novohamburgo.org – É possível mudar essa realidade?
Del. Rosane – A questão da submissão está em nós mulheres, na nossa carga genética, em nosso DNA. Às vezes, me cobro achando que não estou sendo boa mãe, pra ver como isto também está na minha genética. A gente já nasce assim e depois tem todo um comportamento que tu assimilas: tem que falar baixo, não falar de boca cheia, sentar corretamente, ser delicada, ser feminina, tem que ser gentil, não pode ser fria, não pode ter vários namorados, nem vários companheiros. O homem sim, pode, mas a mulher não.
O que nós temos que repensar é essa questão cultural que nós mulheres embutimos na cabeça de nossos filhos e filhas. Eu tenho amigas que costumam dizer: “Solto meus cabritos e prendo minhas cabras”. Ou ela diz: “Se o meu filho transar com a fulana, o problema não é meu, é da mãe da fulana.” Isso já vem de berço e acaba detonando.
Antes de uma relação familiar, qualquer relação de amor de afeto de carinho, relação homem mulher ou, seja como for, tem que existir respeito, no mínimo respeito mútuo. No momento em que não existir respeito e um achar que é menor ou inferior ao outro, não vai funcionar. E o grande problema de tudo isso é que há filhos nessa relação e que, obviamente, irá repercutir nos filhos.
Filhos que tem pais que batem na mãe são possíveis agressores. Filhos de pais abusadores são possíveis abusadores. Eles incorporam dentro de casa e trazem para a sociedade. Nós temos que pensar que homem e mulher, antes de ser macho e fêmea, são dois seres humanos com as mesmas necessidades, com as mesmas condições mentais, com os mesmos direitos e sentimentos.
Filhos que tem pais que batem na mãe são possíveis agressores. Filhos de pais abusadores são possíveis abusadores.
novohamburgo.org – Qual o intuito da Lei Maria da Penha?
Del. Rosane – As pessoas dizem que essa lei não serve para nada e que só beneficia o homem, que ele apanha e fica por isso. Não é verdade! O intuito da lei é lindo, é não permitir que mais pessoas convivam com a violência, com as agressões, que são os filhos, que pensem que tudo isso é normal. No momento em que nós aplicarmos a lei, para que ela possa impedir que haja violência dentro da família, nós estamos formando cidadania. Você não aprende violência na rua. Aprende-se violência dentro de casa.
novohamburgo.org – Qual o tipo de política pública que existe ao combate a esse tipo de crime?
Del. Rosane – Se existe, eu não sei. O que acho é que deveria existir a Casa de Passagem. O que também é fundamental é o acompanhamento psicológico e ginecológico para mulheres vítimas, e acompanhamento compulsório para os homens abusadores e agressores, além de acompanhamento para os filhos. E que a criança que tenha sido vítima de violência seja tratada de uma forma diferenciada, para que ela possa obter o resgate dessa infância que lhe foi roubada.
Há várias políticas a serem colocadas em prática, assim como creches e escolas. Se nós pensarmos em violência doméstica, vamos pensar que é um problema de saúde pública, mas a gente precisa que o pai trabalhe para não ficar em casa bebendo e batendo na mulher. Precisamos que a mulher se valorize e seja valorizada e que faça um tratamento psicológico . Com certeza, ela irá criar os filhos com mais amor, de uma forma diferente. Ela não mais vai aceitar ser agredida, ela vai se impor, vai se respeitar mais como pessoa.
A pessoa não nasce marginal. A sociedade e a família são quem produzem o marginal.
Falar em violência doméstica é um termo muito restrito, pela amplitude de situação que se abrange. É como se fosse um polvo: são vários braços que se estendem e atingem todas as áreas da sociedade, inclusive criando adolescentes que praticam roubos na rua à mão armada, onde que eles aprendem isso com menos de 15 anos de idade, em casa, na vila, no bairro, na escola, na falta de uma estruturação familiar, numa vida de privações. A pessoa não nasce marginal. A sociedade e a família são quem produzem o marginal.
novohamburgo.org – Qual é o tipo de segurança que as vítimas possuem para que não tenham medo e denunciem?
Del. Rosane – Não existe nenhuma política que seja eficiente. A única coisa que eu falo, quando a mulher vem me procurar, é que ela tem que ser forte. Ela não esta cessando a violência, está começando uma situação onde possivelmente ela vai ser objeto de várias violências. Quando ela vem aqui, ela não cessa, ela tem consciência de que está gerando um processo, no qual irá desencadear mais violência.
Ninguém lhe mandou ir num baile ou numa festa e passar uma noite com uma pessoa que mal conhece e levar para dentro de sua casa para conviver com a senhora e seus filhos.
Não existe policial que fique 24 horas na frente da casa para garantir a segurança dela e da família. Ela é que vai ter que tomar a atitude que achar mais conveniente. É uma ilusão, é uma historinha de conto de fadas achar que, porque chegou aqui, que seus problemas acabaram. A felicidade dela vai começar através da sua reformulação como pessoa.
Muitas mulheres se revoltam com a polícia. Dizem assim: “Eu vim aqui e não fizeram nada. Eu vou voltar para casa e continuar sendo agredida.” Infelizmente, nós temos que responder: “Ninguém lhe pôs arma na cabeça e lhe obrigou a casar com essa pessoa. Ninguém lhe mandou ir num baile ou numa festa e passar uma noite com uma pessoa que mal conhece e levar para dentro de sua casa para conviver com a senhora e seus filhos.”
Primeiro, tem que se falar em responsabilidade para depois reclamar ou criticar. A mulher é vítima sim, sem dúvidas, mas onde está a responsabilidade dela? Infelizmente tem que começar dizendo para a mulher a verdade: “A escolha foi sua”. Estou dizendo que, tanto o homem, quanto a mulher tem sua parcela de contribuição em um casamento deteriorado. O homem agride, a mulher permite.