Empresário e diretor da Tecnomoda, feira que conecta moda, tecnologia e sustentabilidade, Ricardo Michaelsen fala sobre sua trajetória, os bastidores do setor coureiro e a importância de manter viva a vocação produtiva do Vale do Sinos.
Alerta de spoiler: na entrevista com Ricardo Michaelsen a palavra “couro” está presente diretamente 42 vezes!
De infância simples em Novo Hamburgo a protagonista de uma história marcada por reinvenções e conquistas, Ricardo Michaelsen construiu uma das trajetórias mais emblemáticas do setor coureiro nacional. Conhecido como “rei do couro” por sua atuação na Couroflor, foi presidente da FENAC, liderou entidades como Abqtic, CICB e IBTeC, e hoje dirige a Tecnomoda, uma das principais feiras de couro, moda e tendências da América Latina. Em entrevista ao programa Conversa de Peso, da Vale TV, com Rodrigo Steffen, o empresário relembrou os desafios, aventuras e histórias que moldaram sua vida — de um pouso forçado em Mato Grosso à convivência com ícones como Hebe Camargo — além de tantos ícones da indústria coureiro-calçadista —e defendeu o papel estratégico de Novo Hamburgo na inovação industrial e na preservação do couro como símbolo de qualidade e tradição.
Das raízes hamburguenses à vida nômade
Ricardo teve uma infância itinerante. Morou em várias cidades do Rio Grande do Sul e, ainda jovem, mudou-se para o Mato Grosso, quando o estado ainda não havia sido dividido. “Eu me considero um nômade”, disse. “Já morei em tantos lugares que conheço 98% do Brasil. Só não pisei em Fernando de Noronha.”
Sua ascendência dinamarquesa, revelada ao longo da entrevista, deu origem ao sobrenome: Michaelsen — “filho de Miguel”. “Descendo de Michaelsen, um dinamarquês que migrou para a Alemanha antes de vir para o Brasil. De certa forma, todos nós, Michaelsen, somos aparentados”, contou.
O menino do couro
A ligação com o couro começou cedo, quase como destino. “Aprendi a jogar bola em cima de retalhos de couro”, recorda. Aos nove anos, já trabalhava passando cola e vendendo jornal. Aos 14, teve a carteira assinada e tornou-se auxiliar de gerente em uma fábrica de calçados.
Na juventude, conciliou trabalho e estudos noturnos, até ingressar na tradicional loja Casa Floriano, em Novo Hamburgo. Lá, foi balconista, encarregado do crediário e, por fim, manequim — desfilando para marcas como Renner, em Porto Alegre. “Na época, havia preconceito. Meu pai dizia: ‘isso não é trabalho’. Mas eu sempre gostei de estar entre pessoas, aprender e me reinventar.”
Aliás, alerta de spoiler: na entrevista com Ricardo Michaelsen a palavra “couro” está presente diretamente 42 vezes!
Da Turiscar às florestas de eucalipto
A virada profissional veio com a Turiscar, fabricante de trailers, onde começou de baixo e se tornou chefe de compras. Durante a crise do petróleo, ajudou a empresa a se reerguer ao propor um plano de reestruturação — uma “concordata branca” — que conciliou dívidas e manteve os fornecedores.
A experiência levou-o a ser convidado para administrar a Florestadora Estância, responsável por 47 mil hectares de reflorestamento de eucalipto. “Era tudo mecanizado, algo muito avançado para a época”, relembra.
Mais tarde, migrou para o setor de curtumes, tornando-se comprador de couro e percorrendo o país. “Gastava um Opala por ano. Rodava mais de 220 mil quilômetros, de norte a sul. E as estradas nem eram asfaltadas.”
O “rei do couro”
Nos anos 1980 e 1990, Michaelsen consolidou-se como referência no mercado de curtumes, alcançando o título de maior vendedor de couro do Brasil. Sob sua liderança na Couroflor, o país tornou-se destaque em exportações de couro beneficiado.
Ele explica que o couro gaúcho, nascido das charqueadas e da pecuária, foi base de toda a economia do estado: “O boi foi o verdadeiro bandeirante do Brasil. Levou o couro, a carne e o trabalho até o Norte.”
