O senhor falou sobre a questão estrutural da segurança pública. Fale-nos sobre o lado social, das oportunidades. Onde reside a fábrica do crime?
Amorim – Deixa eu começar pelo lado pessoal. O meu avô era analfabeto, mas era inteligente. São coisas diferentes. Tem muito doutorado na Europa que é burro. “Ah, eu tenho mestrado em Coimbra” Sim, doutor burro. Você pode encontrar um mecânico que é mais inteligente. São coisas diferentes, inteligência e cultura.
Então, meu avô fazia versos pelo campo, no interior – deve ser daí que vêm aqueles versos que a gente faz no plenário. A minha avó era dona de casa. Meu pai era servidor da Justiça, tinha até a quinta série, mas era um gênio da oratória e do conhecimento, um autodidata. Quem me vê atuando no júri não viu nada. Tem que ver o velho que não pode falar no júri porque não é promotor. Eu iria ficar muito diminuído se alguém visse um discurso do velho. Minha mãe era dona de casa e nos fins de semana ajudava a faxinar o Fórum para que o bife fosse um pouco mais gordo.
Um percentual de 20% dos meus amigos de infância hoje estão no presídio ou mortos. E fomos criados na mesma situação.
Fui criado entre plantadores de cebola, agricultores… Um percentual de 20% dos meus amigos de infância hoje estão no presídio ou mortos. E fomos criados na mesma situação. Estudei na escola pública da mesma forma. Qual a diferença então? Ah, meu pai e minha mãe me ensinaram os valores, muitos valores, e eu não sou nada sem eles.
Então, essa história da oportunidade deve ser vista com muito cuidado. Primeiro porque, já caiu há 150 anos a história de que a questão do crime é social. A questão do crime é social, psicológica, psiquiátrica, hereditária e outros vários fatores. Ou não haveria como explicar como na vila Kipling, no Kephas vivem dois meninos, sendo que um é bom e outro não. Tem até o fator biológico.
Evidente que a sociedade empurra. Vou me permitir separar o bom e o ruim, embora isso seja uma questão bastante discutível. O bom e o ruim crescem juntos e a sociedade empurra os dois porque eles têm falta de oportunidades. O ruim, se não tivesse o empurrão, talvez não fosse para o crime. O bom não vai de qualquer jeito.
Então, a sociedade tem a sua parcela, mas o maior problema é essa consciência que vigora cada vez mais do individualismo, do consumismo. Tem que ter um tênis bonito, uma calça jeans, tem que fumar maconha pra impressionar as gurias. O ser humano é muito individualista. E não é só lá na Vila Kipling.
Estive outro dia na fila do Aliança, o glorioso Aliança de Novo Hamburgo, de pessoas social, cultural e economicamente mais privilegiadas. Estava lá eu com meus joelhos de Ronaldo Nazário – são quatro cirurgias -, e minha barriga também de Ronaldo Nazário. Estava lá com minha mulher, parados na fila, ela de salto alto – um horror ficar parada de salto alto, deve ser terrível, mas como nunca usei eu não sei. E aí as pessoas chegando, aquela conversa mole e todo mundo furando a fila. Todo mundo furando a fila! Me convidaram para furar a fila também. Mas não, se eu furar essa fila não posso me queixar do Jáder Barbalho, não posso criticar o José Dirceu.
O povo é corrupto. O povo pede cesta básica pra votar. Se ampliarmos o conceito de corrupção, o povo é corrupto.
Aí abro uma janela: dizem que o problema de Brasília influencia o povo. Não, não, não. Negativo. Isso vai e volta, é um círculo. O povo é corrupto. O povo pede cesta básica pra votar. Se ampliarmos o conceito de corrupção, o povo é corrupto. Então, temos que cuidar com os bons costumes, acabar com o individualismo.
Eu sou um cara que, se estiver em um engarrafamento tenho um prazer enorme de ajudar. Se estou parado naquele engarrafamento “maravilhoso” da Pedro Adams Filho, que nunca se resolve, tenho prazer de parar pra dar lugar a aquele cara querendo entrar. Não é só prá bonitinha. Pode ser um barbado também.
Outro episódio: estava caminhando na Sociedade Ginástica, aí um guri chutou uma bola em uma corujinha e a coruja desmaiou. Aí o pessoal na piscina, todo mundo rindo da coruja. Eu queria torcer o pescoço do guri, fazer do pescoço dele um pescoço de coruja. Para minha felicidade, a coruja se ergueu. Então no que virou o ser humano? Por isso que é normal pegar uma criança e arrastar com o carro e matar.
Ah, queimaram a Beatriz e teve essa repercussão toda? E o que vou fazer quando um filho mata a mãe com a ajuda do pai? São coisas que a gente sabe e não aparecem na imprensa. Por isso, temos que cuidar com essa questão dos valores. A principal prioridade disto aí é a educação crítica.
Os americanos, os malditos americanos, os imperialistas, o Império Romano da modernidade, o que eles dizem? Quando eu quero impor algo ao Oriente Médio, eu mando um tanque. Quando eu quero fazer isso em algum país de força da América Latina, como o Chile, eu mato o presidente e faço parecer um acidente. Quando eu quero fazer isso no Brasil, eu mando o funk, o hot-dog e o McDonald’s. Eu liquido com a cultura deles e os tenho como minha colônia.