No Estação Hamburgo, Fauston Saraiva e Marco Copetti analisam o impacto da crise diplomática e econômica, os efeitos das enchentes e a necessidade de um novo pacto entre Estado, empresas e sociedade para o futuro do trabalho, do desenvolvimento regional e da educação no RS.
Em um dos debates mais densos do programa Estação Hamburgo, exibido pela Vale TV no dia 10 de outubro de 2025, o apresentador Rodrigo Steffen recebeu Fauston Saraiva, advogado e diretor executivo da ACI-NH/CB/EV/DI, e Marco Copetti, integrante do Comitê de Pequenas e Médias Empresas da entidade e referência em planejamento estratégico. A pauta foi o presente e o futuro da economia do Vale dos Sinos, com foco no desenvolvimento, em meio a uma combinação inédita de crises climáticas, econômicas e sociais que desafiam o Estado e a classe produtiva.
Durante o programa, transmitido também pelo canal do Portal valedosinos.org, Copetti e Saraiva discutiram temas como a taxação de 50% sobre o calçado brasileiro nos EUA, o cenário de desindustrialização regional, o impacto das políticas sociais na empregabilidade, e o futuro da educação e da inteligência artificial no ambiente empresarial. O debate coincidiu com os preparativos para o aniversário de 105 anos da ACI, celebrado no dia 21 de outubro, com palestra do filósofo Luiz Felipe Pondé sobre “Relações humanas e inteligência artificial”.
Missão em Brasília: o Vale em defesa do setor produtivo e do desenvolvimento
A conversa começou com o relato de Fauston Saraiva sobre a missão institucional a Brasília, que reuniu representantes da ACI, dos sindicatos calçadistas, da Federação dos Sapateiros e do movimento The South Base, originado do Programa Líder do Sebrae. A comitiva — formada também por Juliano Mapelli, dirigente do Sindicato das Indústrias de Calçados de Três Coroas — levou ao governo federal um manifesto de reivindicações contra a sobretaxa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros.
“Não foi apenas uma ida política. Foi uma mobilização técnica, madura, legítima. Levamos quatro propostas concretas para evitar demissões e fechamento de fábricas”, explicou Saraiva.
Entre as medidas sugeridas estavam isenção de tributos, desoneração da folha de pagamento, ampliação do programa Reintegra e prorrogação de taxas no regime drawback. A equipe obteve retorno positivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que se comprometeu a ampliar o Reintegra para 3% nas exportações de médias e grandes empresas, sem restrição geográfica, e 6% para micro e pequenas — um alívio momentâneo para o setor calçadista.
“O governo federal entendeu a gravidade da situação. Essa negociação foi resultado da persistência e da união das entidades, que levaram propostas viáveis, e não apenas cobranças”, reforçou Saraiva.
Um Vale em reconstrução: economia cabreira e desconfiança estrutural
Rodrigo Steffen lembrou que, após as enchentes de 2024, o Rio Grande do Sul viveu um breve ciclo de recuperação econômica, impulsionado pela reconstrução, mas que logo perdeu fôlego no segundo semestre de 2025. Copetti analisou o cenário com franqueza:
“O Vale do Sinos é uma região desconfiada. A economia gaúcha está cabreira. Há resiliência, mas também exaustão. Depois de pandemia, catástrofes e agora uma crise diplomática, vivemos um tempo de reconstruir sem pausa”, destacou.
Para ele, o papel das instituições empresariais, como a ACI, tem sido crucial. “A ACI se mantém relevante porque se renova. Ela não vive de passado. Está presente em cada pauta de desenvolvimento, com comitês técnicos, governança sólida e representatividade real. Isso é o que diferencia uma entidade viva de uma entidade apenas histórica”, completou.
Desindustrialização e informalidade: o novo mapa do emprego
Um dos momentos centrais do debate foi a discussão sobre a mudança estrutural do trabalho. Copetti apontou que a indústria do Vale, que representava 35% do PIB local no início dos anos 2000, hoje responde por cerca de 25% — ainda acima da média estadual, mas em declínio.
“O mundo inteiro está se desindustrializando, e o Vale não é exceção. Muitos segmentos migraram para o setor de serviços e tecnologia. O problema é que continuamos medindo emprego como se estivéssemos em 1990”, provocou.
