Historiador gaúcho alerta para o apagamento da memória histórica e cobra valorização do legado imigrante no Brasil.
Em tempos de crise social, desinformação e catástrofes climáticas, entender o passado nunca foi tão urgente. Foi com esse espírito que o historiador Rodrigo Trespach participou do programa Estação Hamburgo, exibido pela Vale TV no dia 4 de julho de 2025, para um diálogo profundo sobre história, memória, identidade nacional e os desafios da preservação cultural. Com vasta trajetória em pesquisas sobre o Brasil imperial e os processos migratórios, Trespach apresentou um diagnóstico crítico — e necessário — da relação do Brasil com sua própria história.
Ao longo da conversa conduzida pelo apresentador Rodrigo Steffen, o historiador — natural de Osório — abordou temas como o lançamento de seu mais recente livro , pela Globo Livros, os 200 anos da imigração alemã no Litoral Norte do Brasil, a história do padre Jorge Annecken, fundador da Sicredi Caminho das Águas, o apagamento institucional da memória imigrante, os vínculos esquecidos entre o Brasil e casas reais europeias, além das consequências sociais e políticas de um país que desconhece ou negligencia suas origens.
O império e os Habsburgo

Durante o programa, Rodrigo Trespach apresentou detalhes de seu livro mais recente, que explora as conexões entre o Brasil e as famílias reais europeias, os Bragança e, especialmente, os Habsburgo, que dominaram parte da Europa por séculos e estiveram ligados à formação do império brasileiro por meio de Dona Leopoldina.
O livro é dividido em duas partes: a primeira trata da dinastia Habsburgo na Áustria e sua influência na Europa Central; a segunda, os Bragança e a aplicação dessa linhagem à formação do Brasil. No programa, Trespach trouxe aspectos curiosos como as ordenações filipinas e seu legado no brasileiro. “A ideia é tornar essa história acessível, com linguagem simples, para que todos compreendam como somos resultado de processos históricos e políticos internacionais.”
Uma nação sem memória
Trespach criticou o ensino superficial da história nas escolas e a ausência de iniciativas públicas consistentes. “Ainda ensinamos que o verde e amarelo da bandeira representa matas e ouro, o que é uma meia-verdade. As cores remetem às casas reais de Bragança (verde) e Habsburgo (amarelo), ligadas a Dom Pedro I e Dona Leopoldina. Mas esse dado nem sempre é explicado.”
Segundo ele, compreender a origem das instituições, da linguagem e dos símbolos nacionais é essencial para formar cidadãos conscientes. “Portugal é o pai do Brasil. Nossa matriz jurídica, religiosa e linguística vem dali. Negar isso ou ensinar com superficialidade é rasgar as raízes do país.”
O bicentenário que passou em branco
Segundo Rodrigo Trespach, as comemorações pelos 200 anos da imigração alemã em 2024 foram impactadas pelas enchentes devastadoras no Rio Grande do Sul, especialmente na região do Vale do Sinos. Mas os problemas começaram bem antes. “Mesmo antes da tragédia climática, já se percebia um desinteresse institucional. As celebrações aconteceram de forma pontual, sem articulação nacional ou estadual, muito aquém do que o tema merecia”, criticou.
Essa falta de mobilização, para o historiador, reflete a maneira como o Brasil encara sua própria história: com descaso. “O país valoriza pouco seus historiadores, museólogos, pesquisadores. Não é à toa que cometemos os mesmos erros, década após década”, observou.
Ele cita o exemplo da Casa do Imigrante, que permanece deteriorada em São Leopoldo. “É simbólico que, mesmo no bicentenário, não tenha havido esforço para restaurá-la. A Alemanha ajudou a reconstruir o Museu Nacional, mas ignorou esse patrimônio. Falta diálogo e sensibilidade dos dois lados.”
A escolha errada: história das enchentes e da ocupação do Vale
Outro momento marcante da conversa foi quando o historiador relembrou a fundação da colônia de São Leopoldo. Trespach resgatou documentos de 1825 que mostram que a escolha original do Visconde de São Leopoldo era instalar a colônia em uma área elevada, a Kayserwald, região do atual Parque Floresta Imperial, em Novo Hamburgo. A decisão foi alterada por interesses políticos e financeiros, deslocando a ocupação para áreas próximas ao rio dos Sinos, na região central de São Leopoldo, suscetíveis a alagamentos.
“Esse erro é histórico. Já sabiam que o local era inadequado. Está registrado em cartas oficiais da época. E hoje pagamos o preço. Mais um exemplo de como o desconhecimento da história contribui para tragédias atuais”, alertou.
O porto que (ainda) não foi: Torres e o litoral esquecido

A entrevista também abordou outro projeto visionário do Visconde de São Leopoldo: a construção de um porto próximo de Torres, no litoral norte gaúcho, para escoamento da produção e aproximação com a então capital imperial, o Rio de Janeiro. A proposta nunca saiu do papel, mas revela o potencial estratégico do litoral e a falta de visão dos sucessores do projeto. Atualmente se discute a implantação do Porto Meridional, em Arroio do Sal, com previsão de início das obras no primeiro semestre de 2026.
“Estamos falando de 200 anos atrás. Mesmo sem tecnologia, o projeto era mais sustentável e eficiente do que muitas decisões que tomamos hoje. A história mostra caminhos. Basta ouvir”, destacou Trespach.
A história da colonização do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, que celebra seu bicentenário em 2026, deve ser objeto da próxima obra do escritor, que tem ainda em seus estudos para outro livro a vida do padre Annecken, fundador da Sicredi Caminho das Águas, e cuja pesquisa segue sendo realizada aqui e recentemente na Alemanha.
Rodrigo Trespach e o conhecimento histórico como cidadania
Para Rodrigo Trespach, a história é um processo, e o conhecimento desse processo é o que permite avançar com menos erros. “A repetição é inevitável quando não se compreende o passado. A leitura e a educação histórica são ferramentas fundamentais para o exercício pleno da cidadania.”
Ele reforçou a importância da valorização da história local: “Não se trata apenas de império ou imigração, mas de entender a história do bairro, da cidade, do seu povo. A identidade começa aí.”
Debate realizado no dia 04 de julho de 2025 no programa Estação Hamburgo, apresentado por Rodrigo Steffen.
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