Qual a principal característica de Novo Hamburgo em seus primeiros 80 anos?
A característica marcante dos primeiros 80 anos de Novo Hamburgo é materializar a modernidade de maneira ímpar, quando o município buscou no progresso a qualquer custo um modelo de desenvolvimento econômico que já se sabia insuficiente para promover a plenitude da sociedade.
Quando escrevi minha dissertação sobre a cidade, citei uma passagem do clássico Fausto de Goethe, que vende a alma a Mefistófeles, em troca não só de bens materiais e poder, mas de experiências. E isso significa não só benefícios, mas também malefícios decorrentes dessas experiências. Por isso que disse, numa entrevista a 7 anos atrás para a extinta Folha, que Novo Hamburgo quis ser moderna e hoje é o que é e pronto.
Não se entende mais modernidade como aquele momento histórico onde só existem benesses. Ser moderno hoje, como disse Marshall Berman há mais de 20 anos, é “encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”.
Muitas pessoas se enganaram ao imaginar que poderiam participar de uma sociedade imune das mazelas sociais.
Novo Hamburgo tem muito disso. Muitas pessoas se enganaram ao imaginar que poderiam participar de uma sociedade imune das mazelas sociais. A crise não trouxe nada de novo para a região, a não ser o fato de ter jogado muito da chamada classe média para uma situação onde já vivia boa parte da população pobre: desemprego, miserabilidade, etc. E é isso que causa tanto desespero, porque enquanto somente os pobres passavam por privações, não era crise. A coisa mudou de figura quando os “do meio” foram atingidos e não puderam mais trocar de carro ou tirar férias todo ano.
A bem da verdade, a elite detentora do poder econômico em Novo Hamburgo e os “do meio” não souberam o que priorizar para manter um acentuado desenvolvimento econômico sustentável. Basta ver quantos têm casa na praia ou andam, ainda hoje, de carro zero quilômetro. Mas investir em tecnologia e qualificar os empregados, no caso da indústria calçadista, foi deixado para trás. Ainda hoje o calçado é um modelo industrial baseado na poluição e baixa remuneração. Por isso, a China estar avançando enquanto o Brasil fica para trás. Esse tipo de economia é predatória.
Era comum a imagem, típica dos anos 80-90, do sujeito que colocava uma linha de produção, com maquinário antigo e centenas de operários, e produzia para exportação. Quando vendia os sapatos e recebia os dólares, ao invés de investir na sua fábrica, arranjava amante, comprava carrões, mansões, etc. Esse é o típico empresário de Novo Hamburgo, que agora choraminga pelos cantos atrás de subsídios governamentais. Quando teve oportunidade, não aproveitou.