Presidente do Aeroclube de Novo Hamburgo e escritor, Alceu Mário Feijó Filho resgata memórias da aviação regional e lança o livro Sou Aviador 2 – Histórias da História, obra que mistura crônicas, emoção e o legado de uma vida dedicada ao voo.
Em Novo Hamburgo, falar de aviação é falar de Alceu Mário Feijó Filho. Ao menos nos últimos 50 anos. Piloto, escritor, empreendedor e apaixonado pela história dos céus, ele preside o Aeroclube de Novo Hamburgo, símbolo do pioneirismo, da aviação agrícola e da resistência da aviação regional. Em entrevista ao programa Conversa de Peso, da Vale TV, com Rodrigo Steffen, Feijó revisitou episódios marcantes da trajetória do aeroclube e anunciou o lançamento de seu segundo livro, Sou Aviador 2 – Histórias da História, continuação do sucesso Sou Aviador. A obra reúne crônicas, lembranças e reflexões de uma vida inteira entre pistas, nuvens e amizades inesquecíveis.
Um legado de pioneirismo no céu hamburguense
Fundado por visionários da região, o Aeroclube de Novo Hamburgo nasceu do espírito desbravador de homens como Pedro Adams Netro, conhecido como Pedrinho Adams, nome que hoje batiza o Aeroporto Regional Pedro Adams Neto. O próprio Feijó relembra com carinho essa história, desenhada por seu pai, o fotógrafo, jornalista e cronista Alceu Feijó. “O Pedrinho foi quem encontrou a área onde hoje está o aeroporto. Sobrevoou a região, pousou num campo bruto, e acabou sendo recebido à mira de uma espingarda por uma fazendeira — a Dona Ducha. Mas com o seu carisma, convenceu-a de que ali nasceria uma pista de pouso”, contou.
O episódio, narrado quase como uma lenda, é uma das passagens que demonstram o caráter aventureiro e apaixonado dos pioneiros da aviação local. O campo virou referência no Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul e no Brasil, abrigando uma escola de pilotos e servindo de base para missões humanitárias, de treinamento e comerciais.
Em dezembro de 2023, o aeroclube promoveu uma homenagem à família Adams, reunindo descendentes de várias partes do Brasil. “Foi emocionante. Eles disseram que nunca tinham juntado tanta gente da família. Foi uma justa homenagem ao grande Pedrinho Adams”, contou Feijó.
O aeroclube que resiste
Caminhando para um século de história, o Aeroclube de Novo Hamburgo sobreviveu a crises, disputas políticas e interesses imobiliários. Alceu Feijó explica que o terreno é uma área doada ao município em 1983, com a condição de ser permanentemente destinada à aviação. “A escritura é clara: o espaço deve continuar sendo um campo de pouso. Não pode ser vendido, nem total nem parcialmente. É um patrimônio da cidade”, afirma.
Mesmo assim, o local tem enfrentado pressões e questionamentos. “Alguns setores falam em irregularidades, mas é tudo baseado em desinformação. Já entregamos toda a documentação à promotoria e está tudo correto”, garantiu o presidente.
Hoje, o aeroclube é o único campo de pouso ativo entre Novo Hamburgo, São Leopoldo e Sapiranga, e desempenha papel essencial para o desenvolvimento regional. “Como pensar em modernidade sem aviação? O aeroclube é uma sementeira de profissionais. Os pilotos que começam aqui acabam voando o mundo todo — há ex-alunos comandando aeronaves em Dubai”, destaca com orgulho.
Um aeroporto com função social
Além da formação de pilotos e manutenção da tradição aeronáutica, o aeroporto tem importante função humanitária e estratégica. “Durante emergências, como no caso de transplantes de órgãos, ou quando Porto Alegre ficou sem operação por meses, o campo de pouso foi fundamental”, explicou Alceu Feijó.
