Por: Larissa Brito
Conhecida pelo seu DNA calçadista, a região avança a passos largos para se consolidar como um importante Vale da Saúde
Ao longo das edições, estamos mostrando todo o potencial criativo e econômico da região. Um Vale pulsante e com uma vertente empreendedora muito forte. São vários os setores da economia que despontam. E um deles é importante não só pelas cifras que movimenta, mas também pelo serviço fundamental que é oferecido à população: o setor da saúde. A região é sede de operadoras de saúde, abriga complexos hospitalares, instituições de saúde quase centenárias e duas universidades que formam centenas de profissionais da saúde por ano. O Vale do Sinos consegue unir a tradição ao que há de mais novo e tecnológico na assistência e saúde, destacando-se também na formação de novos profissionais.
Com recursos próprios e oferecendo até o que há de mais complexo no cuidado, não é exagero dizer que a região é um polo de saúde. De acordo com o superintendente de Mercado da Unimed Vale do Sinos, Ronaldo Liota, esse destaque se dá pelo perfil econômico da região. “O Vale do Sinos se destaca economicamente devido à diversidade industrial e comercial, empreendedorismo, inovação, educação de qualidade e infraestrutura eficiente, além de uma força de trabalho qualificada. Esses elementos formam a base para o crescimento e pujança econômica, estimulando e motivando o empreendedorismo na região”, afirma.
Além das centenas de profissionais formados todos os anos em cursos como Farmácia, Fisioterapia, Nutrição, Enfermagem, Psicologia, a Feevale e a Unisinos também contam, desde 2017, com cursos de Medicina que, inclusive, já formaram seus primeiros doutores. Com isso, além de ser um pólo na assistência em Saúde, a região também é referência na formação de profissionais, trazendo para a região estudantes do País inteiro, como a acadêmica de medicina Natacha Rocha, que veio do Maranhão, a mais de 3,6 mil quilômetros de distância, para estudar na Universidade Feevale e já realiza os primeiros atendimentos na Unidade Básica de Saúde de Canudos, em Novo Hamburgo.
Um ecossistema tão complexo também enfrenta seus desafios. Uma pesquisa recente realizada pelo Sebrae em parceria com a Feevale mostra que um dos principais problemas diz respeito à falta de digitalização no processo de compras e ao fornecimento de insumos para os prestadores de serviços da saúde. De acordo com a Especialista em Estratégia e Competitividade de Empresas do SebraeRS, Ana Paula Rezende, através dos dados, a instituição planeja atuar no fortalecimento destes pontos a partir de 2024. “Vamos priorizar as dores com olhar estratégico, para melhoria de desempenho dos pequenos negócios na região”, garante.
Um diagnóstico da região
Um mapeamento do setor da Saúde no Vale do Sinos foi feito pela Universidade Feevale a pedido do SebraeRS. O estudo, que teve início em agosto de 2022, buscou identificar os problemas do setor e as oportunidades de negócios.
A pesquisa foi realizada em duas etapas. Inicialmente, foram ouvidos os principais hospitais públicos e privados de 12 municípios do Vale do Sinos. Na sequência, as informações foram cruzadas junto a um universo de cerca de 900 micro e pequenas empresas que atuam na cadeia de fornecedores do setor.
O estudo identificou a cadeia de abastecimento para os grandes players da região, com foco nas dificuldades dos fornecedores de menor porte, como conta a coordenadora da pesquisa e professora da Feevale, Carla Adam. “Fizemos algumas descobertas interessantes. Identificamos que a dinâmica de suprimento de área da saúde está muito centrada em plataformas digitais. Essas plataformas funcionam intermediando a relação entre compradores e fornecedores. Através do recurso, comparamos dois hospitais públicos.
No primeiro, que não usa a plataforma, nove pessoas trabalham na área de suprimentos. Já o outro hospital, que utiliza a plataforma e é administrado por um grupo hospitalar, apenas três pessoas fazem a gestão de cinco hospitais”, detalha.
Com o diagnóstico, é possível mapear uma rede de possibilidades de negócios, segundo a coordenadora setorial da Cadeia da Saúde do SebraeRS, Ana Paula Rezende. “Temos uma grande oportunidade de desenvolvimento local a partir do mapeamento e desenvolvimento de fornecedores. Para isso, precisamos pensar em algo diferenciado para o ecossistema de saúde com capacitações, desenvolvimento de fornecedores, parcerias públicas e privadas e com olhar em competitividade e inovação. Em 2024 trabalharemos com a articulação dos principais players da região e atuando nos pilares de gestão, compras, inovação, acesso a mercado e empreendedorismo”, afirma.
