os 18 anos até sua morte, com a condição de que fossem abertos apenas 50 anos após seu falecimento. “Ele sabia que ali havia verdades duras, que poderiam ferir. Optou por deixar como registro para a posteridade”, revelou Rudaia.
A entrevista também abordou questões de fé e espiritualidade, com relatos de como Flávio, mesmo tendo estudado para ser padre, optou por viver sua missão como artista, usando a arte como ferramenta de transformação social.
Legado em ação: espaço de encontro entre arte e comunidade
As curadoras da obra do artista deixaram um convite ao público para visitar a galeria mantida pela família, o ateliê de Scholles, situado no topo de Morro Reuter, com vista privilegiada, espaço que transformou-se em referência turística e cultural, nos meses de agosto em diante. As datas são divulgadas nas redes sociais da família.
Visitantes relatam experiências impactantes, descrevendo o lugar como “surreal”, “cativante” e profundamente ligado à identidade do Vale do Sinos. Um visitante resumiu: “Um artista cujo trabalho está por todo o mundo, mas não poderia ser mais regional… nos fez rir e chorar”
Rudaia e Marina contaram como seguem o propósito de manter viva a obra e a memória de Scholles por meio da galeria e do diálogo com escolas, pesquisadores e visitantes. O acervo familiar permanece aberto ao público com agendamento e visitas orientadas, reforçando o papel educacional do ateliê no Vale do Sinos.
Clique na imagem abaixo para assistir à entrevista com Rudaia e Marina Scholles no Conversa de Peso:
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Entrevista para o programa Conversa de Peso, com Rodrigo Steffen.