Prefeitura decide não prorrogar decreto de calamidade, mas saldo fiscal negativo, déficits estruturais e incertezas ameaçam serviços essenciais no município.
Embora o decreto de calamidade financeira decretado em março tenha sido encerrado recentemente, a Prefeitura de Novo Hamburgo admite que as contas municipais permanecem em alerta máximo. Durante audiência pública na Câmara nesta terça-feira (23), a secretária da Fazenda, Michele Antonello, alertou que, apesar da decisão administrativa, novas medidas de ajuste serão inevitáveis, sob pena de corte em serviços públicos. A controvérsia entre o discurso de “normalização” e o cenário real de déficit expõe o risco de colapso na gestão local.
O prefeito Gustavo Finck não esteve presente na audiência pública de prestação de contas.
Entre a retirada do decreto e a manutenção da crise
Em 19 de março, durante a realização da Fimec e no auge da crise do anúncio do fim da Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo, o prefeito Gustavo Finck assinou decreto que declarou estado de calamidade financeira para enfrentar as dívidas acumuladas do município. A justificativa era permitir flexibilidade orçamentária, renegociar contratos e preservar os serviços mais essenciais. O valor foi questionado desde o início, com um debate público entre a ex-prefeita Fátima Daudt e o prefeito Gustavo Finck, num programa da rádio Gaúcha.
Agora, ao optar por não renovar o decreto, o Executivo sinaliza uma tentativa de demonstrar controle. Entretanto, a secretária Michele Antonello não celebra vitória: “a situação segue muito séria e muito grave. Vamos encerrar o ano com déficit” afirmou ela em audiência pública da Comissão de Finanças da Câmara.
A permanência de contingências e restrições orçamentárias deixa claro que a crise não foi superada — apenas muda de jogo.
Números que assustam: déficit crescente e arrecadação aquém do esperado
Os números apresentados confirmam a gravidade do quadro. Do orçamento previsto de R$ 2,004 bilhões para 2025, até o momento a Prefeitura arrecadou apenas R$ 1,224 bilhão — uma diferença de cerca de R$ 800 milhões, quase impossível de ser recuperada até o fim do ano.
A dívida herdada era estimada em R$ 117,5 milhões, incluindo todos os compromissos de curto prazo, segundo dados oficiais do encerramento de 2024, mas segundo a atual administração foram identificadas outras obrigações sem empenho anterior que somam cerca de R$ 80 milhões.
Na saúde, R$ 56 milhões persistem sem solução; nas pastas de Cultura e Meio Ambiente, gastos represados também pressionam os cofres públicos.
Ainda conforme a secretária, muitos processos de 2024 continuam sendo registrados no primeiro semestre de 2025, fruto de uma gestão anterior que deixou rastros contábeis incompletos. “Nós ainda estamos mensurando esse valor deficitário de 2024 … ainda estamos apurando o quadro real do orçamento do município”, admitiu.
Prioridades à prova: serviços em risco, cortes inevitáveis
Com um cenário fiscal tão fragilizado, o Executivo precisa tomar decisões impopulares. Um dos caminhos já adotados é o bloqueio de 25% de todo o orçamento para contenção de despesas.
Essa decisão, contudo, tem efeitos visíveis: o município anunciou não realizou atividades como carnaval e osdesfiles cívicos de 7 de Setembro e da Revolução Farroupilha, e não deve realizar a Feira do Livro, tradicionais no calendário cultural local, sob justificativa de que “a situação inviabiliza despesas com eventos”.
Enquanto isso, a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2026 aponta receitas de R$ 2,05 bilhões, mas despesas projetadas de R$ 2,25 bilhões — quase R$ 197,8 milhões a mais do que se espera arrecadar. Mesmo com o decreto extinto, projetar equilíbrio fiscal segue uma meta distante.
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Discurso versus realidade: que narrativa prevalece?
O momento exige cautela diante do contraste entre discurso e prática. O fim do decreto pode ser celebrado como um gesto simbólico de confiança, mas não elimina a urgência de cortes profundos e revisão de contratos. A secretária confirma que novas publicações com medidas administrativas virão nos próximos dias.
Há um risco latente, segundo a secretária da Fazenda, de que a pressão orçamentária recaia nos serviços públicos: saúde, educação, infraestrutura. Se os ajustes forem feitos de forma desordenada ou precipitadas, quem pode sofrer é o cidadão mais vulnerável.
Para além da retórica de “superação”, o desafio de Novo Hamburgo é construir transparência e responsabilidade. A população merece saber quais contratos serão revistos, quais obras serão freadas e onde haverá corte de pessoal ou suspensão de convênios.