Esforço, determinação e um único objetivo: cuidar de pessoas
O dia da acadêmica de medicina Natacha Rocha, 25 anos, começa às 5h40. Ela aproveita a carona da colega enfermeira e, juntas, se deslocam para a Unidade Básica de Saúde de Canudos, no bairro hamburguense, onde realiza o internato, um estágio curricular obrigatório. Lá, a jovem que veio de Pinheiro, no norte do Maranhão, para estudar Medicina na Universidade Feevale realiza atendimentos.
Sem condições financeiras de pagar uma faculdade privada, Natacha tentou por duas vezes, sem sucesso, ingressar na Univesidade Federal do Maranhão. Foi na terceira tentativa que Natacha conquistou uma bolsa pelo ProUni na Feevale. “Eu só tentava Sisu e foi a primeira vez que tentei ProUnii. Eu me inscrevi pensando que não ia conseguir. Quando consegui, foi um surto coletivo em casa. No início, o pai apresentou um pouco de resistência, mas no dia seguinte ele já estava organizando minha vinda para cá”, lembra.
Ao chegar aqui, Natacha demorou para conseguir se organizar emocionalmente, por estar longe de casa, e também financeiramente. Embora não tenha os custos da mensalidade da faculdade, a jovem sentiu que estava sobrecarregando os pais com os custos de morar aqui. Arrumar um emprego era um desafio, já que por causa dos horários das atividades universitárias, o único turno disponível era à noite. Foi assim que Natacha mandou currículo para a tradicional hamburgueria Mandinho Burguer, localizada em Novo Hamburgo.
Atualmente, a rotina da futura médica se divide entre os atendimentos na UBS Canudos, as salas de aula e laboratórios da Feevale e a hamburgueria. Uma carga horária pesada, já que trabalha até 0h30 no caixa do estabelecimento e, no outro dia, a maratona começa antes do nascer do sol.
Na unidade de saúde, Natacha trabalha sob o olhar atento do médico clínico-geral e preceptor da atenção básica da unidade, dr. André Duarte de Castro. “Ela veio fazer estágio na atenção básica no início de setembro e é uma menina bastante dedicada e demonstra uma determinação bastante grande. Ela é muito humana e preocupada com as pessoas. Às vezes é uma consulta simples, para trocar uma receita, mas ela transforma a consulta em bem mais que isso. Ela atende o ser humano como o todo”, elogia.
Toda essa dedicação é percebida também pelos pacientes que buscam atendimento na UBS de Canudos. Muitas consultas são de rotina, para acompanhar problemas crônicos ou pegar receitas de uso contínuo. O jovem Gian Robson Canha Vieira, de 30 anos, está fazendo acompanhamento para cuidar de algumas dores de cabeça e questões relacionadas ao sono. “Ela é muito atenciosa. Conversa com a gente, tenta entender tudo. É a primeira vez que que passo com ela, mas gostei muito”, conta. Antes de recomendar algum tratamento ou exame, Natacha procura o seu preceptor e ele avalia a conduta da estudante diante do caso. Só com a aprovação dele, o paciente é liberado.
Durante a graduação, Natacha pôde experimentar algumas áreas da medicina e se apaixonou pela medicina de família e comunidade. “É uma uma área tão importante da saúde e ainda é tão desvalorizada e com baixa procura. Precisamos entender que é através da atenção básica que os pacientes ingressam no Sistema Único de Saúde”, frisa.
Natacha conta que já tem planos para depois que se formar. “Eu quero voltar para o Maranhão. Acredito que posso contribuir muito com a saúde de lá com tudo que estou aprendendo aqui.
Armazenamento de tecido e prevenção
Que tecnologia e saúde são aliados não é novidade para ninguém, mas o que talvez você não saiba é que o primeiro Banco de Sangue de Cordão Umbilical com laboratório de Criopreservação no Sul do País e único no Rio Grande do Sul fica no Tecnosinos, em São Leopoldo. O Hemocord coleta células e tecidos que possuem um potencial para tratamentos de diversas doenças. Esses materiais normalmente são coletados na hora do parto, como explica a fundadora e diretora Geral do Hemocord Biotecnologia, Karolyn Sassi Ogliari. “Coletamos, no momento do parto, o sangue contido no cordão umbilical e na placenta, o próprio cordão umbilical e a membrana amniótica. Em adultos, processamos e armazenamos medula óssea para tratamentos de doenças do sangue, e sêmen para futuros tratamentos de fertilidade”, detalha.
Através destes materiais é possível tratar doenças do sangue em que é necessário realizar um transplante de medula óssea, como leucemias, linfomas, doenças imunológicas, entre outras. São em torno de 80 doenças tratáveis atualmente com o sangue de cordão umbilical. Os custos da coleta variam de R$ 2,4 mil a R$ 6,5 mil, dependendo de quais materiais e serviços serão contratados. Esses valores incluem a coleta, o processamento, o congelamento e o armazenamento do primeiro ano. A partir do aniversário de um ano do bebê, há o pagamento de uma anuidade que gira em torno de R$ 700.
