O fato mais grave do dossiê é mesmo a viagem?
É, mas a viagem não aconteceu. Eu não fui na viagem, fiquei aqui. E há um e-mail em que digo exatamente isto. Fiquei trabalhando do dia 8 ao dia 13 de outubro dentro do rio, coordenando a operação para a retirada dos peixes. Quando eu saio do rio e vou investigar, quando pego um avião e sobrevôo Estância Velha e começo a fotografar, aí é que surge a suspeição da Utresa.
E ela surge através de um debate na TV COM, quando eu conheço o promotor de Estância Velha. Naquele debate, o Adolfo Klein, que é o representante das indústrias, faz um comentário de que “para ter matado tantos peixes tem que ter potencial”. Eu conheço uma atividade em Estância Velha que tem potencial para fazer isto tudo: a Utresa, por ela armazenar resíduos perigosos em uma área próxima do arroio Portão, a 10 quilômetros do Rio dos Sinos. Dali em diante eu começo a investigar isto. Eu já havia mandado fiscais da Fepam três vezes fiscalizarem a Utresa. E nas três vezes não acharam nada de errado.
Mas por que não encontraram nada de errado?
Pois é. Esta é uma boa pergunta. No dia 15 de outubro, um domingo, eu vou a Estância Velha por um chamado da Gelita, que já havia sido autuada. Ela me chama e diz que o arroio Portão está escuro, preto. Quando chego lá, encontro o responsável técnico e o gerente da Gelita e eles me dizem para investigar a Utresa.
Naquele domingo, o serviço de emergência da Fepam é chamado de novo, vem pela beira do arroio Portão e encontra dois canos lançando efluentes. Já tinham autuações a respeito disto, exigência nos licenciamentos para eliminar estes canos, mas eles continuavam lá transportando líquidos contaminados da Utresa. No dia seguinte, dia 16, a Utresa é oficialmente envolvida no episódio.
Até então não havia nada, porque ela não tinha autorização para promover nenhum tipo de lançamento. E, se ele não tinha, como ela iria se envolver na mortandade de peixes no Rio dos Sinos?
Tinha uma admiração pelo trabalho dele, pois todos os projetos que a Utresa se envolveu sempre foram importantes.
E quem é o responsável técnico por esta empresa?
É o Ruppenthal. Ele é o diretor, o responsável técnico. Ele é engenheiro químico. Então eu tinha uma admiração pelo trabalho dele, pois todos os projetos que a Utresa se envolveu sempre foram importantes, pois eram projetos de reaproveitamento de resíduo industrial. E não era eu quem fiscalizava a Utresa.
Mas não eram subordinados teus que fiscalizavam?
Depois de abril de 2006 sim.
E depois de abril a Utresa foi fiscalizada?
Claro. Tem uma vistoria que foi feita em junho e as vistorias após a mortandade.
Se o teu fiscal não cumpre bem sua função, isto não lhe responsabiliza?
Vamos entender isto. Quantas centrais de resíduos tem o Estado? São 65. Há 40 fiscais dentro da Fepam na Divisão de Controle da Poluição Industrial para fiscalizar 150 mil estabelecimentos. Então, como é feito este trabalho de fiscalização? Quando vai renovar o licenciamento, ou quando recebe uma denúncia, ou a partir de uma demanda do Ministério Público Estadual.
O Luiz Ruppenthal era uma pessoa muito envolvente, as pessoas acreditavam nele. Eu acreditava na capacidade dele.
O licenciamento é renovado com que periodicidade?
Hoje é a cada quatro anos. Então, estas pessoas da Divisão de Controle da Poluição Industrial têm um roteiro de trabalho. Elas estão há muitos anos fazendo isto. E eu estou desde abril. Meu trabalho não é ir direto fiscalizar, é supervisionar. Então, eles me mantêm informado. E a Utresa não era uma prioridade dentro deste trabalho.
Tu ter um licenciamento para ser renovado a cada quatro anos é uma coisa. Isto não significa que você vai lá fiscalizar a empresa a cada quatro anos. A fiscalização é uma atividade diferente.
O Luiz Ruppenthal era uma pessoa muito envolvente, as pessoas acreditavam nele. Eu acreditava na capacidade dele. Como vou imaginar que alguém que tem a função de receber resíduos para dar um tratamento ambientalmente correto vai promover lançamentos irregulares? E com a sistemática que ele fazia? Uma sistemática que só veio a ser descoberta depois.
Nas informações que ele emitia para a Fepam, dizia que a Utresa gerava 60 a 100 metros cúbicos (60 a 100 mil litros) de líquidos contaminados por mês. É um número muito pequeno. Mas hoje sabemos que hoje essa é a geração diária da Utresa. E que tipo de resíduos? Altamente perigosos, pois são gerados dentro dos aterros.