novohamburgo.org – Há casos em que houve punição ao agressor?
Del. Rosane – Vários casos. O que ocorre efetivamente é que, depois que sai daqui, a vítima solicita a defesa protetiva e, em 90% dos casos, a mulher e o agressor têm uma audiência no Fórum. A partir daí, fazem um pacto de viverem bem, de mútua convivência, fazem as pazes. Então, na maioria desses casos, o casal acaba ficando bem.
novohamburgo.org – E isso é bom ou é ruim?
Del. Rosane – Eu digo que é ruim, porque ele volta a agredir. Acho que até poderia haver um índice de reconciliações, mas não tão elevado. Não sei por que acontece isso, talvez porque as pessoas estejam acostumadas umas com as outras, e por outros vários motivos. Também não estou dentro do Judiciário para saber dessas audiências, pois trabalho na Delegacia.
Mas a preocupação é essa: até que ponto a pessoa passa por todo um processo de afastamento, adquire uma situação boa, está no domínio dessa situação, está na condição de poder, na condição de determinar, de fazer o que ela quer fazer, e então desiste de tudo para voltar para o marido? E aí passa dois, três meses, e está ela novamente fazendo uma ocorrência.
Elas continuam abrindo mão desse direito fundamental, que é ter direito à sua liberdade, sua independência, dar uma forma de vida melhor para si própria e para seus filhos, mas acabam se reconciliando para o lar.
novohamburgo.org – Isso tudo causa uma imensa despesa para o Estado, não causa?
Del. Rosane – Nossa! Despesa e tempo! Veja bem: o delegado, a rigor, tem 48 horas para mandar a medida protetiva. Para isto, ele precisa ver a vítima, tirar os antecedentes da vítima, tirar os antecedentes do acusado, e fazer o pedido. Aí só falta ver o acusado, mais uma testemunha e pronto. A parte que toca à Delegacia está feita. Aí, então, passa a ser de responsabilidade do Judiciário.
O que ocorre é que lá no Judiciário ele acaba fazendo as pazes com a mulher. Depois, passam alguns dias ou meses e tudo recomeça novamente: ocorrência, medida protetiva, situação de risco, porém, mais grave do que a ou as anteriores. E isso não acaba nunca.
novohamburgo.org – Quem são os agressores? Qual o perfil?
Del. Rosane – Nós temos os agressores e os abusadores, porque a Delegacia lida tanto com o abuso sexual como a agressão. Agora, quanto a agressão, na grande maioria, são maridos e ex-maridos, namorados e ex-namorados, companheiros e ex-companheiros. Na esmagadora maioria são esses os tipos de agressores.
Aqui na Delegacia, nós temos pouquíssimas mulheres de classe social alta.
novohamburgo.org – Qual o perfil das mulheres violentadas?
Del. Rosane – São mulheres relativamente jovens, dos 20 aos 45, 50 anos. São mulheres de todas as classes sociais. Aqui na Delegacia, nós temos pouquíssimas mulheres de classe social alta. A nossa esmagadora maioria, 99,99%, é de mulheres de classe social baixa, até porque elas não têm recurso. Então, o socorro é na Delegacia, é a lei, é a polícia.
No caso das mulheres com melhores condições, é o consultório médico, o psicólogo, o psiquiatra, o ginecologista e um advogado que vai tratar e tentar solucionar a questão. Porque essas mulheres estão em todas as camadas sociais e, por esse motivo, se tornam um caso mais reservado.
novohamburgo.org – Qual o sentimento das mulheres que procuram a Delegacia?
Del. Rosane – Lembrei de um exemplo: há uma mulher que está casada há 15 anos com o mesmo marido, e ela apanha diariamente. Aí, resolveu que não vai mais apanhar e veio até a delegacia. Então, ela quer ser atendida naquele dia, naquela hora, porque ela resolveu naquele dia e naquela hora.
Muitas não entendem que ela passou anos a fio apanhando e que há todo um processo para que as coisas funcionem. Acaba ocorrendo de elas não aceitarem quando a gente diz o fato, isto é, o que elas devem fazer e o que nós podemos fazer. Porque são coisas bem distintas. Não é elas que decidem que temos que ir até a casa delas e tirar o marido de casa. Não é desta forma que as coisas tem que acontecer. As mulheres apanham, apanham e decidem: “hoje vou tirar ele de casa” e querem que a resposta seja imediata. Isso não é assim.
Há a cultura de que a mulher nasceu para servir aos pais, ao marido, aos filhos, e que tem que ser submetida à vontade deles.
novohamburgo.org – Quais as causas possíveis para a violência contra a mulher?
Del. Rosane – Ah, são muitas! É uma questão cultural, até porque a mulher foi criada para ser submissa ao homem. Está na própria mãe que cria a filha já cuidando de boneca, trocando fralda, fazendo papinha para a boneca, indo ao mercado com carrinho de plástico para fazer compras, tem a maquininha de brinquedo para lavar roupas, tem o fogãozinho com panelinhas.
E essa cultura não é apenas nossa, exclusiva do Brasil. É uma cultura mundial, cultura de que a mulher nasceu para servir aos pais, ao marido, aos filhos, e que tem que ser submetida à vontade deles. Para determinados homens, a mulher nasceu para procriar, amar, ser fiel, ficar dentro de casa fechada, enclausurada feito uma flor de sombra, porque ela é somente dele, então ninguém pode ver essa mulher, porque, na opinião dele, ela é propriedade dele. Isso é um absurdo, mas acontece.