Investimento, assistência e empregos
Com investimento de cerca de R$ 400 milhões, em março de 2023 a Unimed Vale do Sinos inaugurou seu Complexo Hospitalar. A estrutura conta com duas torres de serviços dedicados à saúde, localizados em Novo Hamburgo, e com o hospital de São Leopoldo. Ao todo, são 251 leitos que atendem aos beneficiários dos 11 municípios que compreendem a área de abrangência da Unimed VS, mas também para clientes de outros planos de saúde e atendimentos particulares.
Um dos diferenciais da operadora é, justamente, ter a sua própria rede de atendimento, de acordo com a superintendente de Serviços Próprios Júlia Bohrer Habigzang. “Temos a característica de oferecer os nossos próprios atendimentos. Entendemos que oferecendo o nosso atendimento, conseguimos gerenciar melhor os recursos e a qualidade dos serviços prestados. Nosso objetivo é ser referência naquilo que fazemos”, destaca.
Para que a estrutura funcione da forma correta, é necessário um grande investimento em mão de obra qualificada. Atualmente, a Unimed VS gera mais de 2 mil empregos diretos, que representa um aumento de 18%, como detalha o superintendente de Mercado da Unimed Vale do Sinos, Ronaldo Liota. “Esse avanço significativo foi impulsionado pela implementação bem-sucedida do nosso Complexo Hospitalar. Além disso, contamos também com 540 profissionais cooperados”, salienta.
Outro investimento em saúde está sendo feito pela Doctor Clin, que tem sua sede em Novo Hamburgo. As obras do Complexo Hospitalar Doctor Clin São Leopoldo devem iniciar em março de 2024 e o custo previsto é de R$ 200 milhões. A emergência terá estrutura para atendimentos adulto, pediatria, traumatologia e cirurgia. Já a unidade de internação terá 128 leitos ao todo.
Tecnologia à serviço da saúde
Um dos grandes destaques dessa estrutura da Unimed VS é o Robô Cirúrgico Da Vinci®. A primeira cirurgia com o Da Vinci®X foi realizada em abril deste ano e, de acordo com a superintendente de Serviços Próprios Júlia Bohrer Habigzang, o investimento de R$ 12 milhões valeu a pena. “Está sendo um sucesso! Estamos conseguindo vários benefícios para os pacientes. Um procedimento menos invasivo e com uma recuperação mais rápida”, comemora.
A tecnologia permite que as cirurgias sejam realizadas com precisão ainda maior, reduzindo os riscos no pós operatório e minimizando possíveis sequelas, principalmente em cirurgias urológicas. “Hoje, usamos principalmente nas cirurgias de câncer de próstata. É um procedimento que oferece um alto risco de sequelas pós-operatórias, como incontinência urinária e impotência sexual. Com o robô, se consegue ter um acesso muito refinado, reduzindo expressivamente o risco destas intercorrências” explica Júlia.
Além das cirurgias urológicas, o robô abrange diversas especialidades como oncologia, cirurgia geral, ginecologia e bariátrica, colorretal, torácica, cabeça e pescoço, entre outras. Os principais benefícios são a redução de dor no pós- -operatório, intervenção precisa no controle da doença, segurança e qualidade no cuidado e redução de infecções.
Excelência há mais de 90 anos
Fundado em 1930, o Hospital Regina foi idealizado e construído pela Congregação das Irmãs de Santa Catarina. A instituição se destaca como referência para o atendimento de casos de AVC e infarto agudo do miocárdio. Na atenção à saúde das crianças, oferece 43 leitos dedicados ao atendimento pediátrico pelo SUS – internação e UTI.
De acordo com a diretora de Operações do Hospital Regina, Patrícia Bohn, um dos maiores desafios é sempre superar e avançar na excelência do atendimento. “Aliar a constante atualização na área da saúde a um atendimento diferenciado com foco no paciente é algo desafiador. Desde agosto de 2022, o Hospital Regina se tornou integrante e avança no processo de Acreditação Hospitalar na metodologia canadense QMentum International™, certificação que comprova que uma instituição de saúde segue a rígidos protocolos de qualidade e de segurança do paciente, visando sempre o melhor atendimento, e conforme padrões de excelência e inovação”, frisa.
