Por Carmen Neusa Oliveira Félix
Entre os dias 16/10 e 09/11/2007 realizei um dos maiores e supostamente inalcançáveis sonhos da minha vida: um roteiro pela Europa. Portugal, Espanha, França, Alemanha e Itália vistas com muitos detalhes, em longos dias (que ao final parecem curtos). Minhas anotações pessoais no diário, combinadas com as fotos que tirei de toda a viagem estarão publicadas em pequenos capítulos nas próximas semanas.
Tenho a certeza de que não se trata de algo assim tão inovador, mas fica o registro de um olhar pessoal sobre todas as cidades por onde passei.
17/10/2007 – Chegada a Lisboa
Ver amanhecer sobre o Atlântico, chegando à costa de Portugal, é algo para não esquecer. Estava chegando ao lugar de onde partiram há 500 anos os navegantes que inaugurariam a costa brasileira.
O estuário do Tejo visto de cima, emociona; o Cabo da Roca, ponto extremo do continente europeu, avança Atlântico adentro, como a cabeça de um animal ávido querendo libertar-se; o imenso porto com seus armazéns de estocagem, seus estaleiros, suas embarcações de alto calado, tudo novidade a meus olhos de colona latino-americana.
18/10/2007 – Inauguramos Lisboa visitando o palácio de Queluz, residência dos reis, onde encontrei as pontas de ligação das vidas de D. João VI e D. Pedro I, que lá concluíram seus reinados. Há um painel onde D. João VI aparece subindo ao céu, levado pelos anjos, ainda prosaicamente vestido com sua indumentária real.
Este primeiro contato com uma moradia real deu-me também a impressão da promiscuidade que deveria ser a vida das famílias da corte, pois embora com aposentos exclusivos, todas as pessoas eram obrigadas a passar por dentro de um aposento para chegar a outro, e eram forçadas a se encontrar, mesmo os desafetos, quais fossem, as rainhas e as amantes dos reis, os filhos legítimos e os bastardos…
Banheiros? Nem pensar! Acho que todos os banhos eram de ofurô…
Ainda neste dia visitamos os arrabaldes de Sintra, Cascaes e Estoril, que nos dão a visão da antiga arquitetura européia, com vetustos torreões e sacadas guarnecidas de gradarias que são obra de artesãos locais.
O palácio de Sintra, no topo de um elevado monte favorece a visão de toda a vasta extensão do porto e do litoral lisboeta, tendo sido um dos bastiões de defesa do território português.
No Estoril, o cassino, com sua profusão de luzes, nos lembra que estamos num país que vive do turismo… e que, afinal, o jogo é um dos grandes recursos desta área.
À tarde saímos rumo aos bairros de Belém e da Ajuda. A visão de um aqueduto, ao vivo, sem ser num livro de História, causou-me a maior sensação. Remanescente do império romano, 20Km de extensão, ele avança entre as pontes e elevadas tão monumentais e utilitárias modernamente quanto ele o foi nos primórdios da história do continente.
O bairro de Belém, à beira do Tejo, onde este se alarga e amplia sua navegabilidade, apresenta não só a célebre Torre, mas também uma réplica do avião em que Gago Coutinho e Sacadura Cabral atravessaram o Atlântico pela primeira vez em 1922, rumo à costa americana.
Uma ponte atravessa este ponto do Tejo, caracterizada pelo duplo trânsito: no vão inferior uma autovia, e no vão superior uma ferrovia.
O Monumento aos navegadores consiste num grupo escultórico em que a proa de uma Caravela projeta-se sobre o rio e onde aparecem as figuras dos vários navegadores portugueses que lançam olhos sobre o horizonte.
Tudo é memória neste sério país de nossos pais históricos. Lástima que não tenhamos herdado nem o elegante gene da memória nem o conveniente gene da seriedade.
No bairro da Ajuda a arte maiolica com os frontispícios dos sobrados azulejados, com sacadas floridas numa agradável conjugação visual para as câmeras dos turistas.
A antiga Escola de Cavalaria dos nobres, que ainda conserva o mesmo piso todo marcado das patas eqüinas, foi transformada em museu dos coches. Guardam-se coches de todos os nobres, príncipes e princesas, cada um com seu estilo, sua beleza, suas insígnias. O estilo vai do sóbrio, do clássico, aos arrebites dourados de um requete-barroco-rococó.
Daí fomos para o Mosteiro dos Jerónimos, prédio Manuelino do séc. XVI. Manuelino é o estilo que envolve o gótico intercalado por motivos de navegação, velas, mastros, lemes e as cordas dando acabamento todos os detalhes. O prédio aponta várias torres em agulha para o céu, e é de um detalhamento de pedras rendadas que beiram o delírio.
A capela dos Jerónimos foi mandada construir pelo rei D. Manuel para festejar o descobrimento do Brasil, e nela estão enterrados o rei e todos os seus familiares.
Em toda parte aonde vamos, em Portugal, deparamos com grupos de estudantes visitando os monumentos e os prédios antigos e ouvindo sua história, absorvendo a importância de sua herança cultural. Então consideramos que um povo que é educado naquela consciência de preservação de seus tesouros ancestrais não pode ser mesmo um povo irônico, superficial e desinteressado de seu passado e de seu futuro. A consciência de ser nação é tão poderosa e coletiva que sobrepõe-se a qualquer ideologia.
E nos sobrevém a terrível constatação: somos muitos verdes, nós os americanos.
19/10/2007 – Hoje fizemos um passeio por Óbidos, Nazaré, Alcobaça e Fátima.
Óbidos é um povoado medieval cercado de muralhas e tem só duas ruelas que o atravessam. Tem 600 habitantes. Muitas sacadas floridas e as incríveis lojinhas de artesanato e cerâmica com as paredes cobertas até o teto de peças coloridas, cada qual mais desejável que a outra.
Alcobaça é um nome retirado da junção de dois rios: Alca e Baça. Na Basílica desta pequena cidade estão enterrados D. Pedro I (de Portugal) e D. Inês de Castro – “A que depois de morta foi rainha” – como cantou Camões. De acordo com a vontade do rei, ambos foram enterrados com os pés voltados um para o outro, para ressuscitarem juntos, e um ver ao outro ao levantar.
Nazaré – Lugar famoso pelas aparições da Virgem. Fica no alto de uma montanha e tem um funicular para servir à população.
Fátima – Lugar onde apareceu a Virgem para os três pastores: Lúcia, Bernardo e Jacinta. Fátima, como Lourdes, vive exclusivamente do comércio das coisas simbólicas da santa: rosários, medalhas, imagens, chaveiros, estátuas e o que mais se puder imaginar. No local da basílica há um imenso conglomerado de construções em torno do local das aparições, que era originalmente a “gruta da Iria”. Vêem-se pessoas de todas as idades, de todas as origens pagando suas promessas, andando ajoelhadas em torno da Basílica.
