Poderia dizer que este livro é a história de uma mulher, em plenos anos 2000, que deixa seu emprego, para o qual se especializou muito, para cuidar da filha pequena e depois não consegue recolocação no mercado de trabalho, pelo menos não dentro de sua área. Mas, não é difícil imaginar o que se passa nas entrelinhas, todas as histórias dentro dessa história e as consequências para uma mulher. Kim Jiyoung, Nascida em 1982 (Editora Intrínseca) se passa na Coreia do Sul, mas poderia se passar em qualquer lugar, até mesmo, e mesmo no Brasil, pois o retrocesso, o preconceito e a misoginia parecem ressurgir a cada instante em todos os cantos. É uma obra importante dentro do universo da literatura coreana, que cada vez mais ganha força por aqui, para que se conheça a luta da mulher.
Kim Jiyoung foi criada para ser independente, estudou, morou na casa dos pais com todo o conforto para que pudesse cursar a faculdade e encontrar um trabalho à altura de seu sonho, ainda que tenha sido a mãe a “mola propulsora” da busca da independência da filha na maior parte das vezes. Mas não foi tão fácil assim, ela cresceu em uma sociedade que sempre priorizou o crescimento pessoal e profissional de filhos homens, não raro, as meninas da casa deveriam trabalhar para custear a formação dos irmãos, os homens.
E essa condição é bem clara na narrativa da escritora Cho Nam-Joo que aponta no texto dados de pesquisas bastante importantes para situar o leitor sobre a condição feminina na Coreia. E não estamos falando do século passado, estamos diante de uma história atual que se encerra no livro em 2016.
A vida da protagonista segue seu curso, ela conquista o emprego que desejava, mas no âmbito da empresa não só percebe como também passa a ser vítima de assédio sexual e psicológico, machismo e preconceito. Então, as mulheres precisam se superar a cada dia, sendo inclusive sobrecarregadas para que os colegas homens tenham sua energia poupada para lidar com os melhores clientes.
E vem o casamento, cheio de amor, paixão e planos. Um homem escolhido por Kim, e ela se sente feliz. Mas, ele é fruto da mesma sociedade em que ela foi criada e por mais que dê a impressão de se esforçar para estar ao lado da esposa e apoiá-la, ele cede às pressões por ter um filho, por ter a mulher em casa em tempo integral e até faz com que Kim acredite se tratar de uma situação temporária, é só esperar a filha crescer e logo Kim poderá voltar a ter a vida profissional e social de antes. É “só” um período de sacrifício.
Quando cheguei às últimas páginas deste livro, surgiu um sopro de esperança diante da revelação de quem narra a história. Achei um recurso interessante da escritora. E o fechamento da narrativa “casa” com o começo, com o que lemos no início do livro. Mas é daquelas narrativas que não se encerram no fechar do livro, até por causa da forma como ela acaba, merece, precisa, continuar a ser digerida. Pelas mulheres que aqui estão e pelas que virão.
Sobre a autora e o livro
Cho Nam-Joo é coreana, nasceu em Seul, na Coreia do Sul, e é ex-roteirista de TV. Para escrever esse livro, tomou por base sua própria história, a de uma mulher que largou o emprego para cuidar do filho e virou dona de casa. O livro foi traduzido para 18 idiomas e se tornou importante objeto de debates sobre discriminação e desigualdade de gênero.
Jornalista (www.temaspreferidos.com.br)