novohamburgo.org – Vem daí a verve de compositor?
Scheffel – Comecei a escrever algumas coisas, que era quase nada. No Rio, mostrando, o professor me disse para estudar teoria. E me inscrevi no Conservatório Brasileiro só para fazer teoria. Mas eu não tinha um espaço meu, onde tivesse piano eu usava. E compor não se pode no meio de pessoas que passam. Precisa ficar sozinho.
Isso eu só pude fazer quando cheguei em Florença. Imediatamente cama, cadeira e piano. Aluguei primeiro um piano velho e depois comprei. Até hoje eu tenho! E começo a ter encomenda de afrescos. Na academia, eu aprendi que é muito complicada a consecução da técnica.
Em 64, veio toda a embaixada de Roma, onde Pedro Américo, que, aliás, eu preciso dizer que estou absolutamente convencido de que foi o maior gênio artístico no campo das pinturas das Américas. Houve ótimos artistas plásticos, mas nenhum como ele. A Batalha de Avaí que ele pintou em Florença, em 1875, com o próprio Dom Pedro II. Ele tinha encomendado a batalha de Guararapes, mas decidiu-se pela Batalha de Avaí, que é o final da Guerra do Paraguai, e ele teve conversa com Duque de Caxias. Era um quadro celebrativo, mas uma coisa fabulosa.
As batalhas de hoje não são pictóricas, não dá mais para pintar. São simplesmente catastróficas no meio de bombas e explosões, de massa, como se diz. Grande honra para mim foi ter feito esse busto do Pedro Américo e ter colocado em um palácio renascimental, em uma rua que só tem palácios. Era a rua mais rica, que tem uma ponte. Em 64, é a primeira obra pública.
As batalhas de hoje não são pictóricas, não dá mais para pintar. São simplesmente catastróficas no meio de bombas e explosões.
Hoje, Florença é uma fundação de cultura para o mundo. O renascimento italiano é o renascimento para a Europa. O Humanismo. Nesse período, se traduziu a arte, a escultura, a pintura do grego, desenvolvida pelos italianos. O Humanismo permitiu que se tivesse a alta qualidade pelos gregos e os gregos representavam a figura como semi-deuses, sem a expressão da figura humana. São figuras sem expressão.
Era estudada a proporção, com mais modelos. Foi trazido, estudado e interpretado, naturalmente. Foi uma ousadia em exprimir o sentimento humano. Foi o ponto alto em toda a história da humanidade. Foram resolvidos os problemas de perspectiva, da volumetria.
novohamburgo.org – E isto lhe parece um marco?
Scheffel – Um exemplo foi um pintor que morreu aos 27 anos. Os traços eram mais leves, mas ele deu mais contornos, mais linhas. A pintura dos bizantinos era achatada. Essa plasticidade se impõe no renascimento. Mas não ainda o colorido. Florença é muito severa. Veneza é como um teatro.
Eu me senti em Florença. Mais concentrado. As pessoas são muito atiladas. Hoje não é mais possível estar na rua pintando. É muito turismo. Mas naquela época eu pintava. A perspectiva de um edifício que eu consegui, eu estava realizando, tinha aprendido com Canal. Mas não tinha ainda a força e eu era tão temeroso de trabalhar em um ambiente que chegava a ser sagrado.
Não tinha ainda a força e eu era tão temeroso de trabalhar em um ambiente que chegava a ser sagrado.
Aquelas ruas irregulares, calçadas seculares. Aliás, depois da enchente, restauraram a cidade em 66, deixando ainda mais bonita. Veio muito dinheiro de todos os lugares. Eu acabei realizando 10 obras públicas. Isto até o movimento europeu de 68, dos jovens na França, que se refletiu na liberdade, e aí eu passei por aquilo que se pode dizer erotismo. Em 70, 71, 72.
novohamburgo.org – Logo depois vem a Fundação Scheffel, não é?
Scheffel – Em 73, e acontece tudo aquilo que faz com que se crie essa casa (a Fundação Scheffel). Ao ser convidado através do Alceu Feijó a ocupar o estande da Strassburguer, foi solicitado que a prefeitura incluísse a mim também. E foi o estande mais visitado. Por esse motivo três prefeituras, de Novo Hamburgo, São Leopoldo e Campo Bom ofereceram um espaço que eu poderia escolher. E escolhi essa casa, porque eu tinha sido aluno nessa casa.
No momento, essa casa estava desocupada e para não restaurar essa casa tinham criado outro grupo escolar. Em Novo Hamburgo, não se sabia restaurar. Achavam que deveriam demolir. Aí teríamos demolido tudo. Então, foi má sorte restaurar?
Foi inaugurada na gestão do Ritzel, mas iniciada na época do Miguel, em 78. E curiosamente, a data de 5 de novembro é a data internacional dos museus, criada depois, mas era a data também da primeira escola de belas artes do Brasil, em 1826. Mas ninguém sabia disso. Foram saber só depois.
Quando inauguramos aqui, lá embaixo havia um depósito. Eram janelas e madeiras antigas, que foram substituídas. Foi necessário refazer. E colocamos lá embaixo. Era material que não servia, até que no fim, estávamos eufóricos, os pintores (Movimento de Preservação do Patrimônio Historio e Artístico, na forma de voluntariado).
novohamburgo.org – Anterior a isso, como se deu o tombamento da Casa Schmitt-Presser?
Scheffel – A gente tem impressão de que foi tudo casual. Quando se estava restaurando aqui, comecei a observar a casa ao lado. Como eu morava fora há tanto tempo, desde 59, eu não estava atento e nem tivera a impressão de que se estivesse demolindo a casa. Depois fique sabendo que cinco imobiliárias tinham interesse em abater e depois reconstruir. Iria desaparecer tudo, nós iríamos virar uma cidade sem referencial histórico.
No mundo inteiro, quando a pessoa viaja, se não tem história, a pessoa passa direto. Não tem conteúdo. Faz muito mal inclusive as pessoas não ter estrutura. Não ter fundamento, é como se estivéssemos sempre só de passagem.