Pesquisadora da Feevale e referência nacional em gerontologia, Geraldine Alves coordenou o diagnóstico da pessoa idosa em Novo Hamburgo e defende que envelhecer bem depende de laços sociais, saúde mental e políticas públicas permanentes.
Natural de Porto Alegre e com uma trajetória consolidada no ensino, na pesquisa e na formação de profissionais, a psicóloga Geraldine Alves dos Santos é hoje uma das principais referências em gerontologia social no Brasil. Professora da Universidade Feevale, mestre e doutora em Psicologia, com pós-doutorado pela PUC-RS, ela coordena o Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Gerontologia, que se tornou um dos espaços mais respeitados do país na produção de conhecimento sobre envelhecimento e longevidade. Em entrevista ao programa Conversa de Peso, da Vale TV, com Rodrigo Steffen, Geraldine falou sobre o diagnóstico situacional da pessoa idosa em Novo Hamburgo, discutiu as mudanças culturais sobre o envelhecer e alertou: “Precisamos preparar nossas crianças e jovens para o envelhecimento que começa no nascimento”.
A curiosidade que virou vocação
Desde pequena, Geraldine Alves sabia que seu olhar era voltado às pessoas. “A curiosidade de entender como o ser humano funciona sempre me acompanhou. Eu queria compreender as motivações, as necessidades e ajudar as pessoas a se descobrirem. E nesse processo, a gente também se descobre”, contou.
A psicologia entrou em sua vida de forma natural, mas a gerontologia — o estudo do envelhecimento — surgiu como paixão durante os estágios da faculdade. “Quando comecei a atender pessoas mais velhas, percebi que havia pouco material e quase nenhuma formação sobre esse público. A psicologia parava na meia-idade e pulava direto para a morte. Faltava estudar tudo o que acontecia nesse intervalo”, recordou.
Seu orientador de mestrado a incentivou a abrir caminho para um novo campo de estudo: a psicogerontologia, área que une o cuidado emocional, o olhar clínico e a pesquisa sobre o processo de envelhecer. “Ele me disse: ‘Você trabalha bem com idosos, e isso é raro. Vamos abrir um novo espaço na psicologia’. E foi o que fiz”, contou Geraldine.
Envelhecimento é desenvolvimento
Para a pesquisadora, a sociedade precisa abandonar o olhar limitado sobre a velhice. “Quando falamos em envelhecimento, estamos falando de todo o ciclo de vida. Desde o nascimento, já começamos a envelhecer”, afirma.
Ela defende o uso de novos termos — como ‘adultez avançada’ em vez de “terceira idade” —, para romper com estigmas. “Essas nomenclaturas carregam preconceitos e criam expectativas perversas. A sociedade vive colocando as pessoas em caixinhas: o bebê, o adolescente, o adulto, o velho. Isso gera cobrança e culpa, como se o envelhecimento fosse um erro.”
Geraldine prefere falar em “desenvolvimento e envelhecimento”, processos que acontecem simultaneamente. “Enquanto nos desenvolvemos, também envelhecemos. E precisamos entender isso como algo natural, contínuo e humano.”
Longevidade e cultura no Rio Grande do Sul
A doutora percorreu o Estado em suas pesquisas, comparando perfis culturais de envelhecimento em cidades de origem alemã, italiana e portuguesa. “Cada grupo envelhece de forma diferente. Uns são mais disciplinados, outros mais comunitários, outros mais familiares. O importante é a capacidade de resiliência, algo muito presente no nosso povo gaúcho.”
Ela cita Veranópolis, conhecida como “Terra da Longevidade”, onde realizou parte de seu doutorado. “Lá, as pessoas vivem mais, mas também vivem melhor. A longevidade é fruto de uma combinação de fatores: alimentação, vínculos sociais, espiritualidade e um ritmo de vida mais equilibrado.”
Geraldine também destaca que a região do Vale do Sinos, especialmente cidades como Novo Hamburgo, Ivoti e Dois Irmãos, compartilha características semelhantes. “Temos aqui uma comunidade com fortes vínculos familiares e sociais, o que favorece o envelhecimento saudável. É uma região especial para viver — e envelhecer.”
