novohamburgo.org – Tu admiravas o Lula?
Ralfe – Eu não tenho dúvidas de que ele seja um dos maiores líderes na história da América Latina. E eu me frustrei muito. O Lula tinha responsabilidade tanto quanto tinha o Zé Dirceu. Mas o Lula não é um grande ideólogo. O Lula é o líder que a esquerda construiu. Eu não tenho dúvida do carisma popular e da liderança que é o Lula, e isso ninguém tira. Pode ser presidente de novo e ninguém vai tirar. E o símbolo para a resistência e para a luta popular que ele foi, ninguém tira.
Mas ninguém tira também o governo que ele fez. Tanto o primeiro quanto o segundo. E é uma escolha que ele fez. E o governo foi isso: tu não podes colocar a mercadoria no balcão se ninguém quiser comprar. O governo foi ao congresso e negociou o apoio. Como um grande balcão, comprou e vendeu.
novohamburgo.org – E o Lula traiu o PT orgânico ou ele é o próprio PT orgânico?
Ralfe – Não, ele não é o PT orgânico. E ao mesmo tempo ele era do núcleo duro do PT instituição. Não houve traição porque eles fizeram aquilo conscientes. Acho que houve uma ilusão que sustentamos por muito tempo de que estes líderes efetivamente nos representavam. Para mim, o primeiro grande golpe que o Lula dá é a aliança com o José Alencar como vice. Ele, que foi o que lá atrás forçou a Heloísa Helena a não ser candidata a governadora.
Aquele era o momento do Lula. O Lula poderia ter feito o que quisesse nos primeiros seis meses, pelo apelo e pela força popular. Se o congresso quisesse cassar o Lula, o povo poderia fechar o congresso, e não que eu defenda fechar o congresso.
Nós fomos os fiadores dessa vitória, e esse era o sonho de todo mundo. Tanto que quando ganhou foi a esperança que venceu o medo. E cinco anos depois já não é nada disso. E daí, como faz?
novohamburgo.org – Ele matou tudo isso?
Ralfe – Em mim não, mas quanta gente nós perdemos para casa? Gente que continua no PT, mas não vai no PT. Gente que saiu do PT, mas não sai sequer para tomar um chimarrão no vizinho, que antes visitava para falar de mudança. E quanta gente não vai mais fazer isso nunca?
novohamburgo.org – Quanto ao debate na Câmara. O secretário de Segurança não diz nada, aí vai o prefeito e também não responde nada. Tu achas que a tua luta em Novo Hamburgo está perdida?
Ralfe – Não, claro que não. Qualquer suspiro de qualquer um de nós sempre vai valer a pena. Tem aquela história do Che: “Tu podes matar uma flor, mas não pode matar o jardim”. E eu acho que é isso. Eles podem, em um episódio, não responder. Mas isso não signifique que eu deixe de fazer, que tu deixes de cobrar, ou que a imprensa se cale, ou que a sociedade não reaja.
Acho que a gente passa por um momento muito difícil, em que as pessoas não queiram reagir, porque cansaram, ou que não achem que reagir vale a pena. Mas isso também tem fim. As pessoas vão cansar do nada. Seja em algum momento em que vão sentir no bolso o que está acontecendo, vão sentir na invasão da sua casa, na falta de vaga para o seu filho no colégio.
Acho que a próxima geração, a minha e a tua vai sentir quando tentar matricular o filho na universidade e não vai conseguir. A minha família teve condições. Em 1995, embora eu não tenha terminado até hoje, eu entrei na universidade, no momento seguinte minha irmã e depois meu irmão. Teve um momento em que meu pai, funcionário público, tinha os três filhos na universidade privada.
Hoje ele não paga a mesma freqüência para nenhum de nós. Se precisasse desembolsar, seriam três cadeiras para um de nós. Naquela época, eram quinze cadeiras. Hora menos ou hora mais, mas nesse contexto, o que vai depender de nós reagirmos.