Tatiana Borsa representa o músico Marcelo de Jesus dos Santos, que era o vocalista da banda Gurizada Fandangueira. Entenda como isso pode afetar o julgamento.
A advogada Tatiana Borsa, que representa o réu Marcelo de Jesus dos Santos no júri do caso Kiss, fez uso de uma carta psicografada, durante os debates entre defesas e acusação na noite de quinta-feira (9), para defender o seu cliente.
Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, é apontado pelo Ministério Público (MP) como responsável por ter acendido o artefato pirotécnico que causou o incêndio na boate. A carta seria de um dos jovens que morreu, documento onde ele supostamente pediria para deixar de procurar culpados.
“Ao invés de gastar nosso pensamento procurando por culpados, vamos nos unir em oração”, traz o vídeo com a transcrição do que a vítima teria dito na carta.
O vídeo, de acordo com Tatiana, reproduz a mensagem enviada por Guilherme Gonçalves, vítima do incêndio. Ela foi publicada no livro Nossa Caminhada, encomendado por familiares de vítimas que pediram que quatro médiuns fizessem psicografias.
Qual o impacto no júri
O professor de processo penal na Escola de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Felipe Oliveira, explica que o júri, dentro da legislação brasileira, é o único espaço em que se depende da “íntima convicção dos jurados” para julgar, ou seja, as decisõ“A prova, ou o argumento, trazido pela doutora Tatiana, depende de cada jurado decidir se vai ser valorado ou não. Do que o jurado pensa, do que ele acredita”, afirma.
Ele ressalva, no entanto, de que essa prova – ou argumento – não pode ser “manifestamente contrária à prova dos autos”, ou seja, se todas as outras provas sugerem que um crime foi cometido, não pode ser essa a fala que deve orientar o julgamento do jurado.
Sobre isso, o advogado e professor na mesma instituição, Fabiano Clementel esclarece que o que aconteceu na noite de quinta-feira não foi um fato inédito. Ele conta que desde de 1970 já há registros de situações onde cartas psicografadas foram trazidas para julgamentos populares, sendo que dois foram no Rio Grande do Sul.
“Houve um caso na cidade de Viamão, em 2006, em que uma carta [psicografada] foi usada e ela inocentava a autora do crime. Dizia explicitamente que o crime não tinha sido praticado por ela”, relembra, dizendo que esse júri foi anulado.
A partir desse entendimento, o jurista explica que, enquanto prova, a fala usada pela advogada Tatiana pode ser entendida como testemunhal ou documental. No caso de ser testemunhal, a legislação brasileira entende que ela não tem valor, pois é o testemunho de uma pessoa que já morreu. Como documental, é necessário que seja juntada ao processo até três dias antes da sessão plenária, que foi o que ocorreu.
Como a advogada Tatiana usou a mensagem ao final da sua manifestação, o professor Oliveira entendeu que o tom era muito mais de “mensagem do que meio de prova”.
“É uma fala moral. Quem morreu não coloca a culpa em que praticou o crime”, diz.
Clementel concorda e sinaliza que vale uma orientação do juiz Orlando Faccini Neto aos jurados em relação a isso. Como o sistema de apreciação da prova é o da íntima convicção, baseado na incomunicabilidade dos jurados e sigilo, além dos jurados não necessariamente serem pessoas familiarizadas com o direito, é importante que o júri não seja posto em risco diante de um julgamento equivocado.
Foto: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul/Reprodução
