Essa é uma das possíveis medidas de retaliação, com base na Lei de Reciprocidade Econômica, avaliadas pelo governo brasileiro. Mas, como funciona a licença compulsória de medicamentos e por que ela não representa uma quebra de patente?
Após o anúncio dos Estados Unidos de que aplicará tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, o governo federal estuda medidas de retaliação com base na Lei de Reciprocidade Econômica. Uma das possibilidades seria a concessão de licenças compulsórias de medicamentos fabricados por empresas estadunidenses. Para esclarecer o tema, a especialista Fernanda Rauter, com mais de 15 anos de atuação em propriedade intelectual e diretora da VILAGE Marcas e Patentes, empresa com atuação no Vale do Sinos, detalhou o que é de fato permitido por lei e desmistificou o conceito de quebra arbitrária de direitos, ou a “quebra de patente”.

Segundo Fernanda, o termo mais apropriado e juridicamente correto não é “quebra de patente”, como vem sendo popularmente citado, mas sim licença compulsória. Trata-se de uma medida prevista em lei, tanto no Brasil quanto em tratados internacionais, que permite ao governo autorizar o uso de uma patente sem o consentimento do titular em situações específicas.
“A licença compulsória pode ser usada em casos de interesse público, emergência nacional ou outras situações excepcionais, sempre com critérios técnicos e legais bem definidos. O titular da patente não perde seus direitos e continua recebendo remuneração justa pelo uso da invenção”, explica a especialista.
Fernanda destaca que uma patente é um direito exclusivo temporário concedido ao inventor de uma nova tecnologia, produto ou processo. Esse direito garante retorno sobre o investimento em pesquisa e inovação, estimulando o avanço científico e industrial. No entanto, a legislação prevê exceções quando o interesse coletivo se sobrepõe.
Exemplo brasileiro: o caso do Efavirenz
A especialista lembra que o Brasil já utilizou esse mecanismo no passado. Em 2007, o governo federal emitiu licença compulsória para o Efavirenz, medicamento usado no tratamento do HIV. “Foi uma decisão estratégica para ampliar o acesso à população. O governo tentou negociar com o detentor da patente e, ao não chegar a um acordo, passou a importar o genérico de países autorizados, pagando royalties ao titular da patente original”, comenta Fernanda.
Segundo ela, esse é um exemplo concreto de que a medida, quando bem aplicada, pode ser efetiva, legal e justa — sem ferir os princípios da propriedade intelectual.
Medida legítima, não política e muito além da quebra de patente
Diante da repercussão sobre uma possível retaliação ao tarifaço imposto pelos EUA, Fernanda reforça que a licença compulsória não é uma ferramenta automática nem uma manobra política. “Ela exige embasamento legal, avaliação técnica e respeito ao direito do titular. É um instrumento legítimo, mas precisa ser tratado com responsabilidade, sob pena de gerar insegurança jurídica e prejudicar o ambiente de inovação no país.”
A diretora da VILAGE alerta também para o uso indevido do termo “quebra de patente”, que pode gerar desinformação. “Não se trata de confisco ou anulação do direito. A empresa ou inventor continua sendo reconhecido como titular da patente e deve ser remunerado pelo seu uso”, enfatiza.
Entenda o que é propriedade intelectual
A propriedade intelectual abrange os direitos legais sobre criações humanas, como invenções, marcas, obras artísticas e produtos culturais. No Brasil, ela é regulada principalmente por duas leis: a Lei da Propriedade Industrial (nº 9.279/1996), que trata de patentes, marcas, desenhos industriais e indicações geográficas, e a Lei de Direitos Autorais (nº 9.610/1998), que protege músicas, livros, filmes, entre outras obras intelectuais.
Empresas como a VILAGE, com atuação regional e nacional, são responsáveis por assessorar inventores, artistas e empreendedores na proteção de seus direitos, garantindo reconhecimento e retorno financeiro pelas suas criações.
No cenário atual de tensão comercial entre Brasil e Estados Unidos, é essencial compreender os instrumentos legais disponíveis e seus limites. A licença compulsória, esclarece a especialista do Vale do Sinos, é uma medida séria, respaldada por lei, e que deve ser usada com critério. A discussão também evidencia a importância da educação em propriedade intelectual e do fortalecimento de um ambiente que estimule a inovação com segurança jurídica e responsabilidade social.
Com informações de Gustavo Tamagno Martins.
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