novohamburgo.org – No ano passado, vimos o senhor participar como testemunha de um júri bastante famoso, do empresário Luiz Henrique Sanfelice. Como foi este caso para a sua vida pessoal?
Dr. Valdir – Foi um momento muito pesado. Tanto é que, no meu depoimento, o juiz pediu desculpas. É que, quando eu entrei, estava com uma paciente em trabalho de parto. Expliquei que era médico obstetra. Por volta da uma da manhã, saímos de lá e fomos direto para o Hotel, sem televisão, sem celular. Na mesma noite, falei com o juiz. Como era ordem alfabética, iria sair de lá no fim do júri. Aí o juiz pediu desculpas pela demora.
Eu fiz o parto da Beatriz e ela sempre foi muito legal. Do marido, havia coisas estranhas, mas nunca desconfiei de nada. Na quinta-feira antes do crime, que ocorreu no sábado, praticamente o prédio inteiro foi para uma festa em Porto Alegre. Ele foi tocando violão e ficou bravo que eu voltei dormindo. No sábado, era 12h30min, encontrei ele e ele me disse que não conseguia falar com ela, que tinha saído para comprar o presente do Dia dos Namorados.
Para mim, ele nunca demonstrou nada. E a criança é muito especial. Às vezes, a Bea saía com ele e o menino vinha dar um beijo em mim. Para mim, foi muito difícil quando recebi a notícia.
novohamburgo.org – Como surgiu a idéia de criação da AMO?
Dr. Valdir – O Dr. Gastão Coelho morava no mesmo prédio da proprietária do McDonald’s Novo Hamburgo. Conversaram sobre o McDia Feliz e falavam que o dinheiro aqui arrecadado poderia ficar para uma entidade de Novo Hamburgo. Naquele tempo, o McDonald’s não dava dinheiro para a Liga Feminina de Combate ao Câncer. Aí surgiu a idéia e fizemos uma parceria entre a Secretaria de Saúde, a Liga e o Hospital São Rafael.
Hoje temos mais de 40 crianças sendo atendidas e começamos o nosso trabalho em São Leopoldo no ano passado, com um pouco de dificuldades para entrar na comunidade de lá. Aqui em Novo Hamburgo, há muitas crianças com câncer que ainda não estão sendo atendidas pela AMO. Aqui também começamos devagar, até termos a nossa sede, ao lado da praça que ficou batizada como Dr. Sérgio Leão.
Se eu tivesse um irmão, talvez não tivesse a mesma ligação que tive com ele (Sérgio Leão).
novohamburgo.org – Que foi o grande amigo?
Dr. Valdir – Foi. Se eu tivesse um irmão, talvez não tivesse a mesma ligação que tive com ele. Estudamos juntos em toda a faculdade, fizemos a residência, tivemos um consultório junto por 28 anos. Um mês antes dele falecer, ele sugeriu fazer um levantamento com o número de partos já realizados por nós. Fui fazer este levantamento e tenho os números, algo que o Leão não chegou a ver porque faleceu antes. São mais de 4.600 partos que eu realizei.
novohamburgo.org – O senhor diz que mantém um vínculo muito forte com as crianças. Como lida com o drama de vida delas aqui na AMO?
Dr. Valdir – Tem que estar preparado. E não pode estar muito ligado afetivamente. Mas tem casos que nos apegam. Por exemplo, tem uma menina muito linda aqui que é cega. No McDia do ano passado, eu fui abraçar as crianças e ela disse: “O tio Valdir está aí falando e não veio dar o meu beijo? Chama ele, chama ele.”
Eu sinto muito pelas crianças. Há pouco tempo, perdemos o Gian, que era o mascote do Esporte Clube Novo Hamburgo. As crianças ficam ligadas na gente, a família se envolve. Eu procuro não diferenciar se a emoção é maior quando o tratamento dá retorno ou quando infelizmente perdemos uma criança. Mas é claro que a alegria é muito grande quando há uma recuperação.
Uma das coisas boas da AMO é que, quando ela não existia, a criança demorava às vezes um mês para conseguir uma consulta em um serviço especializado e mais dois meses para ganhar os exames. Hoje, com a estrutura que a gente tem, se há uma suspeita vem aqui e em duas semanas já temos os exames e encaminhamos para o Hospital de Clínicas para fazer a quimioterapia. Quanto mais precoce o tratamento, melhor a resposta.
A AMO está onde está por causa da comunidade de Novo Hamburgo.
novohamburgo.org – Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para a comunidade de Novo Hamburgo?
Dr. Valdir – Gostaria de agradecer a oportunidade de falar da minha vida e da vida da AMO. Dizer que a AMO é muito importante pra mim, no sentido de ver os benefícios que estas crianças têm, em saúde, em alegria. Aproveito para dizer que a AMO está onde está por causa da comunidade de Novo Hamburgo.