No programa Estação Hamburgo, historiadores discutiram, 201 anos depois, marcos, desafios e legados da chegada dos primeiros imigrantes germânicos, com foco especial em São Leopoldo, berço da colonização no Brasil.
Por que celebrar a imigração alemã? A resposta veio em forma de um rico debate no programa Estação Hamburgo, da Vale TV, que reuniu três estudiosos profundamente conectados com a história da região: os historiadores Sandro Blume, Rodrigo Trespach e Márcio Linck. No ar na sexta-feira, 25 de julho, a edição especial discutiu os 201 anos da chegada dos primeiros imigrantes alemães ao Brasil, celebrados neste mesmo dia, com destaque para a cidade de São Leopoldo — reconhecida como o marco inicial dessa trajetória no país.
O encontro, conduzido pelo apresentador Rodrigo Steffen, promoveu uma verdadeira aula sobre ancestralidade, cultura, território, contradições e resiliência. A transmissão teve como cenário o estúdio da Vale TV, em Novo Hamburgo, e foi exibida nos canais da Claro e nas plataformas digitais.
Clique na imagem abaixo para assistir ao programa Estação na íntegra, no YouTube da Vale TV:
A origem do 25 de julho
A escolha do dia 25 de julho como data oficial da imigração alemã tem raízes simbólicas, embora o desembarque dos primeiros colonos em São Leopoldo possa ter ocorrido antes — entre os dias 23 e 24 de julho de 1824. Segundo os historiadores, esse consenso surgiu posteriormente, principalmente com base nos registros do diretor da colônia, Hillebrand, que redigiu o famoso Códice C333.
Apesar das divergências documentais, os debatedores reforçaram que o mais importante é a memória simbólica que a data carrega: o início de um processo que influenciou fortemente a formação econômica, social e cultural do Rio Grande do Sul e do Brasil.
Conflitos e transformações sociais
A conversa destacou aspectos pouco abordados da imigração, como o impacto ambiental, os conflitos com povos indígenas e as tensões religiosas. A chegada dos alemães trouxe novos paradigmas: o modelo da pequena propriedade, a agricultura diversificada, o trabalho livre e a valorização da educação. Também causou atritos com populações já estabelecidas, como os indígenas e os luso-brasileiros.
“As transformações trazidas pelos colonos rompem com o modelo latifundiário e escravocrata que predominava. É o início de uma nova lógica de sociedade, que passa pela propriedade da terra, pela instrução formal e pelo trabalho familiar”, destacou Márcio Linck.
Da banha à schmier: economia e identidade cultural
Sandro Blume, que lançou recentemente um livro sobre Presidente Lucena, lembrou que a subsistência dos primeiros anos foi dura, com moradia improvisada e alimentos cultivados apenas para o consumo imediato. Com o tempo, produtos como o feijão e, sobretudo, a banha de porco — o “ouro branco” da época — tornaram-se bens valorizados. O debate também passeou pela tradição da chimia e dos armazéns rurais, locais de convivência entre gaúchos e imigrantes, símbolos de uma miscigenação cultural que ainda marca a região.
Uma cidade cosmopolita
São Leopoldo foi retratada como uma cidade com identidade múltipla. De berço da imigração alemã em seus 201 anos a polo industrial, a cidade absorveu ao longo dos anos outras etnias e dinâmicas sociais. A presença de quartéis, a chegada de indústrias e a oferta de educação e energia elétrica tornaram São Leopoldo um centro de atração para moradores de diversas origens.
“Hoje, mais de 70% da população leopoldense não nasceu na cidade. O desafio é equilibrar o reconhecimento da herança germânica com a valorização da diversidade étnica e cultural que compõe essa São Leopoldo contemporânea”, observou Linck.
Comemorar e refletir os 201 anos
O bicentenário da imigração, celebrado em 2024, foi impactado pelas enchentes e pela falta de uma coordenação estadual, segundo os debatedores. Apesar de muitas iniciativas locais, faltou um esforço mais articulado. Em contrapartida, cidades menores como Dois Irmãos e Presidente Lucena mostraram mobilização e criatividade nas festividades.
Rodrigo Trespach lamentou a ausência de apoio mais efetivo da Alemanha na preservação de marcos históricos como a Casa da Feitoria, em São Leopoldo, e reforçou a importância de estudar a história regional: “Compreender o passado ajuda a entender os dilemas do presente e construir o futuro com mais consciência.”
Caminhos para o futuro
O programa terminou com um convite à reflexão e à ação. Valorizar a cultura alemã não exclui outras etnias — pelo contrário, fortalece o reconhecimento das identidades que compõem o Vale do Sinos. Criar calendários de eventos que contemplem diferentes histórias, ampliar o conhecimento histórico nas escolas e fortalecer museus e centros culturais são caminhos apontados para as próximas gerações.
“Conhecer, respeitar e celebrar a diversidade é o que dá sentido à nossa história regional. Que os próximos aniversários da imigração alemã nos encontrem mais conectados, informados e integrados”, finalizou Rodrigo Steffen.
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Debate realizado no dia 25 de julho no programa Estação Hamburgo, apresentado por Rodrigo Steffen.