São Leopoldo tem um desempenho preocupante em relação ao atendimento à Atenção Básica na Saúde, em uma conta que aparentemente não fecha. Enquanto investiu no ano passado 28,99% em recursos próprios para a Saúde (quando o índice sugerido é de 14%), destinando R$224 milhões, a Atenção Básica teve uma das piores taxas de cobertura (17,5%) em comparação a Canoas, Gravataí e Novo Hamburgo. Estes foram somente alguns dos dados que constam na 17ª edição do Boletim Socioeconômico Trimestral da ACIST-SL e mostrados nesta quarta-feira (23), durante evento público realizado na Entidade. Os números foram revelados pela coordenadora do Boletim, Job Zanella e analisados por Roberta Bazzo, diretora de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde, e Marcelo Bitelo, coordenador Médico da Segurança do Paciente e Controle de Infecção da Unimed. A mediação foi de Leila Klin, diretora de Saúde da ACIST-SL. O levantamento das informações foi do Núcleo de Economia e Competitividade Internacional da Unisinos.
Na Estratégia de Família, este índice é ainda menor, registrando 13,1% em 2020, um percentual muito inferior a Canoas (55,7%), Gravataí (53,9%) e Novo Hamburgo (57,35%).
Nas internações por condições sensíveis à Atenção Básica (que atuam na prevenção de doenças como diabetes, insuficiência cardíaca e asma) São Leopoldo apresentou a taxa mais alta, com 17,6% em 2021.
Roberta Bazzo reconheceu que o município está avaliando a destinação atual dos recursos e que um dos principais investimentos para 2023 será na Atenção Básica, ampliando a cobertura de 40% para 70%. “Nosso objetivo é mudar o foco. Deixar de investir tanto no hospital Centenário, que absorve grande parte dos nossos recursos”, assinala.
O Boletim também mostrou um quadro preocupante sobre a cobertura vacinal. Em comparação com 2020, São Leopoldo reduziu sua cobertura vacinal contra Poliomielite em 1,1 ponto percentual, contra Meningocócica C em 3,6 pontos percentuais e contra a Tríplice Viral em 8,7 pontos percentuais. Há também um forte ponto de atenção quanto à Sífilis Congênita, com grande aumento de casos em bebês.
Em relação aos municípios observados, Novo Hamburgo e São Leopoldo foram os municípios que apresentaram os melhores resultados no indicador de sífilis congênita em menores de 1 ano de idade, com 24 e 42 novos casos em 2021, respectivamente. Marcelo Bitelo ressalta que este tem sido um problema recorrente no Brasil e que pode ser evitado no pré-natal, com a testagem da gestante. “A transmissão é feita pelo parceiro e por questões culturais não tem recebido o devido atendimento”, aponta.
E o atendimento pré-natal no município também precisa ser ampliado. Conforme os dados do Boletim, São Leopoldo apresentou redução na taxa de cobertura. Frente a 2017, alcançou 66% dos nascidos vivos cujas mães fizeram sete ou mais consultas pré-natal em 2021. Esta taxa é a menor dentre os quatro municípios utilizados como comparativo, e também inferior à taxa média verificada no Estado do Rio Grande do Sul e no Brasil.
Dentre os municípios destacados, São Leopoldo foi o único que não alcançou a meta do Rio Grande do Sul em 2021 quanto à mortalidade infantil (crianças que morreram antes de completar um ano de vida a cada mil crianças nascidas vivas no período de um ano). A meta gaúcha é de 9,75 e São Leopoldo registrou uma taxa de mortalidade de 13,39. No período de 2017 a 2021, entre os municípios selecionados, Novo Hamburgo foi o único município que atingiu a meta.
A gravidez na adolescência (entre as faixas etárias 10 a 19 anos) exige ainda mais atenção. Mesmo apresentando melhora no período analisado (2017 a 2021), o município registrou a pior taxa no ano passado.
Uma das principais ferramentas para ajudar a elevar a qualidade na Saúde Primária são os agentes comunitários. Porém, o Boletim revela que São Leopoldo teve a menor taxa de cobertura de agentes comunitários de saúde entre os municípios analisados. A taxa foi de 17,5%, em uma gradativa redução desde 2017 e muito distante dos municípios utilizados como comparativo. Canoas registrou 45,6%, Novo Hamburgo 42% e Gravataí 25,3%.
Na cobertura da família, São Leopoldo também contabilizou a menor taxa. Em 2020, ficou com 13,1%, um percentual muito inferior à Canoas (55,75%), Gravataí (43,9%) e Novo Hamburgo (57,3%).
Para Roberta, estes dados demonstram a urgência em pensar outras metodologias para oferecer na base os serviços que estão faltando. “Não adianta aumentar leitos, precisamos atacar o início de tudo”, pondera. Dentre as ações, está o atendimento por território, com unidades de saúde nos bairros e comunidades e unidades móveis circulando por toda cidade. “Precisamos descentralizar as salas de vacinas, estimulando as pessoas a se imunizarem, e também ampliarmos a integração multidisciplinar com outros órgãos, como a Assistencial e a Educação. “A Saúde não pode atuar de modo fragmentado”, defende.
Marcelo Bitelo aponta que o atendimento privado tem imitado o público na atenção básica, passando também a cuidar do conveniado como um todo. “Estamos dando especial atenção à família, em uma ação de prevenção”, comenta.
Para o presidente da ACIST-SL, Felipe Feldmann, as informações do Boletim são de extrema importância, tanto para o poder público como para as empresas. “A Saúde é um dos fatores que atrai novos investimentos e estimulam os já existentes. Ter um sistema público eficiente, com atendimento humanizado, inibe uma série de doenças, reduzindo o absenteísmo. O Boletim aponta onde estão os itens a melhorar, contribuindo para orientar os órgãos públicos”, apontou.
O Boletim Socioeconômico Trimestral da ACIST-SL utiliza as cidades de Canoas, Novo Hamburgo e Gravataí devido às semelhanças geográficas, sociais e econômicas e tem patrocínio da Sicredi Pioneira, Unimed Vale dos Sinos, Frontec Ind. de Componentes de Fixação, Colégio Sinodal, Imobiliária São Luiz e Imobiliária Solar.
O que é Atenção Básica:
Segundo a Fiocruz, a Atenção Básica ou Atenção Primária em Saúde é conhecida como a “porta de entrada” dos usuários nos sistemas de saúde. Ou seja, é o atendimento inicial. Seu objetivo é orientar sobre a prevenção de doenças, solucionar os possíveis casos de agravos e direcionar os mais graves para níveis de atendimento superiores em complexidade. A Atenção Básica funciona, portanto, como um filtro capaz de organizar o fluxo dos serviços nas redes de saúde, dos mais simples aos mais complexos.
No Brasil, há diversos programas governamentais relacionados à atenção básica, sendo um deles a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que leva serviços multidisciplinares às comunidades por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBSs), por exemplo. Consultas, exames, vacinas, radiografias e outros procedimentos são disponibilizados aos usuários nas UBSs.
A Atenção Básica também envolve outras iniciativas, como: as Equipes de Consultórios de Rua, que atendem pessoas em situação de rua; o Programa Melhor em Casa, de atendimento domiciliar; o Programa Brasil Sorridente, de saúde bucal; o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que busca alternativas para melhorar as condições de saúde de suas comunidades, dentre outros.