Natural de Novo Hamburgo, Kim Trieweiler é professor, pesquisador e fundador da Guilda — empresa dedicada aos estudos de futuros. Ele fala sobre inovação, comportamento e como preparar empresas e comunidades para o que está por vir.
Natural de Novo Hamburgo, Kim Trieweiler cresceu curioso, atento às mudanças e apaixonado por entender como as transformações moldam a sociedade. Hoje, é uma das vozes mais respeitadas no campo dos estudos de futuros no Brasil. Professor, pesquisador e fundador da Guilda, empresa especializada em metodologias de inovação e prospecção estratégica, Kim atua ao lado de organizações nacionais e internacionais como Ambev, Boticário, Microsoft, Sebrae, Nestlé, Natura, Klabin, Cyrela, Vale e Itaú, ajudando-as a compreender e antecipar desafios emergentes.
Em entrevista ao programa Conversa de Peso, da Vale TV, com Rodrigo Steffen, ele explicou como a observação científica de tendências pode transformar empresas, cidades e até a forma como as pessoas tomam decisões no dia a dia.
De Novo Hamburgo para o mundo
Filho de Adriana e Ubirajara, e casado com Laura, Kim Trieweiler formou-se em Comunicação e é mestre em Gestão de Negócios. Ao longo da carreira, atuou por seis anos na Start by WGSN, núcleo de tendências que apoiou mais de duas mil marcas no Brasil, e por quatro anos na Aerolito, onde foi diretor de pesquisa e desenvolveu metodologias próprias, como as Três Ondas do Impacto e Futures Listening.
Atualmente, é professor e coordenador de pós-graduação em Branding e Futuros na ESPM São Paulo e membro da World Futures Studies Federation (WFSF), entidade global que promove a pesquisa científica sobre o futuro. A trajetória o consolidou como um dos principais pensadores brasileiros da área — e um orgulho para Novo Hamburgo.
“A cidade me formou, de alguma forma. Novo Hamburgo é um território que precisa lidar com o seu passado e, ao mesmo tempo, pensar o seu futuro. Essa tensão constante me fez querer estudar o que vem pela frente”, contou Kim, destacando a importância de transformar o legado industrial e cultural da região em um laboratório vivo de inovação.
O que faz um pesquisador de futuros
“Quando me perguntam o que é um futurista, costumo responder que sou um pesquisador de futuros”, explica Kim. A escolha do termo no plural não é por acaso. “Não existe um único futuro. Existe um conjunto de possibilidades — e entender isso ajuda pessoas e empresas a tomar melhores decisões no presente.”
Ele compara o conceito ao “cone de possibilidades”: quanto mais distante o tempo, maior a incerteza. “É mais fácil prever o que vai acontecer daqui a cinco minutos do que daqui a dez anos. E é justamente nesse espaço de incerteza que a pesquisa em futuros atua”, explica.
A metodologia é científica, baseada em observação de sinais, cenários e tendências. “A gente não adivinha o futuro. A gente estuda as condições que tornam certos futuros mais prováveis que outros.”
Da Blockbuster à Netflix: o aprendizado das empresas que não se reinventaram
Durante a conversa, Kim citou exemplos clássicos para ilustrar a importância de antecipar mudanças. “A Blockbuster poderia ter sido a Netflix. Tinha os recursos, os clientes e o mercado. Mas não enxergou a transformação que já estava acontecendo. O mesmo aconteceu com a Kodak, que chegou a desenvolver a primeira câmera digital — e não acreditou na própria invenção.”
Esses casos servem de alerta. “As empresas precisam olhar para frente, mesmo quando tudo parece estar dando certo. O sucesso é perigoso, porque acomoda. E o futuro não espera”, destacou.
A Guilda e o pensamento sobre o amanhã
Com a Guilda, Kim Trieweiler coordena projetos que ajudam organizações a enxergar múltiplos caminhos possíveis. “O que fazemos é mapear futuros. Cada cliente tem uma demanda diferente: pode ser uma empresa de moda que quer entender as próximas tendências, ou uma instituição de ensino que deseja repensar a formação dos alunos para as próximas décadas.”
Segundo ele, o trabalho começa com a leitura de sinais — pequenos indícios de mudança que, somados, revelam padrões e tendências. “O nosso papel é traduzir esses sinais em estratégias. Assim, a empresa pode se preparar hoje para o que virá amanhã.”
Os resultados costumam ser surpreendentes. “Quando uma empresa começa a agir com base nesses futuros possíveis, ela evita o destino da Kodak e da Blockbuster. E, mais importante, passa a construir o futuro em vez de apenas reagir a ele.”
Pensar o futuro com responsabilidade
Kim defende que o pensamento sobre o futuro não deve ser guiado pela ansiedade tecnológica, mas por propósito. “Não é preciso correr atrás de toda novidade. Algumas tendências são só ‘hype’, modismos passageiros. O que realmente importa é entender quais inovações fazem sentido para o negócio, para o território e para as pessoas.”
Ele cita o exemplo dos debates sobre o trem de alta velocidade entre Porto Alegre e Gramado. “Pode parecer distante, mas é importante discutir, porque é assim que se começa a construir infraestrutura e conhecimento. O problema é quando se corre atrás de cada ideia nova sem planejar. Pensar o futuro é um exercício de serenidade e responsabilidade.”
Do pistache ao caju: quem define o futuro que consumimos?
Um dos exemplos mais curiosos trazidos por Kim Trieweiler é o fenômeno do pistache — ingrediente que, de repente, passou a aparecer em sobremesas, cafés, cosméticos e até roupas. “O pistache não virou tendência por acaso. Lá na Califórnia, produtores perceberam que teriam uma superprodução e começaram a financiar eventos e relatórios de tendência ao redor do mundo. Aos poucos, o pistache passou a ser apresentado como o sabor do futuro — e o mercado acreditou.”
Para ele, o caso ilustra como o futuro pode ser construído artificialmente. “As marcas compraram essa ideia e fizeram o pistache acontecer. A gente precisa se perguntar: por que o pistache e não a castanha de caju? Quem está construindo os futuros que acreditamos e consumimos?”
A provocação, segundo Kim, é um convite à autonomia. “Pensar futuros é o antídoto para aceitar passivamente o que nos vendem como inevitável. Quando refletimos sobre isso, passamos a ser protagonistas na construção do que vem pela frente.”
Futuro provável, possível e desejável
Entre as ferramentas que ele utiliza, uma das mais didáticas é o exercício de imaginar futuros prováveis, possíveis e desejáveis. “Todas as nossas decisões são baseadas em expectativas sobre o futuro — da escolha de uma profissão ao simples ato de lavar roupa. A diferença é que quase nunca pensamos conscientemente sobre isso.”
Segundo Kim, classificar cenários ajuda a tomar decisões mais equilibradas. “O provável é o que tem maior chance de acontecer; o possível é o que depende de variáveis; o desejável é o que queremos construir. Quando entendemos essa diferença, ganhamos clareza e podemos agir de forma mais estratégica.”
Um pensador do Vale do Sinos para o mundo
Mesmo com atuação internacional, Kim Trieweiler mantém uma ligação profunda com o Vale do Sinos. “É daqui que vem o olhar sobre o trabalho, sobre a coletividade, sobre o fazer. Acho que o que mais me inspira na região é a capacidade de se reinventar”, reflete.
Ele acredita que o futuro da região passa pela educação e pela inovação social. “Precisamos de pessoas que pensem os próximos passos das nossas cidades, não apenas os próximos meses. Se a gente quer um Vale do Sinos próspero e sustentável, temos que começar agora a planejar os próximos 30 anos.”