Entre o conservadorismo e a transformação social, o Estação Hamburgo recebeu Ibanes Mariano, Leandro Zambrano, Raizer Ferreira e Ricardo “Ica” Ritter para discutir política, a influências das igrejas, a fé e futuro do Vale.
O programa Estação Hamburgo reuniu, em uma de suas edições mais intensas, quatro nomes conhecidos da política regional: o cientista político Ibanes Mariano, o advogado Leandro Zambrano, o ex-vereador Raizer Ferreira, e o vereador Ricardo Ritter, o “Ica”. Sob a mediação de Rodrigo Steffen, o debate ganhou contornos de diagnóstico político e sociocultural das cidades de Novo Hamburgo e São Leopoldo, dois polos que, embora vizinhos, vivem realidades políticas distintas e refletem bem a polarização que marca o Brasil atual.
Logo na abertura, Rodrigo relembrou o fim de semana festivo do Kerb de São Miguel, em Dois Irmãos, destacando a união entre diferentes religiões na celebração e o caráter comunitário do evento — um contraste simbólico com o debate político que se seguiria, marcado por tensões, análises críticas e divergências de visões.
Novo Hamburgo e São Leopoldo: dois polos políticos em contraste
Provocado pelo apresentador, Ibanes Mariano lançou uma frase que pautou grande parte da discussão:
“Novo Hamburgo é o inferno do bolsonarismo; São Leopoldo, o céu.”
Segundo o cientista político, enquanto Novo Hamburgo vive um governo com uma agenda bolsonarista em essência, com decisões polêmicas e um estilo considerado centralizador, São Leopoldo, mesmo após a hegemonia do PT com Vanazzi, vive uma transição mais equilibrada sob a gestão do delegado Heliomar Franco, eleito pelo PL. “Apesar das diferenças ideológicas, o governo de São Leopoldo manteve políticas e programas do período anterior, mostrando maturidade política”, afirmou.
O advogado Leandro Zambrano concordou parcialmente, mas reforçou a crítica ao governo hamburguense. Para ele, há um desequilíbrio nas decisões administrativas, marcado por atitudes intempestivas e falta de diálogo. Um exemplo citado por Raizer Ferreira foi o decreto de calamidade financeira, classificado pelos debatedores como “injustificável”, já que, segundo os dados da própria prefeitura, o caixa do município mantém sempre saldo superior a R$ 60 milhões mensais.
Raizer Ferreira: “Está faltando bom senso e prioridade popular”
O ex-vereador Raizer Ferreira foi direto ao apontar as contradições da atual gestão hamburguense. Segundo ele, o discurso de crise financeira não se sustenta diante dos números: “o prefeito declara calamidade, mas tem dinheiro em caixa. Ele escolhe quem paga, protela pagamentos e usa o argumento para justificar decisões questionáveis.”
Raizer também citou a tentativa de leiloar dezenas de imóveis públicos, projeto que acabou sendo retirado o regime de urgência após reação da Câmara. “Quando se fala em vender patrimônio público, há sempre interessados. É preciso transparência. E, no caso do Bota Fogo, o clamor popular foi ignorado”, alertou.
Para o vereador Ica Ritter, a sensação de distanciamento entre o poder público e a comunidade é um sintoma de uma cidade carente de celebrações populares. “Está faltando uma festa popular em Novo Hamburgo. Dois Irmãos, Campo Bom, Estância Velha têm seus eventos. Aqui, a gente ainda não encontrou a nossa identidade festiva”, lamentou.
A força (e a fragmentação) do voto evangélico
Um dos temas mais instigantes da noite foi o papel das igrejas na política regional. A análise de Ibanes Mariano trouxe dados e reflexões que extrapolam o Vale dos Sinos. Ele revelou que, segundo levantamentos recentes, Novo Hamburgo tem cerca de 35% de população evangélica, um número que influencia diretamente os resultados eleitorais, embora ainda falte organização política unificada entre as denominações.
