Por Tiago Agostini
Ator, humorista, escritor, diretor e músico, com mais de 25 anos de atuação com comunicação através do teatro, palestras, treinamentos e ensino em entidades sociais.
Morreu. Ponto.
Ele estava ali, na sala, digitando furiosamente o que parecia ser a nova piada do século — ou, no mínimo, um parágrafo que finalmente faria sentido —, quando a notícia veio. Breaking News. Ele não tinha muita paciência com esses arroubos de anglofilia da televisão brasileira, mas era forçado a admitir que, no momento, o termo fazia um certo sentido. Algo havia se quebrado, de fato. A notícia chegou com a força de um soco na nuca, e a primeira coisa que ele fez foi parar de digitar. A tela, antes cheia de letras em ebulição, agora era apenas um retângulo vazio. E a parede branca à sua frente, um espelho da sua própria incredulidade.
Morreu. Ponto final. Morreu, e o que se faz agora? Liga para o Leandro? Chora? Manda uma mensagem de pesar para a família? A primeira coisa que ele pensou foi que a família não o conhecia, o que tornava a mensagem de pesar um tanto quanto pretensiosa, ou no mínimo estranha. Quanto a ligar para o Leandro… Bem, a conversa já estava ensaiada na sua cabeça, e ele sabia que seria o mesmo diálogo de sempre, direto, sem rodeios e sem emoção, quase como um código Morse.
— Viu que morreu?
— Vi.
— …Como estão as coisas?
— Bem.
— E aquele projeto?
— Pois é.
— …Um abraço.
— Outro.
O problema é que o morto não era só uma pessoa. Era uma presença. Era a garantia de que, no fim das contas, a vida não era só um grande tédio. Aquele sujeito tinha o dom de transformar o trivial em algo genial, de pegar a nossa vida ordinária e transformar em comédia. E agora, ele tinha ido embora. Um absurdo, pensou ele, morrer sem ter realizado o sonho de não morrer nunca.
O morto era um velho amigo, mesmo que nunca tivessem tomado um café juntos. Ele estava lá nos primeiros anos, naqueles livros didáticos que a gente finge que lê, Para Gostar de Ler, na terceira série. Depois, ressurgiu no teatro, com aquele espetáculo O Marido do Dr. Pompeu, que foi uma das primeiras peças que ele assistiu. Mas foi em O Analista de Bagé que a amizade se consolidou. A peça não era só uma peça; era um movimento. Era o que unia uma geração inteira de gente que queria fazer arte, queria fazer rir, e queria fazer barulho. Ele se lembrava de o morto ter assinado pessoalmente a autorização para a peça e, se a memória não o traía, talvez até tivesse respondido a um e-mail, anos depois. A letra parecia ser dele, pelo menos.
Agora, o morto estava morto. Que palavra esquisita, “morto”. Talvez por isso a brincadeira com o nome, “Ed Mort”, uma forma de rir da palavra no seu próprio universo peculiar. Mas, enquanto a gente aqui choraminga, as Cobras continuam cobras, a Mulher do Silva continua na redescoberta do amor em Paris, e as Comédias da Vida Privada seguem no seu mundo eterno, sem saber que o seu criador partiu. Naquela roda de pôquer da crônica, o grito “Ninguém sai, ninguém sai” ainda ecoa, a galinha ainda ri da decadência do Ocidente, e a mãe de Freud ainda é do Mário de Andrade, o que, convenhamos, continua sendo um mistério para a psicanálise e para a vida. Afinal, é como Shakespeare diria: a vida é um palco, e nós somos os atores. Só que, desta vez, um deles fez a sua última cena, e a cortina caiu. Luís, entregue um abraço ao Tchakaruga de Paranaguá.
Tiago Agostini escreveu esta homenagem a Luis Fernando Veríssimo no último sábado, 30 de agosto de 2025, dia da morte do escritor e cronista, um dos maiores gênios da literatura brasileira.
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