O local também recebeu verbas parlamentares destinadas à sua modernização. “Temos R$ 400 mil reservados para o projeto de asfaltamento da pista, por meio do senador Mourão, e mais R$ 2 milhões do senador Heinze para o próprio asfaltamento. Isso vai permitir que possamos receber aeronaves maiores, como jatos executivos e até aviões do porte de um ATR”, detalhou.
A pavimentação da pista, segundo ele, é um passo essencial para a sustentabilidade do aeroporto. “Hoje os jatos não pousam aqui porque as pedrinhas podem danificar as turbinas. O asfalto vai garantir segurança e ampliar o uso do aeroporto”, completou.
“O aeroclube é um pulmão da cidade”
Feijó compara o espaço a um dos grandes parques da cidade. “Se o Parcão é o pulmão verde de Novo Hamburgo, o aeroclube é o pulmão azul. Dentro do nosso oceano urbano, ele preserva um espaço de liberdade, natureza e história”, define.
Ele destaca ainda o caráter coletivo da aviação. “A aviação é a união de muitos. É engenharia, meteorologia, coragem, e também poesia. Todo voo é um ato de fé.”
“Sou Aviador 2” — crônicas que voam alto
Paralelamente à atuação no aeroclube, Feijó se tornou um escritor querido e lido nas redes sociais, conhecido por suas crônicas que misturam emoção e humor. Seu primeiro livro, Sou Aviador, reuniu memórias da juventude, histórias de voo e episódios marcantes da vida pessoal. O sucesso foi tanto que veio o segundo volume: Sou Aviador 2 – Histórias da História.
“Escrevi o primeiro sem saber o tamanho que ele teria. Fui lembrando de fatos e escrevendo. Quando percebi, tinha uma ‘bíblia’ da aviação”, brinca. Agora, o novo livro traz uma seleção mais leve, variada e pessoal. “O segundo é uma miscelânea. Não me fixei apenas na aviação. Falo de amigos, da família, de gente boa que cruzou meu caminho. Tem humor, emoção e até suspense.”
Entre os relatos está uma história sobre um amigo que, sem saber, o ajudou em um momento difícil. “Era cedo, umas seis da manhã, ele apareceu lá em casa para me oferecer ajuda financeira. Eu não tinha dito nada a ninguém, mas ele apareceu. Essas coincidências da vida me fascinam.”
As novas crônicas também abordam a trajetória do pai e do avô, personagens marcantes na formação de Feijó. “Meu avô participou das revoluções gaúchas. Era daqueles homens que faziam história com espada em uma mão e pistola na outra”, narra, em uma das passagens mais cinematográficas do livro.
Aviação agrícola: dos tiros ao respeito
Com mais de meio século de experiência, Feijó é uma referência da aviação agrícola brasileira. Ele lembra os tempos em que os pilotos eram vistos com desconfiança. “Nos chamavam de bandidos e mercenários. Hoje se entende que sem a aviação agrícola o país não alimenta o mundo.”
O piloto destaca a evolução tecnológica e ambiental do setor. “O que aplicávamos antes era o que havia disponível. Hoje os produtos são biodegradáveis, com princípios ativos parecidos aos dos remédios que tomamos. Tudo depende da dosagem.”
Para ele, o trabalho continua sendo perigoso, mas essencial. “A aviação agrícola põe comida na mesa. É um ofício que exige coragem e responsabilidade.”
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O escritor que vê poesia no céu
Com voz serena e olhar de quem ainda se emociona ao falar de aviões, Mário Feijó Filho representa uma geração que fez história no Vale do Sinos e continua inspirando novas. Sua esposa, Luli, escreveu um texto no livro que o define com precisão:
“Por trás de um aviador há sempre uma grande história de amor — no caso dele, muitas histórias de amor pela aviação.”
O livro Sou Aviador 2 – Histórias da História está disponível no Aeroclube de Novo Hamburgo, e pode ser solicitado diretamente com o autor. “Custa R$ 70 e entregamos pelo correio. Escrever é um jeito de continuar voando — agora com as palavras”, diz Feijó, sorrindo.