Nesta época do ano, é natural olhar ao redor e ver os preparativos para o Natal. Considerada uma das principais festas cristãs, junto com a Páscoa, a data movimenta todos os elos da sociedade — do econômico ao social. Mas quando será que essa tradição chegou por aqui? Antes mesmo da chegada dos primeiros imigrantes alemães, em 1824, a fé cristã já era uma marca na região. Trazida pelos açorianos, a crença católica se espalhava pelo Sul do Brasil à medida que os imigrantes portugueses se estabeleciam por essas terras.
De acordo com dom Zeno Hastenteufel, bispo emérito da Diocese de Novo Hamburgo e doutor em História da Igreja, quando os alemães chegaram a São Leopoldo, na Feitoria do Linho Cânhamo, certamente já encontraram uma capela de madeira em honra de Nossa Senhora da Conceição, na margem esquerda do Rio dos Sinos. “Sabemos que o dogma da Imaculada Conceição foi apenas proclamado trinta anos mais tarde, em 1854. Mas tratava-se de uma devoção portuguesa que já tinha até uma Paróquia de Nossa Senhora da Conceição em Viamão, desde 1745”, conta.
No entanto, foi preciso improvisar. Isso porque os imigrantes católicos que chegaram aqui vieram sem padres ou ministros da religião. Só a partir da chegada dos padres jesuítas, em 1849, que as primeiras paróquias da colônia alemã foram fundadas: em São José do Hortêncio, em 1854; e em Dois Irmãos, em 1857. Em poucos anos, mais dez paróquias foram erguidas no raio que, hoje, corresponde aos vales do Sinos e Caí, incluindo a tradicional Igreja Nossa Senhora da Piedade, no bairro histórico de Hamburgo Velho, em Novo Hamburgo.
Situação diferente dos imigrantes evangélicos e luteranos, que trouxeram “na bagagem” alguns pastores. Para eles, o entrave maior foi desembarcar em um país assumidamente católico. “Amarrado ao padroado, em que o Imperador era também a principal autoridade religiosa. Até então ainda não existiam evangélicos no Brasil e em toda a América Latina, já que este tinha sido um compromisso assumido ainda pelos reis da Espanha e de Portugal, desde os tempos do descobrimento”, observa dom Zeno.
Roswithia Weber, professora do curso de História da Universidade Feevale, ressalta que a religião de grande parte dos imigrantes não era católica, mas sim protestante. “Só com a Proclamação da República, em 1889, foram equiparados legalmente”, pontua. Inclusive, os templos religiosos dos protestantes inicialmente tinham o aspecto de casas de moradia e os protestantes eram “tolerados”, conforme a própria legislação registrava. “Juridicamente, a condição de professar outro culto impedia a cidadania brasileira. Só a partir de 1881, os imigrantes protestantes podiam exercer funções públicas”, detalha.
Bispo emérito de Novo Hamburgo, dom Zeno comenta que a presença de muitos evangélicos entre os imigrantes alemães trouxe uma outra realidade para São Leopoldo, diferente da do Brasil. “A questão religiosa foi logo saneada, com a intervenção do Palácio que, em combinação com os bispos de então, conseguiram um ‘modus vivendi’”, lembra. Foi então que passaram a fundar paróquias e construir capelas em toda a parte. Mas, como os alemães vinham de regiões diferentes do antigo Império Alemão, pertenciam também a sínodos diferentes e por isso, em 1867, em São Leopoldo, foi realizado o Sínodo da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, que passou a ter a sua sede e centralização no Morro do Espelho, em São Leopoldo.
“Este Sínodo teve grande importância, tanto que, com a vinda dos luteranos norte-americanos, que entraram por Pelotas e São Lourenço, também chegaram a São Leopoldo, foi muito fácil fazer a diferença entre a Igreja Luterana do Brasil (Missurianos, oriundos dos Estados Unidos) e a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, dos imigrantes alemães, vindos da Europa”, detalha dom Zeno.
Passados 200 anos, a região segue alicerçada nos valores cristãos, seja nas mais variadas denominações religiosas. Valores esses que, segundo os pesquisadores, permitiram que o Vale prosperasse — muito também pelas investidas missionárias na área da educação.
CONFIRA A EDIÇÃO 38 DO JORNAL O VALE