Vinho, genética e o segredo da longevidade
Um dos temas mais curiosos da entrevista foi o debate sobre o papel do vinho na saúde dos idosos. “O vinho pode ser benéfico em pequenas quantidades, especialmente o tinto, por conter resveratrol, substância que ajuda a reduzir o estresse oxidativo — um dos fatores que levam a doenças degenerativas e demências”, explicou.
No entanto, ela faz um alerta: “O álcool pode causar mais mal do que bem quando existe predisposição ao vício. Para alguns, até uma taça diária já é problema.”
Geraldine Alves lembra que o suco de uva oferece os mesmos benefícios sem os riscos do álcool. “O importante é manter uma alimentação equilibrada, atividade física e tranquilidade mental. O estresse psicossocial é hoje um dos maiores inimigos da longevidade.”
O diagnóstico da pessoa idosa em Novo Hamburgo
Coordenado pelo Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Gerontologia da Feevale, o Diagnóstico Situacional da Pessoa Idosa de Novo Hamburgo é o primeiro levantamento desse tipo já realizado na cidade. “Mais do que descobrir dados inéditos, o estudo organiza e conecta informações dispersas. Isso permite compreender melhor a realidade e apontar caminhos para políticas públicas eficazes”, explicou.
Segundo o levantamento, Novo Hamburgo envelhece bem. A cidade tem expectativa de vida de 77 anos, acima da média nacional, e bons indicadores de saúde e longevidade. A idade mediana é de 37 anos, o que mostra uma população em processo de envelhecimento.
“Não somos ainda uma cidade idosa, mas estamos a caminho. Precisamos agir agora para que, quando essa realidade chegar, estejamos preparados”, defende Geraldine Alves.
Entre as principais recomendações do estudo está a criação de um Observatório Municipal do Envelhecimento, que permita acompanhar indicadores e atualizar dados de forma permanente. “Hoje, temos dificuldades em reunir informações. Muitas estão defasadas há mais de dez anos. Sem dados atualizados, não há planejamento.”
Envelhecer sozinha: o desafio das mulheres
Um dos dados mais sensíveis da pesquisa é o aumento no número de mulheres idosas morando sozinhas. “Elas vivem mais, mas muitas vezes enfrentam doenças crônicas e degenerativas, e acabam isoladas. A solidão é um fator de risco para depressão e ansiedade”, destacou.
A psicóloga alerta que as mudanças familiares — filhos que se mudam, casais que optam por não ter filhos — exigem novas formas de suporte social. “Precisamos pensar em redes comunitárias, grupos de convivência, espaços de acolhimento. A solidão não é apenas ausência de pessoas, é ausência de vínculo.”
Violência e vulnerabilidade
Outro ponto preocupante revelado pelo diagnóstico é a violência doméstica contra idosos. “Infelizmente, a maior parte das agressões vem de dentro das famílias — filhos, netos, parentes. Muitas vezes associadas ao uso de drogas e álcool”, relatou.
Geraldine Alves ressalta a importância de canais de denúncia e acolhimento especializados. “Temos os boletins de ocorrência, mas falta um sistema que realmente garanta proteção. Precisamos de políticas integradas de saúde mental, segurança e assistência social.”
Ela destaca ainda a vulnerabilidade das pessoas com demências. “São indivíduos que perdem autonomia e dependem do cuidado de outros. Precisamos de espaços de atendimento e acompanhamento, pois hoje quase não existem estruturas adequadas.”
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Um olhar para o futuro
Para Geraldine Alves, o grande desafio é preparar as novas gerações para envelhecer. “Precisamos falar de envelhecimento nas escolas, nas empresas, na mídia. As crianças de hoje são os idosos de amanhã. Quanto mais cedo entendermos isso, melhor será nossa sociedade.”
A pesquisadora reforça que envelhecer é um privilégio — e uma conquista coletiva. “Viver mais é uma vitória da ciência, mas viver bem é uma tarefa social. A forma como tratamos nossos idosos diz muito sobre o tipo de humanidade que queremos construir.”