Primeira mulher negra a assumir o cargo de vereadora em Novo Hamburgo, Sandra Regina foi guarda municipal da primeira turma, ex-diretora de trânsito e fundadora do Coletivo Pretas compartilha sua trajetória de resistência, fé e propósito coletivo.
Natural de Santo Ângelo e há quase 40 anos moradora de Novo Hamburgo, Sandra Regina Carvalho Soares construiu uma história marcada por superação, coragem e compromisso público. Primeira mulher negra a ocupar o plenário da Câmara Municipal de Novo Hamburgo, ex-diretora de trânsito e fundadora do Coletivo Pretas, Sandra transformou o racismo que sofreu aos 16 anos em combustível para lutar por igualdade, reconhecimento e representatividade. Em entrevista ao programa Conversa de Peso, da Vale TV, com Rodrigo Steffen, ela revisitou memórias, revelou bastidores de sua carreira na Guarda Municipal e celebrou o lançamento do livro que reúne histórias de mulheres guardas de todo o Brasil.
Raízes e primeiros desafios de Sandra Regina
Sandra Regina cresceu em uma família humilde no interior das Missões. Acompanhava a mãe nas tarefas de empregada doméstica e, desde cedo, aprendeu o valor da força e da dignidade. Aos 16 anos, em busca de trabalho, mudou-se sozinha para Novo Hamburgo.
Foi na cidade que experimentou o racismo pela primeira vez: “Tinha estudo, mas o gerente do supermercado me disse que não podia me colocar atendendo pessoas. Fui trabalhar no subsolo, separando mercadorias”, recordou. A partir dessa experiência, decidiu que jamais ficaria em silêncio diante da discriminação — e que lutaria para que outras mulheres pretas pudessem ocupar espaços de liderança.
Da superação à formação acadêmica
A determinação herdada da mãe foi o que a manteve firme diante das dificuldades. Mesmo sem recursos, concluiu o curso superior em Gestão Pública e se especializou em violência contra a mulher e segurança no trânsito. Antes, porém, fez questão de priorizar os estudos das filhas, Sabrina Valência e Gabriela Regina.
“Adiei o meu sonho para garantir o delas. Hoje tenho orgulho de ver minhas filhas formadas, e eu também realizada como mulher, mãe e avó”, contou emocionada. Casada com Marco Antônio, conhecido como Marquinhos da UPA Canudos, ela afirma que a família é sua principal base e inspiração.
Três décadas de dedicação à segurança pública
Sandra ingressou na primeira turma de mulheres da Guarda Municipal de Novo Hamburgo, tornando-se a primeira mulher negra da corporação. Em 31 anos de carreira, ocupou diferentes cargos e fez história ao se tornar a primeira diretora de trânsito da cidade, função que exerceu com sensibilidade e firmeza.
Entre as realizações que marcaram sua gestão está a criação da Praça da Vila Rosa, na Rua 24 de Maio, fruto de contrapartida de impacto de vizinhança. “Foi uma decisão que me orgulha. É um espaço que hoje serve a toda comunidade”, destacou.
Sandra Regina também atuou em projetos de educação para o trânsito, levando palestras e ações a escolas da rede pública. “Nada é mais gratificante do que ver uma criança corrigindo o pai no trânsito. Isso é educação que transforma”, afirmou.
Primeira vereadora negra de Novo Hamburgo
A trajetória política de Sandra começou há mais de 20 anos, sempre colaborando com campanhas de outros candidatos. Em 2020, decidiu concorrer pela primeira vez e conquistou a suplência no Partido Republicanos, tornando-se a primeira vereadora negra da história de Novo Hamburgo ao assumir temporariamente uma cadeira no Legislativo.
“Foi um marco pessoal e coletivo. A mulher negra precisa ocupar espaços de decisão. A política está em tudo o que fazemos — e estar ali foi a prova de que é possível mudar o cenário com representatividade”, disse.
Sandra destacou também o desafio das mulheres na política: “Muitos partidos ainda veem a mulher como cota, não como protagonista. Precisamos de preparo e de respeito, não de convites de última hora apenas para preencher nominatas”, criticou.
O nascimento do Coletivo Pretas
Em 2019, Sandra Regina idealizou o Coletivo Pretas, grupo que reúne mulheres negras para compartilhar vivências, promover acolhimento e fortalecer laços de identidade. O primeiro encontro ocorreu no Calçadão Oswaldo Cruz, em Novo Hamburgo, com a homenagem à senhora Maria Emília, de 106 anos, símbolo de resistência e sabedoria.
O grupo realiza encontros anuais e ações comunitárias, com apoio de instituições como o Lions Club CoroCAP e a Fundação Evangélica. “O Coletivo é um espaço de escuta e protagonismo. A mulher negra precisa ser vista, ouvida e respeitada”, afirmou Sandra. Em 2025, o grupo chega à quinta edição do encontro, consolidando-se como um dos mais importantes movimentos de empoderamento feminino e racial do Vale do Sinos.
Um legado escrito e compartilhado
No ano passado, Sandra recebeu o convite da escritora Juliana Lacerda, de São Paulo, para participar do livro “Histórias de Mulheres Guardas Municipais do Brasil”, reunindo relatos de 18 mulheres que atuam na segurança pública em diferentes estados.
“Fiquei emocionada. Pensei que jamais escreveria um livro, mas aceitei o desafio. Organizei minha história e enviei. Agora o livro será lançado oficialmente em novembro, e quero estar lá para representar Novo Hamburgo”, contou orgulhosa.
A obra será vendida em formato físico e digital, e parte da arrecadação será destinada à realização de eventos voltados à valorização das mulheres guardas. “Esse livro é um registro de luta, de fé e de pertencimento. É sobre mulheres que enfrentam o preconceito e seguem firmes no propósito de proteger e servir”, destacou.
Uma voz que inspira
Sandra Regina se define como uma mulher de fé e propósito. Mesmo aposentada, continua atuando em causas sociais e no fortalecimento do Coletivo Pretas. “Não estamos aqui para competir, mas para somar. Mulheres e homens juntos, pela igualdade e pelo respeito”, afirmou.
Sobre o futuro, ela garante: “Quero seguir contribuindo, seja na política, na comunidade ou na cultura. Novo Hamburgo me acolheu, e eu quero continuar devolvendo à cidade tudo o que ela me deu.”
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Entrevista para o programa Conversa de Peso, com Rodrigo Steffen.
