Por Mara Marisa da Silva, Pedagoga e Mestre em Educação
Assistimos a proliferação de filmes infantis acompanhados por diferentes artigos para serem consumidos de forma simultânea, contribuindo assim para o sucesso do filme. No caso dos filmes infantis de animação os artigos vão desde camisetas, brinquedos, jogos eletrônicos, até materiais escolares como cadernos, mochilas e lancheiras. Se observarmos os materiais escolares de nossos filhos e seus amigos, teremos essa comprovação.
Atualmente os filmes infantis e os artigos que dele derivam são o retrato da lógica capitalista e uma das conseqüências dessas práticas é que o processo de significação é ampliado envolvendo outros espaços que não somente a sala de cinema.
O que proponho é suspeitar da inocência de alguns artefatos e olhar para como eles podem estar contribuindo para a produção de uma determinada infância, já que as crianças assistem estes filmes inúmeras vezes decorando músicas, gestos, diálogos. A pergunta a ser feita é: Como esses artefatos nos capturam e nos constituem enquanto sujeitos?
Isso porque, penso que os filmes infantis para além de servirem como diversão e lazer, produzem um currículo cultural que ensina comportamentos, hábitos e atitudes.
Se assistirmos atentamente os filmes de grande circulação entre as crianças, perceberemos que o belo, o “dito normal” são qualidades freqüentemente atribuídas aos heróis e heroínas, enfim, produz-se estereótipos de beleza e, dentre outras coisas, produz-se comportamentos, modos de ser feminino ou masculino.
As princesas ou heroínas dos filmes infantis geralmente são donas de uma bela voz, de cabelos longos, na maioria das vezes loiras, e com corpo com acentuadas curvas (Barbie, Pequena Sereia, Cinderela…). O feminino está associado a estética, a meiguice e a preocupação com o casamento. Não por acaso, nossas crianças cada vez mais insistem em usarem só vestidos, não querem cortar os cabelos, vivem de maquiagem… Trabalho com Educação Infantil e vejo o quanto as meninas se identificam e se projetam nessas personagens, ou seja, fazem de tudo para parecerem-se com elas não só esteticamente falando, mas também em termos de atitude.
O masculino por sua vez também é produzido pelos discursos que circulam nos filmes. Esses discursos nos ensinam maneiras de exercer a masculinidade.
No filme Mulan, por exemplo, o dragão Mushu ensina Mulan como deve agir para parecer-se com um homem, entrar no quartel e honrar o nome da família:
“[…] tem que andar que nem homem, levanta o queixo, ombro para traz, separa os pés, ergue a cabeça… Ao avistar um grupo de soldados, um mexendo nos pés, outro com o dedo no nariz, ela diz isso é uma nojeira!, e o dragão responde; não são homens e você vai ter que ser igual a eles.” (SABAT, 2004, p.7).
São através dessas práticas que se produz aqueles jargões tão recorrentes em nosso cotidiano: “Isso não é coisa de menina.”; Ele é homem e para homem não é feio”; “se comporte como um homenzinho, não chore.”; para menino não fica muito feio, mas menina eu acho horrível”…
Os filmes funcionam como artefatos culturais que utilizam mecanismos educativos e até mesmo pedagógicos. É preciso nos dar conta de que não é somente na escola que se aprende. Por meio de um processo de interação o público infantil é capturado pelos filmes a eles endereçados e esses suscitam os mais diferentes tipos de reações constituindo-nos enquanto sujeitos muito particulares. Cabe salientar que de modo algum se trata de proibir que as crianças assistam filmes infantis, mas da importância de nós, pais e professores, estarmos atentos aos produtos do mundo infantil que não são tão inocentes quanto parecem ser.