Enquanto o sonho do carro próprio segue vivo no imaginário dos brasileiros, o futuro da mobilidade urbana passa bem longe do incentivo ao transporte individual. Por décadas, os governos investiram em estradas e rodovias em detrimento ao transporte público como trens, metrôs e ônibus. Ao sucatear os outros modais, a população se viu refém de veículos próprios para garantir o deslocamento para o trabalho, a escola e os serviços básicos. E quem não tem renda para manter um carro fica ainda mais à margem do desenvolvimento econômico, sofrendo com um transporte público deficitário e ineficiente. No entanto, o futuro das cidades — e do país — passa, justamente, por um ajuste de rota.
Para o urbanista Daniel Caporale, mestre em Desenvolvimento Sustentável com quase 40 anos de experiência em desenvolvimento de cidades na América Latina e Espanha, a mobilidade de uma cidade não pode ser considerada um segmento isolado. Pelo contrário, é produto e consequência de uma boa organização do território urbano. “Não é apenas uma estratégia de engenharia de trânsito. Tem relação de como se entende a cidade, como se organiza sua ocupação e como se conecta para que possa ser uma mobilidade funcional ao que requer uma cidade”, defende.
Professor internacional em projetos urbanos e territoriais, Caporale defende que a mobilidade individual é a que mais gera insustentabilidade. E, mais do que isso, que as cidades são para pessoas e não para carros. “A essência da cidade é que as pessoas se encontrem. Com calçadas mais generosas e não como agora, quando se prioriza ruas e espaços para veículos”, critica.
Na mesma linha, Tiago Balem, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Feevale, defende o incentivo aos modais ativos, como caminhada e bicicleta. “As pessoas caminham pouco e usam muito carro. Os governos deveriam incentivar o contrário, dando condições para que as pessoas circulem pela cidade com segurança”, avalia.
Essa mesma visão é compartilhada por Caporale. Para o especialista, a mecânica aconselhada por ele é de concentrar parcialmente a cidade, de forma sustentável, e descentralizar funções, para que as pessoas não tenham que se deslocar grandes distâncias.
“A melhor estratégia é que a pessoa tenha que se deslocar menos, permitindo que ela tenha acesso ao que precisa ao redor. Já a descentralização de serviços, na questão de complementação de serviços, para que as pessoas só se locomovam quando precisam complementar algum serviço”, explica.
Mas para que isso se torne real, os poderes público e privado precisam se unir para começar essa transformação cultural, onde o transporte público e os modais ativos tenham status de destaque.