Sobre este acidente de sexta-feira na Utresa, há lençóis freáticos abaixo da empresa?
Sim.
E não houve contaminação?
Claro que houve. O Jackson Müller conhecia uma Utresa até 16 de outubro. Conhecia uma pessoa, o administrador da Utresa, uma personalidade que transitava junto ao Governo do Estado, que era chamada para apresentar seus casos. Não há profissional que transite na área de resíduos e que não conheça a Utresa, por causa de sua função. Ela surgiu no Vale do Sinos exatamente quando se passou a exigir dos empreendedores um destino ambientalmente correto aos seus resíduos. E ela surgiu como alternativa a isto.
Quando eu trabalhei em Estância Velha no início dos anos 90, a Utresa estava em pleno processo de desenvolvimento. A função que desenvolvi junto ao município de Estância Velha foi que viabilizou para a Utresa não fechar. Autorizamos naquele momento que ela passasse a receber resíduos de outros locais, para que ela tivesse viabilidade econômica, trabalhar o resíduo da região.
Ele recebeu muitos caminhões de resíduos aqui de Novo Hamburgo, de beira de rio, de beira de estrada. E nunca cobrou isto do município.
De lá para cá, ela cumpriu um papel importante. Quando Ruppenthal assumiu a coordenação da Utresa, seu trabalho foi o de evitar a disposição. Em vez de enterrar o lixo, encontrou uma maneira de reaproveitá-lo, como transformá-lo em um mineral, que foi um projeto que me interessou. A mineralização é uma técnica na qual se pega o resíduo perigoso e o transforma em uma espécie de fóssil. E este é o teor das nossas conversas na maioria das vezes. Ele vai me informando do que vai fazer e eu me interesso. Quero até ver, me interesso, mas a correria do dia a dia não permite.
Então, em cima destes projetos é que passei a admirar o trabalho dele. Fez projetos com lâmpadas fluorescentes, com aproveitamento de lodo. Ele recebeu muitos caminhões de resíduos aqui de Novo Hamburgo, de beira de rio, de beira de estrada. E nunca cobrou isto do município. Ele foi se creditando de uma confiabilidade e este relacionamento era calcado primeiramente por uma relação de respeito.
Nos e-mails você não vê escrito “meu querido Ruppenthal”. Aliás, a quantidade de coisas que ele manda é muitas vezes superior a que eu mando. Quando eu mando algo atachado, uma foto, por exemplo, é de algo que está acontecendo comigo naquele momento. Ele não, ele manda todo o tipo de material.
Eu, inclusive, mando para ele um artigo intitulado Coração de Luto, que foi publicado em alguns jornais da região, porque a mortandade foi algo que mexeu muito comigo. Para mim, este envolvimento com o rio não é de hoje. Há 15 anos que eu fiscalizo o Rio dos Sinos. Já tirei muita rede de dentro do rio e aí fui tirar 90 toneladas de peixes mortos! Eu tinha um compromisso moral comigo de investigar e buscar o que tinha acontecido de fato lá. Porque já havia acontecido outras mortandades menores, com a investigação da Fepam não dando em nada. Ninguém foi punido, ninguém foi autuado, ninguém foi multado.
Mas as mortandades anteriores não eram desta dimensão?
Nunca desta dimensão. Nunca nesta proporção. Estávamos vivendo uma piracema extremamente vigorosa. E foi acontecer em Pelotas uma situação similar. Então não foi uma exclusividade. Ela tomou uma dimensão de Lagoa dos Patos. O peixe subiu a Lagoa dos Patos em direção ao Rio Jacuí e entrou no Sinos, foi algo monstruoso, era muito peixe entrando dentro do rio. E aí entra esta carga de impacto de um lançamento que a Utresa não poderia fazer.
A 32 metros de profundidade foram encontrados indicativos da poluição da Utresa. Isto é muito grave.
Há uma matéria de jornal daquela semana, que faz parte do processo, onde a Utresa diz que não lança nada e o Ruppenthal assina, quando na verdade lança entre 60 e 100 mil litros de percolados por dia. Esta é a geração que até hoje conseguimos interceptar, mas pode ser maior ainda, por causa da contaminação que atinge o aqüífero. E isto ali é grave.
Sobre este gerenciamento que ele dizia estar fazendo, que eu acreditava que ele fizesse e depois fui descobrir que não fazia, existia uma negligência muito grave na forma de ele gestionar internamente estes efluentes, a ponto deles escaparem das valas e entrarem no aqüífero. A 32 metros de profundidade foram encontrados indicativos da poluição da Utresa. Isto é muito grave.