Em fevereiro de 2020, o laboratório aumentou a oferta para 100 milhões de doses, para serem entregues a partir de abril de 2021. Somente em março o Ministério da Saúde assinou o contrato para compra das doses – foi quando o governo aceitou a sétima oferta feita pelo laboratório.
O presidente da Pfizer na América Latina disse na quinta-feira (13), na CPI da Covid, que o Brasil ignorou cinco ofertas de vacina para entrega ainda em 2020. E que os primeiros contatos foram feitos em maio de 2020.
Carlos Murillo começou o depoimento lembrando que a Pfizer fez no Brasil parte dos testes do imunizante, o que garantiu ao país prioridade nas ofertas de vacina. Um dos objetivos do depoimento dele era saber se houve negligência do governo brasileiro na compra das vacinas.
A pedido do relator Renan Calheiros, do MDB, o executivo da Pfizer confirmou a declaração do ex-secretário de Comunicação do Planalto, Fabio Wajngarten, feita nesta quarta (12) na CPI, que o laboratório enviou – em setembro – uma carta ao presidente Jair Bolsonaro e a outras autoridades do governo reafirmando a disposição de fechar um acordo com o Brasil, mas que dois meses depois a Pfizer não havia recebido nenhuma resposta.
Carlos Murillo confirmou que a negociação era com o Ministério da Saúde, até que em novembro foi procurado pelo governo, mas não pelo ministério, e sim por Wajngarten.
“Nossa negociação foi com o Ministério da Saúde. As conversações com o sr. Fabio Wajngarten, em nosso entendimento, foram de uma possível coordenação dele, mas nós não conhecemos o funcionamento… Eu não conheço o funcionamento dos órgãos governamentais e não posso exatamente indicar a função das diferentes pessoas do governo, mas enfatizo que nossa negociação foi feita com o Ministério da Saúde”, garantiu Carlos Murillo.
Em seguida, o presidente da Pfizer na América Latina detalhou todas as propostas que a empresa fez ao país, começando ainda em 2020. Segundo Murillo, só em agosto de 2020, a Pfizer fez três ofertas para o Brasil – com opções de 30 ou 70 milhões de doses.
A primeira, no dia 14 de agosto, de 500 mil doses em 2020, e o restante até o fim de 2021. Na segunda oferta, feita quatro dias depois, a Pfizer aumentou o número de doses para entrega em 2020: 1,5 milhão; e o restante ao longo de 2021. A terceira oferta antecipava a entrega de 2021 mais para o início do ano.
Diante da falta de respostas do governo, três meses depois, no dia 11 de novembro, a Pfizer fez outra proposta – de 70 milhões de doses, sem prever entregas em 2020. A mesma oferta foi feita de novo no dia 24 daquele mês.
Em fevereiro de 2020, o laboratório aumentou a oferta para 100 milhões de doses, para serem entregues a partir de abril de 2021. Somente em março o Ministério da Saúde assinou o contrato para compra das doses – foi quando o governo aceitou a sétima oferta feita pelo laboratório.
Renan: Se o Ministério da Saúde ignorou três tentativas de conversa, de contato realizado pela Pfizer com o Ministério da Saúde… Isso é verdade, dr. Carlos Murillo?
Carlos Murillo: Nossa oferta de 26 de agosto tinha uma… Como era vinculante e estávamos neste processo com todos os governos, teria uma validade de 15 dias. Passados esses 15 dias, o governo do Brasil não rejeitou, tampouco aceitou a oferta. Eu não poderia afirmar objetivamente que se dificultou a conversa. O que objetivamente posso afirmar é: as condições que foram ofertadas e o tempo de validade dessa nossa oferta.
Renan Calheiros: Não houve resposta, não é isso?
Carlos Murillo: Não tivemos resposta positiva nem negativa
Renan: Não teve resposta.
O relator quis saber como foi a negociação do governo a partir da entrada de Eduardo Pazuello no ministério, em maio de 2020. Murillo disse que só conversou diretamente com Pazuello pela primeira vez em novembro de 2020, três meses depois das ofertas iniciais apresentadas pela Pfizer.
“Tive duas interações com o ministro Pazuello, a primeira no mês de novembro. Ele fez uma ligação para o meu celular, colocando-se à disposição para nós continuarmos a conversação. Nesse momento, nós tínhamos enviado a nova oferta de 70 milhões. A segunda conversação que eu tive com ele foi no Ministério da Saúde em dezembro, 22 de dezembro, nós tivemos uma reunião com o sr. Elcio Franco, da equipe técnica do Ministério da Saúde”, relatou Carlos Murillo.
Renan Calheiros leu falas do presidente Jair Bolsonaro ridicularizando as vacinas e perguntou se elas atrapalharam o andamento das negociações com a Pfizer.
“Nós somos uma companhia da ciência e embasados na ciência. Essas declarações, para nós, foram declarações como foram feitas muitas outras. Nós continuamos com o nosso empenho de fazer a vacina acessível para os pacientes brasileiros”, respondeu Carlos Murillo.
Carlos Murillo confirmou que o Ministério da Saúde tinha preocupação com a logística da vacina, que precisa de conservação em setenta graus negativos, mas que a Pfizer apresentou uma embalagem que seria a solução. Depois, falou sobre as cláusulas dos contratos, classificadas pelo então ministro da Saúde como ‘leoninas’. O executivo disse que as condições apresentadas ao Brasil eram as mesmas oferecidas a todos os países do mundo.
Renan Calheiros: No contexto da aquisição de vacina durante uma pandemia, as condições contratuais oferecidas pela Pfizer ao Brasil eram realmente incomuns, como dizia o ministro?