Repouso, cuidado e alto-padrão
Quando pensamos no cuidado daqueles que amamos e que, em algum momento, foram responsáveis pelo nosso cuidado, normalmente queremos oferecer o que há de melhor. O SerraVille nasceu para suprir com essa necessidade de mercado. O complexo que atrai hóspedes de todo o Brasil é conduzido pelo médico João Paulo Fischer e pela fisioterapeuta e mestre em geriatria Milena Sousa Fischer. Localizado em Dois Irmãos, o empreendimento mobiliza mais de 95 profissionais e é considerado a maior clínica geriátrica de alta complexidade do Sul do País.
Um dos grandes diferenciais do complexo é, justamente, a busca por um diagnóstico preciso, através de uma equipe multidisciplinar formada por médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, enfermeiros, entre outros profissionais, como destaca a dra. Milena Souza Fischer. “Apenas após um diagnóstico preciso compreendemos a situação de saúde e a condição clínica, assim podemos montar um plano de tratamento específico e individualizado para nosso paciente. Além disso, disponibilizamos uma estrutura montada com acessibilidade e tecnologia otimizando a segurança e bem-estar”, detalha.
Saúde mental em evidência
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgados em 2023 apontam que o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas, com o problema atingindo 9,3% da população. Já o Conselho Nacional de Saúde (CNS) alerta que uma em cada quatro pessoas no País sofrerá com algum transtorno mental ao longo da vida. Diante destes números, espaços voltados à saúde mental são cada vez mais importantes.
Inaugurada em março, a Ala das Safiras do Hospital Sapiranga ajuda a preencher a lacuna de espaços voltados para o cuidado mental e emocional na região. São 16 leitos, destes seis são para convênios e privados, e 10 são leitos SUS. De acordo com a gerente assistencial do Hospital Sapiranga, Eliane Farias, o atendimento humanizado é um dos diferenciais da instituição. “Entendemos que é de extrema relevância oferecermos esse serviço para a nossa região. É um serviço muito diferenciado, focado na qualidade e segurança do paciente, mas especialmente centrado no acolhimento e na humanização, para que possam retomar as suas rotinas com qualidade de vida, dignidade e segurança.
Referência em atendimento oncológico
Referência no tratamento do câncer no Vale do Sinos há mais de 22 anos, a Oncologia Centenário tem papel importante para suprir alta demanda deste segmento na região. Em 2023, até o momento, já foram realizados tratamentos em 1.751 pacientes no setor de radioterapia e 1.844 na quimioterapia. Ao todo, a clínica atende pacientes de 21 cidades da região.
Um dos objetivos da instituição é proporcionar um atendimento humanizado e verticalizado, como destaca o fundador e diretor dr. Adalberto Broecker Neto. “A clínica é um sonho que eu sempre tive. Eu fui o primeiro oncologista clínico do Rio Grande do Sul. Sempre quis oferecer um atendimento humanizado para o paciente neste momento. As demandas do SUS representam 85% dos nossos pacientes, mas não há nenhuma diferença no atendimento oferecido para quem vem pelo SUS, seja do paciente de convênio ou do privado. Sempre gosto de dizer que podemos ter lado a lado uma pessoa humilde e um grande empresário da região e ambos receberão tratamento absolutamente igual”, orgulha-se.
Um polo na formação de novos profissionais do setor
Não é de hoje que o Vale do Sinos é referência na formação de profissionais da saúde. São centenas de profissionais espalhados pelo País formados pelas duas universidades da região: Feevale e Unisinos.
Recentemente, a região assumiu ainda mais a posição de polo com a implementação dos cursos de medicina nas duas instituições. As primeiras turmas ingressaram em 2017 e, na Feevale, já se formaram 19 médicos da primeira turma, em julho deste ano. E, em janeiro de 2024, se formarão mais 36. Já na Unisinos, foram 55 formandos em agosto e mais 64 em janeiro.
O modelo de formação dos novos profissionais passa também pelo preparo e capacitação para o uso das tecnologias na área da saúde, como destaca a diretora do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Feevale, Caren Mello Guimarães. “Tradicionalmente, o curso de Medicina é um dos mais procurados, o que não exclui os demais cursos nesta procura, visto que o cuidado à saúde precisa ser multidisciplinar. Outras frentes têm se tornado alvo na procura pelos cursos da saúde, visto que o avanço tecnológico que se deu nos últimos 20 anos, como cirurgias minimamente invasivas, robóticas e exames altamente qualificados, contribui para inserir esse profissional na área da saúde. Vale destacar que a tecnologia por si só não exclui o trabalho do profissional, pelo contrário, é necessário cada vez mais o cuidado humanizado e integralizado aliado ao avanço tecnológico”, observa.
Todos os anos, centenas de profissionais se formam nos mais variados cursos da área da saúde. Só na Feevale, a média é de 437 profissionais da saúde formados por ano nos mais diversos cursos como Biomedicina, Estética e Cosmética, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Nutrição, Medicina, Medicina Veterinária, Odontologia e Quiropraxia.