Por outro lado, medidas como a venda de ativos imobiliários da municipalidade seguem sendo preparados, com a organização do setor imobiliário e de investidores. Outro importante patrimônio do município é a Comusa, cuja possibilidade de venda nunca foi negada e estudos já foram realizados.
Ex-secretário Gilberto dos Reis questiona o início e o fim da calamidade
Em entrevista ao Portal valedosinos.org, o ex-secretário da Fazenda de Novo Hamburgo, o servidor público Gilberto dos Reis, sobre o fim do decreto de calamidade financeira anunciado pelo Executivo, afirmou que “desde o início, nunca houve calamidade financeira do município. Houve sim uma dificuldade muito grande nas finanças públicas que vem acontecendo ao longo de muitos anos. O município trabalha com déficit financeiro ao longo dos tempos, fruto principalmente de gastos excessivos – e necessários – na área da saúde e de um desequilíbrio na área da Previdência. Na da Previdência o município vem tentando há tempos fazer uma reforma na Previdência que iria minimizar os gastos com a Previdência e na saúde a briga por mais recursos a nível estadual e federal.”
Gilberto dos Reis lembra que Novo Hamburgo tinha em 31 de dezembro, e tem até hoje, boas condições financeiras, considerando municípios de todo o Brasil. Enquanto pelo índice do CAPAG (Capacidade de Pagamento), do Ministério da Fazenda, Novo Hamburgo tem condições – e classificação dentro do índice – muito melhores do que municípios com características de população e área parecidas com os do município, como São Leopoldo, Canoas, Pelotas ou mesmo Santa Maria, de onde era secretária da Fazenda a atual secretária de Novo Hamburgo.
E concluiu dizendo que “o município, pelo que a gente consegue perceber, não conseguiu atingir os objetivos propostos com o decreto de calamidade financeira, pois o caos está cada vez maior, as contas cada dia mais atrasadas, os fornecedores reclamando de não recebimento e então o decreto de calamidade foi inócuo e não conseguiu resolver os problemas das finanças públicas. Nós temos que ter presente que o município sofre, sim, com uma dificuldade nas suas receitas, as despesas são maiores que as receitas, e é um problema que tem que ser resolvido num médio espaço de tempo para que o município retome seus investimentos para a população de Novo Hamburgo. A demonstração de que este problema financeiro é estrutural é o fato de o orçamento apresentado à câmara de vereadores para o próximo ano prever um déficit de quase R$ 200 milhões”
Fufa Azevedo fala em “calamidade administrativa”
Segundo Fufa Azevedo, um dos candidatos que enfrentou o prefeito Gustavo Finck nas eleições de 2024, e que vem fiscalizando e fazendo críticas a atual administração, “o prefeito decretou calamidade financeira sem que em nenhum momento ele tivesse apresentado documentos, provas orçamentárias, de que o município estava de fato em calamidade financeira. Que o município – e todos os municípios do Brasil afora – enfrentam algum tipo de dificuldade financeira é um fato, não é nenhuma novidade e não poderia ser novidade para um prefeito que passou quatro anos na oposição criticando o governo Fátima e dizendo que tudo estava errado, que a cidade estava falida, estava quebrada. Primeiro ele diz que não tem dinheiro para nada, depois ele decreta uma calamidade financeira mas não prova, estando na cadeira. O grave disso é não comprovar a calamidade financeira, tendo à disposição todas as informações sobre o orçamento do município.”
Ainda conforme Fufa Azevedo, “outro fato é que parar a cidade como ele fez não é solução. Isso reduz a atividade econômica em todos os campos, em todas as áreas, poucas obras públicas, nenhum evento cultural que atinge o coração da autoestima da cidade, a saúde piorando, nada na educação, ou seja, é um governo que depois de mais de oito meses, quase nove meses, só arrumou efetivamente desculpas. Mas este mesmo prefeito, na campanha eleitoral, dizia que a sua eleição era a solução para todos os problemas da cidade. E o que se verifica na realidade não é isso. O prefeito tem feito um governo pior do que o governo anterior, em todas as áreas. A calamidade não é financeira, é administrativa. Não tem uma única área, um único eixo de desenvolvimento que tenha melhorado na cidade de Novo Hamburgo depois de longos nove meses.”.
Enquanto o decreto pode não estar mais em vigência, a calamidade financeira, na prática, permanece. Em Novo Hamburgo, a crise não cabe em decreto — exige governança, diálogo e coragem política. O município precisa de mais do que discursos otimistas. Precisa de metas, transparência e compromisso real com o equilíbrio fiscal sem sacrificar os serviços que fazem a diferença na vida das pessoas.
Com informações da Assessoria de Imprensa/CMNH.
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