Carlos Murillo: As condições que a Pfizer procurou para o Brasil são exatamente as mesmas condições que a Pfizer negociou e assinou neste momento já com mais de 110 países no mundo.
Renan Calheiros voltou ao assunto da primeira oferta feita pela Pfizer ao Brasil e quis saber de Carlos Murillo quantas doses teriam sido entregues até agora caso o primeiro contrato tivesse sido fechado ainda em 2020: 18,5 milhões, foi a resposta do executivo.
Renan: Quantas doses teriam sido entregues até o dia de hoje, caso a primeira oferta contratual tivesse sido aceita pelo Brasil? Por favor, se pudesse, evidentemente, calcular em função das informações que o sr. já prestou aqui, seria muito importante para o esclarecimento.
Carlos Murillo: O que eu posso afirmar, posso comentar, é o quantitativo ofertado na oferta de 26 de agosto: 1,5 milhão, em 2020. Primeiro trimestre de 2021, 3 milhões, 2º trimestre de 2021, 14 milhões. Somando os dois, estamos falando de 18,5 milhões. Agora, eu não posso afirmar que essas teriam sido as quantidades entregues, porque o contrato e oferta… a oferta era somente uma parte.
O executivo da Pfizer descreveu como foi, de seu ponto de vista, a conversa relatada na quarta (12) na CPI porFabio Weingarten, sobre o atraso na resposta às ofertas da Pfizer.
Carlos Murillo: No dia 9 de novembro, eu recebi um e-mail de nossa casa matriz. O e-mail indicava que o sr. Fabio Wajngarten do governo do Brasil estava tentando procurar o nosso CEO global. Eu tomei esse e-mail e liguei para o sr. Fabio Wajngarten. Ele me perguntou o status das negociações com o governo do Brasil e eu comentei com ele as ofertas que teriam sido feitas. Ele me solicitou se eu poderia aguardar na linha, e eu comentei que sim. E logo ele me disse: ’sr. presidente Murillo, eu estou aqui com o ministro Guedes e o presidente Bolsonaro. Você poderia repetir o que me comentou?’ Eu repeti o que tinha comentado com ele: que nós tínhamos enviado as propostas e que estávamos em discussões com o ministro da Saúde sobre o potencial fornecimento de nossa vacina. O ministro Guedes perguntou o quantitativo ofertado, que foi o que eu comentei com os senhores. Ele indicou que o Brasil precisava de mais quantidade. Eu respondi que nós vamos continuar procurando fornecer o maior quantitativo possível.
Omar Aziz: Nessa oportunidade, o senhor não alertou ao ministro Paulo Guedes que a Pfizer, em agosto, já tinha mandado um documento, e, em setembro, no dia 12 de setembro, ele tinha recebido uma comunicação da Pfizer oferecendo vacina?
Carlos Murillo: Não. Não chegamos a conversar isso.
Pouco depois, o presidente da Pfizer para a América Latina pediu para interromper o depoimento porque recebeu a resposta para uma pergunta feita pelo relator no início do depoimento. Renan Calheiros tinha questionado sobre uma reunião no Planalto do ex-secretário Wajngarten com representantes da Pfizer. Quis saber se o filho do presidente Bolsonaro, Carlos Bolsonaro, participou do encontro.
Depois de consultar as duas diretoras da empresa que estiveram na reunião, Murillo passou a informação à CPI: “após aproximadamente uma hora de reunião, Fabio recebeu ligação, sai da sala e retorna para a reunião. Minutos depois, entram na sala de reunião Filipe Garcia Martins, assessor internacional da presidência da República e Carlos Bolsonaro. Fabio explicou a Filipe Martins e a Carlos Bolsonaro os esclarecimentos prestados pela Pfizer até então, na reunião. Carlos ficou brevemente na reunião e saiu da sala. Filipe Garcia Martins ainda permaneceu na reunião. A reunião foi encerrada logo na sequência e representantes da Pfizer saíram do Palácio do Planalto.”
Na quarta (12), senadores da CPI haviam pedido que Wajngarten desse o nome dos participantes das três reuniões com representantes da Pfizer. Wajngarten então citou alguns nomes, mas não mencionou Carlos Bolsonaro. A CPI já pediu que o Ministério Público do Distrito Federal investigue se Wajngarten cometeu crime de falso testemunho durante o depoimento.
Depois, o debate voltou a se concentrar sobre o momento em que o Brasil poderia ter começado a imunizar a população com a vacina da Pfizer. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues, perguntou quais países na mesma condição do Brasil iniciaram a vacinação em 2020.
Carlos Murillo: Não tenho informação total, senador, mas o que comentei hoje é que recebi confirmação da Inglaterra. O que eu sei da América Latina foram Chile, México e Costa Rica.
Randolfe: Então, três países da América Latina – Chile, Costa Rica e México – iniciaram a vacinação em 14 de dezembro. Chile, Costa Rica e México. Poderia ter sido Chile, Costa Rica, México e Brasil. Poderia ter sido. É uma pergunta elementar e eu não a estou fazendo para o senhor, mas é uma pergunta sobre a qual se deve refletir nesta CPI: se nós tivéssemos adquirido essa vacina e começado a vacinação no dia 14 de dezembro, quantas vidas, dessas 428.256, não teriam sido salvas? É uma pergunta elementar. Não estamos falando só de Estados Unidos e de Reino Unido, estamos falando de três países da América Latina, com economias inferiores à nossa.
Rogério Carvalho: Então, eu queria dizer que, na verdade, nós estamos diante de uma situação de negligência ou de ação deliberada para não resolver o problema da pandemia no Brasil e isso encaminha para constatação de um crime contra a saúde pública e um crime contra a vida.
Informações: G1
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