“O fenômeno evangélico é feminino, preto e pobre. O PT e a esquerda perderam contato com esse público. A direita aprendeu a conversar com essas pessoas. É uma realidade que precisa ser compreendida”, destacou o cientista político.
Raizer Ferreira, que frequenta a Igreja Batista Lagoinha, reforçou essa leitura, lembrando que muitas igrejas ainda têm resistência em se envolver diretamente com a política, embora apoiem candidatos de forma informal. “A igreja precisa entender que pode — e deve — ocupar espaços de decisão. Mas falta unidade entre os pastores. Temos mais de 500 igrejas na cidade, e apenas seis aparecem nas fotos quando há encontros com o poder público. Se estivessem organizadas, poderiam eleger metade da Câmara”, afirmou.
Ica Ritter, por sua vez, lembrou nomes históricos ligados ao voto evangélico e às igrejas, como o pastor Armando Aguiar, João Marcos e o ex-vereador Renato Fernandes, e reconheceu que o segmento perdeu força política nas últimas décadas. “Antes, as igrejas tinham uma influência direta. Hoje, estão mais focadas em suas comunidades e menos em articulações amplas”, observou.
Do humor à política: o caso Cris Pereira e os riscos do julgamento público
Outro ponto abordado foi o caso judicial envolvendo o humorista Cris Pereira, condenado em primeira instância, mas ainda em fase de recurso. O advogado Leandro Zambrano destacou o perigo da condenação pública antecipada:
“O processo é sigiloso, mas a opinião pública já julgou. A imagem de alguém pode ser destruída antes mesmo da sentença final. A Justiça precisa ser feita com responsabilidade e transparência.”
Os demais convidados endossaram o alerta. “A sociedade está cansada de linchamentos morais. Precisamos de prudência”, resumiu Ibanes.
A nova geografia política do Vale do Sinos
Durante o debate, Ibanes também apresentou dados de uma pesquisa sobre o perfil eleitoral da Região Metropolitana de Porto Alegre, realizada em parceria com o professor Gadea, do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Segundo ele, o PP é o partido com maior número de prefeituras, mas o PL conquistou as principais cidades, alterando o equilíbrio de forças tradicionalmente dominado pela esquerda.
Em São Leopoldo, o PL venceu após quase duas décadas de governos petistas. Em Campo Bom, Giovanni Feltes (MDB) foi o único ex-prefeito da região metropolitana a se eleger entre 14 que tentaram voltar ao cargo. “Há um realinhamento em curso”, analisou. “As igrejas, a classe média evangélica e os setores empresariais têm sido decisivos nesse processo.”
Entre a análise e o bom humor
Apesar da densidade política dos temas, o programa manteve o tom leve e bem-humorado que caracteriza o Estação Hamburgo. Histórias de bastidores, provocações amistosas e lembranças pessoais renderam momentos descontraídos. Ica Ritter contou, entre risadas, que aprendeu a lidar com o povo “nos botecos e nos campos de futebol”, lembrando a figura do avô, que “fazia jogo do bicho” na infância. “Ali eu aprendi a gostar de gente, de conversa, de rua. É isso que me move até hoje”, disse.
O papel da mídia
Ao longo da transmissão, os convidados ressaltaram a importância da Vale TV como espaços de debate plural e democrático. Ibanes Mariano destacou que programas como o Estação Hamburgo são essenciais para compreender a realidade local e aproximar o cidadão da política.
Um vale em transformação
O debate terminou com um alerta de Ibanes Mariano sobre o futuro político do estado:
“O bolsonarismo vai canibalizar o governador Eduardo Leite. A contingência de 2022 não existirá em 2026.”
A frase provocou reações e risadas, mas também serviu como síntese do espírito da noite: crítica, reflexão e humor, características que fazem do Estação Hamburgo um dos programas mais relevantes do Vale do Sinos quando o assunto é política e sociedade.
Debate realizado no dia 30 de setembro de 2025 no programa Estação Hamburgo, apresentado por Rodrigo Steffen.