Sobre os desafios atuais, alerta: “Os jovens precisam voltar a se interessar pela indústria. Hoje, quando se entra num curtume, só se vê cabelo branco. Falta incentivo para formar novos técnicos. É preciso resgatar o orgulho de quem trabalha com couro.”
A experiência que vai virar livro
Ricardo Michaelsen coleciona histórias impressionantes. Três vezes escapou de desastres aéreos porque não embarcou nos vôos — entre eles um da TAM e outro da Air France. E sobreviveu a um pouso forçado de monomotor no Mato Grosso, quando administrava as fazendas da Florestadora Estância.
“Caímos numa área de braquiária, cheia de tocos de árvores. O piloto Peninha e eu nos abraçamos, e Deus nos salvou. Foi um milagre”, relatou. As histórias farão parte de um livro que está em fase de finalização, reunindo suas aventuras pelo Brasil e pelo mundo.
Hebe Camargo e o selinho inesquecível

Durante sua presidência na FENAC, em 2009, protagonizou um dos momentos mais icônicos de sua trajetória: o reencontro com Hebe Camargo, que 46 anos antes havia sido madrinha da Festa Nacional do Calçado.
“Fomos a São Paulo para convidá-la. Ela aceitou na hora e passou dois dias conosco em Novo Hamburgo. Era exatamente como se via na TV: divertida, elegante, carinhosa. Fizemos um churrasco improvisado num latão no terraço do hotel, e no final ela disse: ‘só dou selinho pra quem eu gosto’. E me deu um selinho”, relembra, rindo.
Tecnomoda: moda, couro e inovação
Hoje, Ricardo Michaelsen comanda a Tecnomoda, feira realizada em Ribeirão Preto (SP), considerada o maior evento de fornecedores de couro da América Latina. O encontro conecta indústrias de moda, automotivo, moveleiro e decoração, reunindo curtumes, estilistas, designers e marcas de todo o continente.
“Quando percorri o Brasil, percebi uma lacuna: faltava uma feira que aproximasse pequenos e médios fabricantes. O grande já tem estrutura e equipe, mas o pequeno precisa de espaço para mostrar seu trabalho. A Tecnomoda nasceu para isso”, explica.
O evento também aposta na inovação e sustentabilidade, com parcerias como a Tilapia Leather, que utiliza couro de peixe na confecção de acessórios. Michaelsen exibe com orgulho o presente que ganhou de um estilista de Araraquara: “Um tênis feito de couro de tilápia, com a marca Tecnomoda gravada. É o símbolo do novo ciclo do couro brasileiro.”
O couro do futuro

Ricardo Michaelsen defende que o couro continuará sendo símbolo de durabilidade e elegância — desde que se adapte às novas demandas ambientais. “O couro é atemporal. Não é modinha. É sustentável porque é um subproduto da pecuária. O desafio é agregar design e tecnologia, valorizando quem está começando e quem mantém viva a tradição.”
Para ele, a formação técnica e o incentivo aos jovens são fundamentais para o futuro do setor. “Quando a gente mostra o valor do trabalho, o jovem se motiva. Vi isso em projetos no Senai e nas escolas de curtimento. É esse movimento que vai garantir que Novo Hamburgo continue sendo referência mundial.”
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Um legado de fé, trabalho e propósito
Pai de quatro filhos — Eduardo, Tiago, Arthur e Victória —, Michaelsen é reconhecido por sua vida modesta e espírito inquieto. Entre viagens, danças e amigos, mantém o foco na fé e na gratidão. “Depois de tudo o que vivi, ter pego covid três vezes, ter superado, ainda que com muitas dificuldades, sei que estou aqui por um propósito. Deus me deu mais de uma chance. E quero usá-las para continuar contribuindo com a indústria, com as pessoas e com a minha cidade.”
Clique na imagem abaixo para assistir ao Conversa de Peso com Ricardo Michaelsen no canal da Vale TV no YouTube:
Entrevista para o programa Conversa de Peso, com Rodrigo Steffen.