Segundo ele, o CAGED — base de dados que mede o desemprego — já não reflete a realidade. “Novo Hamburgo tem 45 mil CNPJs, dos quais 21 mil são MEIs. Metade da economia é formada por microempreendedores individuais, e milhares ainda estão na informalidade. Isso muda completamente a forma como entendemos o mercado de trabalho”, explicou.
Saraiva completou: “Temos recorde de carteiras assinadas e, ao mesmo tempo, recorde de trabalhadores fora das estatísticas. É uma economia invisível, que sustenta famílias mas não aparece nos números oficiais.”
O dilema social: programas de auxílio e dependência do Estado
A discussão ganhou contornos mais sociais quando Saraiva criticou o modelo atual de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Segundo ele, o Estado vem “criando dependência” em vez de “gerar autonomia e desenvolvimento”.
“Hoje o governo não ensina a pescar. Temos jovens de 20 a 30 anos, saudáveis, vivendo de auxílio. E o mercado está cheio de vagas que não são ocupadas”, alertou.
Copetti, por sua vez, ponderou que o tema é complexo: “Não é questão de acabar com o auxílio, mas de dar uma janela de futuro. É crime condenar uma geração à falta de perspectiva. É preciso criar caminhos de ressocialização econômica, com capacitação e educação técnica.”
Ambos defenderam uma parceria entre o governo e o Sistema S (SENAI, SESC, SEBRAE, SESI), para transformar beneficiários em profissionais capacitados. “Temos estrutura pronta, falta gestão e política pública eficaz”, reforçou Saraiva.
Educação e tecnologia: o futuro que o Brasil ainda não preparou
Ao falar sobre o futuro do trabalho, o debate se aprofundou no papel da educação e na chegada da inteligência artificial. Para Fauston Saraiva, o problema começa na sala de aula:
“Vivemos o fracasso da educação. O respeito ao professor se perdeu. Hoje, o aluno agride o professor e o pai exige a demissão do docente. Isso é o retrato de uma sociedade falida.”
Ele destacou que a revolução tecnológica exige formação prática e pensamento crítico: “Hoje uma empresa de software que antes empregava dez programadores faz o mesmo trabalho com três, graças à IA. O emprego mudou — precisamos mudar o ensino também.”
Copetti complementou com uma análise filosófica: “O grande crime de hoje é não dar opção de futuro. Vivemos uma nova inquisição de verdades únicas. Precisamos abrir o debate sobre o papel do humano em meio à tecnologia.”
Empresas, ética e inteligência artificial
Rodrigo Steffen questionou se as entidades empresariais ainda terão papel relevante diante da automação e da IA. Saraiva foi categórico:
“As entidades não só continuarão existindo como serão fundamentais. Serão elas que definirão os limites éticos da inteligência artificial e protegerão as relações humanas no trabalho.”
Para ele, a ACI já cumpre esse papel com comitês de inovação, cultura e educação que criam soluções práticas para empresas. “São espaços de oxigenação, de troca e de planejamento real”, afirmou.
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O empresário como herói anônimo
Nos minutos finais, Saraiva fez uma defesa enfática da classe empresarial gaúcha, que enfrenta custos altos, carga tributária pesada e crises sucessivas.
“O empresário brasileiro é um sobrevivente. Empreende em qualquer lugar do mundo. Aqui, é tratado como vilão, mas é ele que mantém empregos e sustenta a economia. Temos que ter orgulho dos nossos empreendedores”, declarou.
Ele também confirmou o convite para o público participar das comemorações de 105 anos da ACI, no Teatro Feevale, dia 21 de outubro, com a palestra de Luiz Felipe Pondé — “Relações humanas e inteligência artificial”.
“Será um evento humanizado e necessário. Pondé vem para provocar reflexão, não lacrar. Precisamos pensar o futuro das relações humanas nesse mundo tecnológico”, concluiu.
O Estação Hamburgo é um programa exclusivo da Vale TV. Exibido ao vivo, de segunda a sexta-feira, das 20h às 21h, o programa reúne convidados em uma bancada de debates que analisa temas de interesse público. Desde 2015, o Estação Hamburgo se consolidou como um espaço plural e democrático, voltado à comunidade, com pautas que abrangem política, cultura, sociedade e as principais questões da região.
O Estação Hamburgo tem o patrocínio de Calçados Beira Rio 50 anos, Construtora Concisa, Exatus Contabilidade, Merkator Feiras e Eventos e Coworking 360.
Debate realizado no dia 10 de outubro de 2025, no programa Estação Hamburgo, apresentado por Rodrigo Steffen, na Vale TV.