E quando o inimigo passa a ser o Estado, que do ponto de vista político e administrativo genericamente é corrupto? As ações da Brigada Militar contra a criminalidade assumem a condição de que, se tiver que matar, que se mate. Como está o promotor Amorim e o Ministério Público preparado para o embate com esta situação que está se formando?
Amorim – Esta é uma questão complexa, pode-se falar sobre isto um dia inteiro. Primeira coisa: já me colocaram uma pecha injusta de promotor durão, cruel. Isso não é verdade. Eu sou o promotor que mais pede absolvição no Rio Grande do Sul, em percentuais. O promotor pode pedir a absolvição quando não há provas, em legítima defesa. O Estado é que tem que provar. O cidadão não tem que provar nada. Ou não aceitamos como cidadão um vagabundo, um bandido? Também contra ele não se pode cometer a barbárie. Tem que ser ético inclusive com ele.
Eu pedi a absolvição de um menino que é o maior matador de Novo Hamburgo. E eu tinha sentimento de que ele estava envolvido naquele crime, mas não tinha provas e pedi a sua absolvição. Como você vai querer cobrar dele uma postura se você, enquanto Estado, não cumpre a lei que diz que, na dúvida, ele deve ser absolvido? Temos que fazer a nossa parte.
Aí você tem aqui a RS-118, com 385 mil pedágios e um concreto todo quebrado. Então cadê o contrato social? Só nós que temos que cumprir? Nós podíamos ir longe na questão do Estado corrupto.
A metade da Brigada Militar de Novo Hamburgo me odeia, mas a maioria não tem coragem de dizer isso.
Há um dado concreto: a metade da Brigada Militar de Novo Hamburgo me odeia, mas a maioria não tem coragem de dizer isso. Por quê? Porque este promotor de Justiça não faz o que algumas autoridades fazem ou tenta fazer que é “comer na mão” da Brigada.
A propósito, sou amigo pessoal do José Paulo Bisol (ex-secretário de Segurança do Estado) e, embora muitos erros cometidos, nesse aspecto do tratamento com as polícias ele era impecável. Por isso que não gostaram. A “coronelada” e a velha banda podre da Polícia Civil não gostaram.
Eu tive uma audiência com o Enio Bacci (atual secretário de Segurança). É um homem bem intencionado, preparado. Tratei de Novo Hamburgo, da polícia, dos delegados que viriam para cá, e me permiti dizer a ele que a primeira coisa que ele tinha a fazer era cuidar dos bandidos, mas também cuidar da polícia. Cuidar do policial corrupto que cobra R$ 5 mil para não cumprir um mandato de prisão. E isso chega nos nossos ouvidos todos os dias, tenho os nomes e sei quem são. Sabemos quem são e temos o que fazer. Que beleza, não é?
Cuidar também da arbitrariedade e da violência da Brigada Militar. Não vou falar dos brigadianos que estão envolvidos em assaltos, mas falando em história da Brigada Militar, porque é histórico dentro da Brigada Militar, desde os tempos da ditadura militar e vem do Vargas (ex-presidente Getúlio). Por que deixam o Vargas de fora? Não podem deixar o Vargas de fora. O Vargas não era esse santo.
Então, o que acontece… Quando cheguei em Novo Hamburgo em 1999, o que a Brigada matou de pessoas que não era pra ter matado – não era pra matar ninguém -, mas pessoas que não eram bandidos e morreram em enfrentamentos sem que se tivesse a certeza em quem a polícia estava atirando. Eu fiz alguns júris, consegui condenar alguns brigadianos e aí não gostaram disso.
Fui fazer o júri em São Francisco de Paula, do caso do menino que matou um brigadiano depois de outro brigadiano ter matado o irmão dele. O menino foi executado e povo disse que o guri é bandido porque matou um brigadiano.
Então pode um time de oito a dez brigadianos, no meio da noite, torturar o pai do guri pra saber onde ele estava, sair no meio da noite sem avisar Comando, ao arrepio da lei – porque eles têm que cumprir a lei -, chegar num barraco, pegar o guri dormindo e encher ele de tiros? Pode? A sociedade pode admitir isso? Aí não vamos mais saber quem é bandido e quem é polícia.
O povo quer pena de morte, quer que a Brigada mate, e alguns se aproveitam disto porque a Justiça não funciona.
E essa matança? Morrem quatro em um assalto. Que legal! Política penitenciária: vai sobrar espaço nas cadeias. Que bom! Que bom se for necessário matar, porque a polícia não existe pra matar. A polícia existe pra prender. Ela mata quando for necessário. O povo quer pena de morte, quer que a Brigada mate, e alguns se aproveitam disto porque a Justiça não funciona.
Se a Justiça funcionasse, as penas fossem bem aplicadas e cumpridas e se o sistema prisional for consertado – e não tem outro jeito de consertar se não privatizar, não há outra forma. Se não fizerem isto, o povo vai querer pena de morte sempre.
Dar poder de vida ou de morte na mão de um brigadiano, que muitas vezes não tem preparo psicológico, é um horror. Porque hoje ele mata um assaltante de banco, amanhã ele mata um tenista, o filho de um empresário, suspeitando que estava roubando um carro. Aí chega em casa e mata o vizinho.
Temos que ter cuidado com esse negócio de matar, matar, matar. Não é assim. Tem que ser pela vida e pela prisão. Sou a favor da prisão perpétua, sou a favor da bola de ferro, de penas mais graves, mas matar não. Matar é contra todos os princípios.